Onde anda o icebergue que se soltou na Antárctida?
Cientistas que seguem o enorme bloco de gelo através de imagens de satélite prevêem que o icebergue se desintegre em pequenos pedaços gelados e já viram um pequeno fragmento a partir-se.
Uma semana depois de um enorme bloco de gelo do tamanho do Algarve se separar da plataforma Larsen C, na Antárctida Ocidental, o que sabemos? Segundo os cientistas que acompanham este fenómeno natural de uma dimensão invulgar – apesar das difíceis condições impostas pelo escuro Inverno polar –, o icebergue continua lentamente à deriva e, numa das pontas, perdeu já um pequeno fragmento de gelo. Enquanto desliza devagar para o provável destino de ficar desfeito em muitos pequenos pedaços, sabemos que, para já, pesa cerca de um bilião de toneladas e tem uma superfície gelada de quase seis mil quilómetros quadrados.
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Uma semana depois de um enorme bloco de gelo do tamanho do Algarve se separar da plataforma Larsen C, na Antárctida Ocidental, o que sabemos? Segundo os cientistas que acompanham este fenómeno natural de uma dimensão invulgar – apesar das difíceis condições impostas pelo escuro Inverno polar –, o icebergue continua lentamente à deriva e, numa das pontas, perdeu já um pequeno fragmento de gelo. Enquanto desliza devagar para o provável destino de ficar desfeito em muitos pequenos pedaços, sabemos que, para já, pesa cerca de um bilião de toneladas e tem uma superfície gelada de quase seis mil quilómetros quadrados.
A viagem do icebergue, que foi baptizado pelo Centro Nacional do Gelo norte-americano como A-68 (a letra corresponde a um local no mapa da Antárctida e o número a uma sequência definida por esta entidade), promete demorar meses. “Os icebergues nesta área tendem a andar à deriva ao longo da costa [da península], depois curvam para leste à medida que entram no mar alto. Provavelmente demorará um ano ou dois para o icebergue chegar tão longe, e vai derreter um pouco, à medida que faz este percurso. Também é muito provável que se vá desfazendo – já se quebrou um pedaço pequeno a norte do bloco”, refere Martin O'Leary, um dos cientistas do Projecto Midas, da Universidade de Swansea, no País de Gales (Reino Unido), que reúne um grupo de investigadores que acompanham a evolução da plataforma Larsen C há vários anos.
Numa sessão de perguntas e respostas na página do Twitter do projecto, o especialista explicou que “icebergues deste tamanho são um evento pouco frequente, mas natural”, tendo sublinhado que os investigadores não estão muito preocupados com as possíveis consequências. “Tanto quanto podemos dizer, este fenómeno não terá grandes impactos negativos na plataforma de gelo. Se o icebergue tivesse sido um pouco maior, poderia ter reduzido a contracção nos glaciares atrás da plataforma de gelo, o que os levaria a descarregar mais gelo no mar. Isso teria tido alguns pequenos efeitos (talvez poucos milímetros) no nível global do mar. No entanto, não pensamos que isso seja provável, dada a nova forma da plataforma de gelo”.
Sobre a possibilidade de algum navio chocar com o bloco de gelo, Martin O'Leary também desdramatiza: “É muito improvável que algum navio choque com o icebergue, a menos que o fizesse deliberadamente. Actualmente, seguimos os icebergues por satélite e, por isso, os navios sabem como os evitar. Os icebergues mais pequenos (demasiado pequenos para aparecerem nas imagens por satélite) podem ser um problema, mas a maioria dos navios opta por evitar as áreas onde são mais prováveis”. Por outro lado, o cientista lembra que actualmente o A-68 se encontra- no mar de Weddell, que “não é propriamente uma zona com muito movimento de navios”.
Martin O'Leary lembrou ainda que este é um dos maiores icebergues registados pelos investigadores, mas não é o maior. “O maior que registámos é o icebergue B-15, que se soltou da plataforma de gelo de Ross em 2000. Tinha 11.000 km2, ou seja, era quase o dobro do A-68. Andou à deriva por alguns anos e gradualmente foi-se partindo – ainda existem alguns pedaços dele a flutuar por aí”, disse, acrescentando que “há relatos mais antigos (antes do acesso a imagens de satélite) de icebergues maiores, mas é difícil perceber se devem mesmo ser levados a sério”.
Houve quem perguntasse se há pinguins no A-68. Martin O'Leary não fugiu a nenhuma questão e, por isso, deu-se ao cuidado de esclarecer esta dúvida. “Não! Os pinguins vivem uma existência anfíbia – eles precisam de poder entrar e sair da água. As margens de Larsen C (e agora de A-68) são penhascos verticais, pelo menos com 20 m de altura. Os pinguins podem entrar na água, mas eu não vejo grandes possibilidades de saírem da água e voltarem ao bloco de gelo. Geralmente, não há muita vida em plataformas de gelo ou icebergues”.
A separação do icebergue da plataforma Larsen C não foi uma surpresa. O risco de cisão e desprendimento já vinha a ser apontado durante os últimos meses, devido ao rápido crescimento da fissura que separava o bloco e a plataforma de gelo. Já se sabia que quando este bloco de gelo se soltasse, a plataforma Larsen C perderia mais de 10% da sua área; daqui resulta que a frente de gelo fica na posição mais recuada de sempre. “Este fenómeno vai mudar de forma fundamental a paisagem da Península Antárctica”, alertaram os investigadores do Projecto Midas, que agora seguem a lenta viagem do enorme pedaço de gelo. Os cientistas e o bloco de gelo estão unidos há vários meses e esta ligação vai continuar agora que ele é um icebergue à deriva. Até que o tempo, as correntes e o vento desfaçam o gelo e os separem.