Da monocultura à multifuncionalidade da floresta
Áreas florestais ao abandono, com uma elevada carga combustível ao nível do solo, são duas razões mais do que suficientes para justificar o que aconteceu em Pedrogão.
Faz hoje um mês da tragédia de Pedrógão Grande. Desde esse momento, temos assistido em vários meios de comunicação e especialmente nas redes sociais a um proliferar de opiniões, muitas delas completamente dispares. Desde os opinion makers aos profissionais da gestão florestal e aos académicos relacionados com a temática dos fogos florestais, sobre esta tragédia e a nossa politica florestal.
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Faz hoje um mês da tragédia de Pedrógão Grande. Desde esse momento, temos assistido em vários meios de comunicação e especialmente nas redes sociais a um proliferar de opiniões, muitas delas completamente dispares. Desde os opinion makers aos profissionais da gestão florestal e aos académicos relacionados com a temática dos fogos florestais, sobre esta tragédia e a nossa politica florestal.
Sucintamente, a discussão incide sobre o que correu mal no incêndio que matou 64 pessoas no passado 17 de junho. Foram diversas as críticas e sobretudo tinham como objetivo encontrar culpados, desde as falhas da proteção civil à falha na área das telecomunicações detenho-me sobre as razões apontadas pelos especialistas na área. Entre as várias críticas, amplamente debatidas nas redes sociais, apontam-se dois grandes culpados: a falta de prevenção e limpeza da floresta e matos, de forma geral mais defendida por engenheiros florestais; e, do outro lado da discussão, a culpa recai na monocultura, sendo o grande culpado o eucalipto, este último, com mais consenso e defensores especialmente no seio da sociedade civil, biólogos e ambientalistas. Impera, portanto, a frase: “a culpa é do eucalipto!”
Segundo as opiniões de vários especialistas, a culpa não é do eucalipto... e é do eucalipto. Ou seja, estamos perante a uma árvore sensível a incêndios por ser altamente inflamável (embora não tanto quando comparado com outras formações vegetais como o mato). No entanto, não podemos dizer que a culpa é inteiramente do eucalipto, porque qualquer outra espécie, autóctone ou não, arderia igualmente, se fosse sujeita às mesmas condições (abandono, monocultura extensiva, etc.), o que nos leva a uma problemática mais alargada, onde a questão da falta de prevenção e limpeza das florestas deve ser considerada. Comparando duas áreas florestais, uma plantada com eucalipto, sem qualquer tipo de gestão, abandonada e sem limpeza dos combustíveis ao nível do solo, e outra com carvalho, nas mesmas condições, arderiam as duas, embora não da mesma forma (com graus diferentes de propagação e de intensidade do fogo), segundo os últimos estudos de comportamento de fogo.
Se a culpa não é inteiramente do eucalipto, teremos de considerar outros fatores, sendo a gestão florestal um elemento de decisiva importância. Basta pensar na questão da remoção dos combustíveis, nomeadamente dos combustíveis finos (folhas, ramos secos, ervas, etc.) para rapidamente percebermos o papel que uma boa gestão pode ter. Facilmente somos levados a concordar com o arquiteto Henrique Pereira dos Santos de que o que temos no território são “torneiras de gás acesas”. Áreas florestais ao abandono, com uma elevada carga combustível ao nível do solo, são duas razões mais do que suficientes para despoletar e justificar o que aconteceu em Pedrogão.
O que falhou foi isso mesmo, uma falta generalizada de atenção à floresta. A monocultura extensiva sem gestão é de facto um problema, sendo necessário e urgente pensar em soluções:
a necessidade de criação de faixas (buffers) de pelo menos dez metros em relação às estradas em limites de floresta (como a EN236-1 no caso de Pedrógão Grande), com espécies de árvores mais resistentes ao fogo; a criação de faixas de descontinuidade e faixas de autóctones como o carvalho ou o medronheiro; a constituição e simplificação das ZIF (Zonas de Intervenção Florestal), criando um conceito de cooperativa com uma melhor coordenação entre os proprietários florestais (veja-se o exemplo do concelho de Mação); a limpeza do mato e a implementação de técnicas controladas de fogo ao longo do ano; a necessidade de estabelecer um diálogo mais próximo com a população local e a sociedade civil.
Também ao nível dos pequenos proprietários é decisivo a implementação e sensibilização por via da discussão pública (processo pouco utilizado em Portugal, mas com excelentes resultados noutros países), no sentido de assim aproximar as populações urbanas e rurais à floresta, sendo exatamente o afastamento parte do problema. A criação de um programa mais estruturado de defesa das populações (proteção civil), a construção de centrais de biomassa, capazes de gerar riqueza a partir da limpeza do mato (uma forma eficiente de a financiar) e a criação de incentivos para um planeamento florestal sustentável são algumas das medidas que tornarão mais eficaz o resultado de uma boa gestão florestal, tendo algumas delas sido recentemente aprovadas pelo Governo.
Se o problema, segundo muitos, é a politica de povoamento florestal mono-funcional, como é o caso da monocultura de eucalipto, a solução poderá passar pela ideia da floresta mista com capacidade produtiva (mantendo o eucalipto, mas regredindo a sua área), e geradoras de uma maior multifuncionalidade. Ou seja, seria necessária a transformação de áreas florestais onde predomina a monocultura em florestas multifuncionais e biodiversas. Estas deverão ter a capacidade de fornecer vários usos e serviços de ecossistema às populações, sendo ao mesmo tempo mobilizadoras de uma maior interação com o público através da função recreativa, explorando igualmente a função cultural. Capazes de possibilitar uma maior resiliência face aos incêndios e às alterações climáticas considerando a sua função ecológica e igualmente geradora de rendimento, não pondo totalmente de parte árvores de crescimento rápido como o eucalipto. Incluindo-a, contudo, a aposta deverá ser em árvores autóctones ou folhosas com maior interesse na criação de habitats e sistemas alternativos de produção, permitindo a exploração de áreas económicas como a silvo-pastorícia, apicultura, cosmética (plantas aromáticas), resinagem, etc., assim sendo possível uma floresta de uso múltiplo que não se concentre somente na produção de madeira.
Além das medidas já aprovadas pelo Governo e face à memoria viva da tragédia a que todos em direto assistimos, no mínimo o que cada um de nós pode esperar só pode ser uma revisão da politica florestal que passe pela aproximação do homem à floresta e à floresta multifuncional.
O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico