André Ventura: pode alguém ser quem não é?
Quando ouvir “politicamente correcto”, pare, escute e olhe. O uso desta expressão está a ter um novo significado; está ao serviço da xenofobia e do racismo. Cuidado com as companhias
As recentes declarações de André Ventura, candidato pela coligação PSD/CDS à Câmara Municipal de Loures, são a última expressão de uma corrente — minoritária, é certo — que erige o “politicamente correcto” como veículo para atacar alicerces fundamentais da Constituição da República Portuguesa (CRP).
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As recentes declarações de André Ventura, candidato pela coligação PSD/CDS à Câmara Municipal de Loures, são a última expressão de uma corrente — minoritária, é certo — que erige o “politicamente correcto” como veículo para atacar alicerces fundamentais da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A estratégia comunicacional não é nova e reconduz-se, no essencial, na tentativa de, mutatis mutantis, copiar para Portugal o triste fenómeno de Donald Trump. Como? De uma forma muito simples: polariza-se o discurso contra certas minorias, fazendo um sem-fim de generalizações assentes num discurso racista e xenófobo. Quando confrontados com a reacção que este tipo de declarações provoca, este tipo de populismo vale-se, ironicamente, da CRP e alega, com toda a desfaçatez, que estamos somente perante o exercício da liberdade de expressão.
Primeira conclusão: quando ouvir “politicamente correcto”, pare, escute e olhe. O uso desta expressão está a ter um novo significado; está ao serviço da xenofobia e do racismo. Cuidado com as companhias.
Contudo, esta questão política torna necessário que nos informemos também juridicamente. Neste campo, a informação e o conhecimento são os nossos melhores aliados. Podemos, então, dizer aquilo que nos apetecer?
À luz da Constituição “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento (…) sem impedimentos nem discriminações.” (artigo 37.º n.º 1). Calma, é preciso ler tudo; o mesmo artigo 37.º diz no seu n.º 4: “As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidos aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social (…).” Segunda conclusão: podemos dizer tudo aquilo que nos apetecer, desde que respeitemos os poucos limites que nos são estabelecidos.
E quais são estes limites? O Código Penal ajuda-nos a estabelecer a linha vermelha: “Quem, em reunião pública, por escrito destinado a divulgação ou através de qualquer meio de comunicação social ou sistema informático destinado à divulgação difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, religião, sexo ou orientação sexual ou identidade de género, nomeadamente através da negação de crimes de guerra ou contra a paz e a humanidade (…)” com intenção de incitar ou encorajar à violência é punido com pena de prisão até 5 anos.
Portanto, a lei penal, que André Ventura obviamente conhece, criminaliza este discurso pois o povo português considera inaceitável que alguém publicamente difame e insulte um grupo de pessoas com base no seu preconceito. Isto é algo de que nos devemos orgulhar para mais quando verificamos no nosso quotidiano o pulsar da sociedade portuguesa, respirando sem restrições securitárias, comprovando que apesar do caminho por fazer, é bem mais tolerante que alguns dos nossos vizinhos europeus.
André Ventura, professor universitário e comentador televisivo, acaba de dizer que se for condenado por xenofobia “será a democracia a ser também condenada”. A democracia nunca é condenada; pode é sentir-se ameaçada; aí reage. É isso que se está a passar.