Administração Central não divulga 85% das suas compras públicas
Dos quase 16 mil milhões de euros gastos pela administração central do Estado nos últimos três anos em aquisição de bens e serviços, apenas 15% estão registados no portal BASE
As exigências de transparência, legalidade e regularidade das compras públicas estão longe de ser cumpridas pelas entidades da administração do Estado. As conclusões são da Inspecção Geral de Finanças (IGF) que demonstra que a preponderância da escolha do recurso ao ajuste direto em detrimento de procedimentos mais concorrenciais continua a ser uma realidade nas compras públicas. Mas, igualmente preocupante, é o facto de se perceber que 85% da despesa realizada pela Administração Central do Estado com a aquisição de bens e serviços não é sequer publicitada no Portal Base, a plataforma gerida pelo IMPIC-Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção e que tem como objectivo precisamente proporcionar essa transparência.
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As exigências de transparência, legalidade e regularidade das compras públicas estão longe de ser cumpridas pelas entidades da administração do Estado. As conclusões são da Inspecção Geral de Finanças (IGF) que demonstra que a preponderância da escolha do recurso ao ajuste direto em detrimento de procedimentos mais concorrenciais continua a ser uma realidade nas compras públicas. Mas, igualmente preocupante, é o facto de se perceber que 85% da despesa realizada pela Administração Central do Estado com a aquisição de bens e serviços não é sequer publicitada no Portal Base, a plataforma gerida pelo IMPIC-Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção e que tem como objectivo precisamente proporcionar essa transparência.
Essa conclusão é extraída dos resultados de uma auditoria realizada pela IGF com a finalidade de aferir se os ajustes diretos realizados pelas entidades da administração central cumpriram todas as exigências no triénio 2013/2015. A auditoria teve, por isso, como ponto de partida os 15,9 mil milhões de euros (M€) que, nesses três anos, foram inscritos como despesa com aquisição de bens e serviços, incluindo de capital; uma despesa que, realça a IGF, tem vindo a revelar “uma tendência de crescimento”. Cruzando esta despesa com aquela que aparece publicitada no portal de compras públicas, percebe-se que “em média apenas 15% deste valor se encontra registado no Portal BASE”, nota a IGF.
Depois, a IGF pegou nas estatísticas que são fornecidas pelo Portal Base para perceber que o ajuste directo foi o procedimento utilizado em 85% das situações e que, mesmo entre as várias tipologias de ajuste directo, a opção recaiu quase sempre “naquele cuja tramitação reveste maior simplicidade”. Por fim, selecionou 12 entidades para passar a pente fino os seus procedimentos de aquisição para concluir que havia incumprimentos em 73% dos casos, e que se verificaram “desconformidades em todas as fases procedimentais dos processos que foram executados com recurso a ajuste directo".
Entre essas desconformidades detectadas, nota a IGF, destaca-se a ausência de adequada fundamentação pelo recurso ao ajuste directo, insuficiência de peças procedimentais (houve casos de empreitadas de obras públicas lançadas e adjudicadas sem projecto de execução), a não submissão a uma fiscalização prévia do Tribunal de Contas, pagamentos antes da publicitação no Base e até pagamentos superiores aqueles que haviam sido contratados. “As irregularidades assinaladas decorrem da insuficiência dos instrumentos de planeamento e de avaliação na área da contratação pública”, conclui a IGF.
O PÚBLICO tentou saber que entidades foram auditadas, mas a resposta que conseguiu obter junto através do Ministerio das Finanças foi apenas a identificação dos sectores em que actuam cada uma delas: uma entidade da área da Administração Interna, uma da Saúde, uma das Finanças e uma dos Negócios Estrangeiros, quatro do sector da Defesa e outras quatro na área do Ensino Superior.
Questionada pelo PÚBLICO acerca das consequências que vão poder ser extraídas desta auditoria, fonte da IGF respondeu que se tratou de uma acção temática, “que visou obter uma caracterização global do setor”, pelo que as recomendações específicas que dela resultaram foram efectuadas ao Conselho de Prevenção da Corrupção, “no sentido do reforço das ações de acompanhamento das suas recomendações”, bem como ao IMPIC, “atentas as respectivas atribuições no domínio da regulação dos contratos públicos de aquisição de obras, de bens e de prestações de serviços”, clarificou a IGF. Já as áreas mais criticas detectadas, e que a IGF não quis mencionar, “serão ainda objecto de adequado aprofundamento em auditorias específicas, inseridas no planeamento".
IMPIC prepara novas orientações
O presidente do IMPIC recordou que a boa contratação pública “é a que é feita com vista ao value for money em condições de sã concorrência entre as empresas”. Em declarações ao PÚBLICO, Fernando Silva recordou que “o recurso sistemático ao ajuste direto e, tendencialmente, com consulta a uma única entidade, não permite a comparabilidade de propostas”. “É por essa razão que o Governo, no âmbito da revisão do Código dos Contratos Públicos (CCP), procedeu à divisão do actual ajuste directo em dois procedimentos – o ajuste direto e a consulta prévia – determinando que a partir de 20.000 euros no caso de bens e serviços e de 30.000 euros no caso de empreitadas de obras públicas, a adjudicação seja obrigatoriamente precedida de consulta a, pelo menos, três entidades”, recordou.
A revisão do CCP foi discutida no segundo sempres de 2016, mas só em Maio deste ano é que a ultima versão foi aprovada em Conselho de Ministro, para entrar em vigor a partir do dia 1 de Julho de 2017. O presidente do IMPIC disse ao PÚBLICO que os serviços estão neste momento a analisar o relatório da IGF tendo em vista “preparar manuais de boas práticas/orientações técnicas, a divulgar junto das entidades adjudicantes e dos operadores económicos, com vista a uma melhor contratação pública”.
Como recorda o IMPIC, o recurso ilegal ao ajuste directo pode gerar responsabilidade financeira, sancionável pelo Tribunal de Contas, e ou responsabilidade criminal, sempre que o expediente possa ser associado a práticas com relevância criminal. O Tribunal de Contas, que é quem faz o controlo da despesa pública, não fez nunca uma auditoria específica aos ajustes directos. Mas tem vindo a fazê-lo em casos específicos, como aquele em que deu resposta a um pedido da Assembleia da República para auditadar 81 processos de contratação pública celebrados, entre 2012 e 2014, por ajuste direto, relativos a 23 empresas do grupo Águas de Portugal (AdP) envolvendo 9,7 milhões de euros. No relatório dessa auditoria, por exemplo, pode ler-se sobre “o caso extremo da contratação reiterada, há mais de 15 anos, de uma mesma empresa para a prestação de assessoria informática, na sequência de uma contratação inicial que não acautelou o interesse do grupo AdP, favorecendo a contratação sistemática da mesma empresa em prejuízo claro daquele princípio e do interesse público”. O relatório foi enviado para o Ministério Publico para relevar “a responsabilidade financeira” dos envolvido, “estando suficientemente indiciado que a infração é imputável aos seus autores a título de negligência”.
De acordo com o relatório estatístico da actividade do Tribunal, pode perceber-se que dos processos em que o Ministério Público requereu julgamento para efectivação de responsabilidades financeiras existentes, em 2016, foram julgados 29 processos, 14 dos quais com sentença condenatória: foram ordenadas reposições por pagamentos indevidos e aplicadas multas. O TC sublinha que também houve lugar a pagamentos voluntários de multas e reposições antes de julgamento.