Anos depois, arquitectos e engenheiros voltam “a discutir a mesma coisa”
Ordem dos Engenheiros quer repor “a justiça a um grupo muito restrito de engenheiros civis”. PSD e PAN apresentaram propostas de lei nesse sentido. Ordem dos Arquitectos não abdica do principio geral de que a arquitectura tem de ser feita por arquitectos.
“Parece que não temos mais nada que fazer, ou outras coisas para discutir. Todos nós pensávamos que o assunto estaca encerrado, mas, depois de 2009, lá voltamos ao mesmo e a discutir as mesmas coisas”. O comentário, feito ao PÚBLICO pelo presidente da Ordem dos Arquitectos, José Manuel Pedreirinho, refere-se ao debate na Assembleia da República da próxima quarta-feira, altura em que será discutida e votada a petição “Em Defesa do exercício da profissão de Engenheiro” e três projectos de lei, um da autoria de deputados do PSD, e dois da autoria do deputado do PAN com vista à alteração da lei 31/2009, de 3 de Julho.
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“Parece que não temos mais nada que fazer, ou outras coisas para discutir. Todos nós pensávamos que o assunto estaca encerrado, mas, depois de 2009, lá voltamos ao mesmo e a discutir as mesmas coisas”. O comentário, feito ao PÚBLICO pelo presidente da Ordem dos Arquitectos, José Manuel Pedreirinho, refere-se ao debate na Assembleia da República da próxima quarta-feira, altura em que será discutida e votada a petição “Em Defesa do exercício da profissão de Engenheiro” e três projectos de lei, um da autoria de deputados do PSD, e dois da autoria do deputado do PAN com vista à alteração da lei 31/2009, de 3 de Julho.
Em causa, em todos eles, está “a qualificação profissional exigível aos técnicos responsáveis pela elaboração e subscrição dos projectos” e que reabre a profunda divergência que existe entre profissionais da Arquitectura e da Engenharia. “Acredite que isto não é uma guerra entre engenheiros e arquitectos. Queremos que os arquitectos continuem a fazer arquitectura e os engenheiros a fazer engenharia. E que seja cumprida a legislação comunitária e que não sejam retirados os direitos a um conjunto de profissionais. Se a justiça for feita, não vamos cantar vitória. Porque isto não é uma batalha, insisto, é uma questão de justiça”, responde, o bastonário da Ordem dos Engenheiros, Carlos Mineiro Aires.
Na próxima quarta-feira estarão os dois na Assembleia da República, para ouvir o andamento dos trabalhos. Mineiro Aires terá a seu lado dois dos seus antecessores, Matias Ramos e Fernando Santo, que integrarão uma comitiva de 55 engenheiros que estão, segundo a autorização para assistência ao plenário, “abrangidos pela DC 2005/36/CE”, a menção à directiva comunitária que está a abrir, de novo, uma frente de batalha entre as duas ordens profissionais. José Manuel Pedreirinho não tem a certeza se estará dentro do edifício da Assembleia da República a assistir ao plenário, mas tem a certeza de que estará do lado de fora, minutos antes deste começar, numa conferência de imprensa para continuar a sensibilizar os partidos políticos e a opinião pública “de que a arquitectura é feita por arquitectos”.
Se o resultado do debate pudesse ser antecipado pela visibilidade e pelos apoios públicos que têm recebido cada uma das posições, o argumentário dos arquitectos sairia claramente vitorioso. Se foi uma petição de 4088 assinaturas, com o engenheiro Ricardo Leão à cabeça, e que deu entrada a 17 de Maio de 2016, que acabou por forçar este agendamento (ver segundo texto), no passado dia 3 de Julho deu entrada uma assinada pro arquitectos, com Siza Vieira e Souto Moura entre os primeiros peticionários, e que contava com 11.302 subscritores àquela data - esta segunda-feira já tinha mais de 14.200. Também ao nível de tomadas de posição públicas e em anúncios na imprensa, a publicação de cartas de apoios aos argumentos dos arquitectos tem sido uma constante – desde organizações nacionais, como a Sociedade Portuguesa de Autores, a internacionais como o Colégio dos Arquitectos Europeus ou a União Internacional de Arquitectos.
“Mas isso é porque a discussão esta a ser enviesada, e estão a passar uma mensagem imprecisa e populista. Nós estamos a falar com cumprimento da lei, não de um chavão popular de que a arquitectura é para arquitectos,. Nós também defendemos isso, como defendemos que a engenharia é para os engenheiros”, diz o bastonário da Ordem dos Engenheiros.
O que está, então, em causa?
Ricardo Leão, autor da petição que deu origem a este debate, explica que se trata de repor na lei de 31/2009, que foi alterada pela Lei 40/2015, “a alínea que sempre lá esteve e lá devia ter continuado, mas que foi retirada a dois ou três dias da sua votação”. A alínea diz que “podem, ainda, elaborar projectos de arquitectura os engenheiros civis a que se refere o anexo VI da Directiva 2005/36/CE (…)” e que, segundo Ricardo Leão e a Ordem dos Engenheiros, vem acabar com a discriminação a que têm vindo a ser sujeitos em Portugal face aos seus pares da União Europeia. “Há engenheiros europeus que podem assinar projectos de arquitectura em Portugal, e eu, que sou português, não posso faze-lo”, critica.
“Essa directiva foi publicada com o Anexo VI, e que no fundo se tratava de uma lista de todos os países, inclusive aquela que foi fornecida pelo governo português, que indicava que profissionais poderiam praticar actos de arquitectura, tinham direitos adquiridos para o continuar a fazer. O problema foi que quando foi alterada a lei, e foi publicado o 45/2015, esta directiva não foi mencionada e criou-se um pântano legal com as autarquias, por exemplo, a fazerem interpretações jurídicas diversas”, argumentou Ricardo Leão.
A gravidade deste caso, contabiliza a Ordem dos Engenheiros em comunicado, já levou a Comissão Europeia a instar, por duas vezes, o Estado Português a resolvê-lo, bem como o provedor de Justiça que, no mesmo sentido, remeteu recomendações para o Parlamento. “A recomendação do provedor de Justiça está há 600 dias sem resposta. Isto é inaceitável”, atira Ricardo Leão.
No referido Anexo VI, a referida lista enviada por Portugal menciona nove cursos de arquitectura, entre os quais os lecionados nas Faculdades de Belas Artes do Porto e de Lisboa, e no caso dos cursos de engenharia civil foram listados quatro escolas (Universidades do Minho e de Coimbra, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e Instituto Superior Técnico, em Lisboa) com a menção específica de que estavam abrangidos os engenheiros civis que tivessem entrado até ao ano de 1987/1988. “Esse mesmo anexo que me deu direitos adquiridos para assinar projectos de arquitectura foi o mesmo que autorizou Siza Vieira e Souto Moura, que tiraram o curso na Escola Superior de Belas Artes do Porto – ainda não havia faculdade de arquitectura”, refere Ricardo Leão.
O bastonário da Ordem dos Engenheiros, Mineiro Aires, diz que se está a falar de um número muito restrito de profissionais – “que hoje serão 200, mas daqui a dez ou 15 anos serão seguramente menos”. "Este número não vai aumentar, vai diminuir”, argumenta. “Eu não sei quantos são, nem sei se é fácil vir a saber. O que sei é que foi dado um período transitório, e que tiveram cinco anos para tirar um curso de arquitectura se o pretendessem fazer. argumento de que fizeram isso a vida toda não serve. Senão, o que diriam os carrascos, quando foi abolida a pena de morte?”, contrapõe o presidente da Ordem dos Arquitectos.