Venezuela anti-Maduro marca greve nacional e lança ultimato antes da "hora zero"

Presidente da Assembleia Nacional deixa aviso depois dos resultados de uma consulta popular no fim-de-semana: "Oxalá haja sensatez no Governo para ouvir o país. Se não ouvir, isso não só nos levará a mais violência, como também levará à sua saída."

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Uma venezuelana mostra o boletim em que apoiou as propostas da oposição JEFFREY ARGUEDAS/EPA

Caracas continua movimentada e colorida no seu papel de capital da Venezuela, mas os berros e os tiros disparados nas ruas nos últimos três meses parecem estar cada vez mais perto de criarem à força dois países totalmente opostos. De um lado, o aparelho político do Presidente Maduro e a sua vontade de mudar a Constituição contra a vontade dos opositores; do outro, uma oposição que foi crescendo e que vê agora chegar a sua hora da verdade: ou aproveita o balanço e consegue torcer o braço a Maduro em apenas duas semanas, ou arrisca-se a diluir-se mais uma vez num mar de instituições controladas pelo Presidente.

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Caracas continua movimentada e colorida no seu papel de capital da Venezuela, mas os berros e os tiros disparados nas ruas nos últimos três meses parecem estar cada vez mais perto de criarem à força dois países totalmente opostos. De um lado, o aparelho político do Presidente Maduro e a sua vontade de mudar a Constituição contra a vontade dos opositores; do outro, uma oposição que foi crescendo e que vê agora chegar a sua hora da verdade: ou aproveita o balanço e consegue torcer o braço a Maduro em apenas duas semanas, ou arrisca-se a diluir-se mais uma vez num mar de instituições controladas pelo Presidente.

Apesar de todos os avanços que a oposição a Nicolás Maduro fez nos últimos meses, o que ficará na História é o que vai acontecer entre esta semana e o dia 30 de Julho – o dia em que o Presidente venezuelano quer ver formada, através de eleições, uma Assembleia Constituinte com 545 membros. Se a oposição não conseguir travar essa eleição, a Assembleia Constituinte entra em funções em Agosto com a tarefa de alterar a Constituição de 1999 e com poder para dissolver a Assembleia Nacional (o parlamento, onde os partidos da oposição a Maduro estão em maioria).

Como em tudo o que se passa na política venezuelana por estes dias, há sempre duas formas de ver as coisas.

Para o Governo da Venezuela, é preciso mexer na Constituição apadrinhada por Hugo Chávez porque o país chegou a um clima de instabilidade tal que é preciso voltar a ter ordem e caminhar mais depressa para o socialismo bolivariano; para os opositores, o que Maduro quer é acabar de vez com eles e continuar a empurrar as eleições com a barriga, talvez mesmo a que está marcada para Outubro de 2018 para a escolha do futuro Presidente.

Para o Governo da Venezuela, a escolha da Assembleia Constituinte vai ser livre e transparente, e todos vão ter a oportunidade de influenciar as alterações à Constituição; para os opositores, as regras estão minadas à partida porque a forma como a Comissão Nacional de Eleições desenhou o escrutínio de 30 de Julho para a constituinte dá toda a vantagem aos apoiantes de Maduro. Para além disso, a decisão de formar uma Assembleia Constituinte deixou a oposição perante um dilema: se participasse na escolha, estaria a validar o que considera ser um “auto-golpe” de Estado por parte de Maduro; ao não participar, pode acordar no dia 31 de Julho mais fraca e com menos argumentos para manter a situação na Venezuela no topo das notícias – pelo menos sem recorrer a outras formas de luta para além das manifestações nas ruas.

Para medirem as forças que estão em jogo na preparação para o dia 30 de Julho, os dois lados organizaram as suas próprias votações no fim-de-semana – com o único objectivo de mostrarem ao mundo que as fileiras de um são mais fortes do que as do outro, já que a do Governo não contava para nada e a da oposição não teve qualquer valor legal.

Enquanto uma das Venezuelas simulava as eleições para a Assembleia Constituinte, a outra perguntava aos que estão fartos de Maduro o que pensam sobre três coisas – se concordam com a formação de uma Assembleia Constituinte; se acham que as Forças Armadas devem cumprir a Constituição que está em vigor e executar as ordens da Assembleia Nacional; e se querem a realização de eleições livres e transparentes e a formação de “um governo de transição e unidade nacional”.

A consulta popular da oposição não cumpriu os mínimos exigidos por lei – e foram os opositores que contaram os seus próprios votos –, mas o resultado da contagem foi avassalador, transformando-se numa poderosa arma de arremesso contra o Governo e um aviso para o próximo dia 30 de Julho: segundo os organizadores, votaram mais de sete milhões de eleitores e, com 95% dos votos contados, 98,4% deles não querem uma Assembleia Constituinte e exigem eleições antecipadas.

Apesar de ter sido realizada à margem da lei, a consulta popular de domingo deu um apoio à oposição semelhante ao que foi dado ao opositor Henrique Capriles nas presidenciais de 2013, quando Nicolás Maduro foi eleito com uma diferença de apenas 1,5 pontos percentuais. Um resultado à partida natural, mas que deve ser visto por Maduro como um gigantesco sinal de perigo: há quatro anos, os 7,3 milhões de votos no rosto da oposição foram depositados em mais de 14 mil mesas de voto; no domingo passado, os 6,3 milhões de votos nas propostas da oposição só entraram em 2300 urnas.

Depois do resultado de domingo, o presidente da Assembleia Nacional, Julio Borges, lançou um aviso: "Oxalá haja sensatez no Governo para ouvir o país. Se não o fizer, isso não só nos levará a mais violência, como também levará à sua saída."

Ao mesmo tempo, outro rosto da oposição, Freddy Guevara, apelou a "todo o país" que faça greve na quinta-feira para "pressionar e preparar o definitivo aumento da pressão, que vai começar na próxima semana" – numa operação a que chamou "hora zero". Até 30 de Julho, a oposição vai tentar aproveitar o balanço da consulta de domingo para obrigar Maduro a recuar – a questão é que ninguém sabe o que significa aumentar a pressão depois de três meses com quase 100 mortos nas manifestações anti-Maduro.