George Romero em cinco filmes essenciais
Do iniciático A Noite dos Mortos-Vivos (1968), metáfora de uma "guerra civil" infinita, ao profético Diário dos Mortos (2007), primeira visão de uma era de fake news, eis algumas estações cruciais da filmografia do cineasta americano.
A Noite dos Mortos-Vivos (1968)
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A Noite dos Mortos-Vivos (1968)
Foi aqui que tudo começou, numa pequena produção independente com um orçamento pouco superior a cem mil dólares. George Romero não inventou os zombies, espécie que já tinha algum pedigree no cinema americano; mas, ao integrá-los na paisagem banal e reconhecível do interior dos EUA (com a confessada inspiração do Carnival of Souls, de Herk Harvey), e relatando a história num estilo de reportagem quase jornalística, inventou, isso sim, uma espécie de template para o género. Sem o esgotar no seu cerimonial específico, antes usando-o como um vocabulário: A Noite dos Mortos-Vivos é o perturbante (e “metafórico”) eco de uma “guerra civil” infinita, como o atesta o destino, nos planos finais, do protagonista negro, no mesmo ano em que Martin Luther King foi assassinado.
Martin (1978)
Depois do sucesso do filme de estreia, Romero trabalhou outros imaginários, entre o sobrenatural e o apocalíptico (a bruxaria, a guerra química). Com Martin, em 1978, abordou outra figura clássica, o vampiro. Despiu-o do porte aristocrático que vinha com a lenda (e de uma maneira que poderá ter influenciado o Near Dark, de Kathryn Bigelow, uns anos depois), fundiu-o com o relato suburbano do adolescente confuso e inadaptado, e serviu-o numa história cheia de sexo, num sadismo que tem o condão de existir numa espécie de inocência e de ser, portanto, um veículo para a tragédia.
Zombie: A Maldição dos Mortos-Vivos (1978)
Se tentou outros caminhos, Romero nunca conseguiu replicar o êxito comercial do primeiro filme de zombies. E assim, dez anos depois, com o patrocínio activo de Dario Argento (então no auge como “mestre do giallo”) e um orçamento 15 vezes superior (um milhão e meio de dólares), voltou ao assunto, efectivamente transformando os “mortos” numa série. Em parte um remake, numa escala mais vasta (a todos os níveis), do primeiro filme, Dawn of the Dead deixava claro o interesse de Romero: os zombies são o fenómeno, mais ou menos abstracto, que conduz a sociedade a um ponto de ruptura. E esse ponto de ruptura (sobretudo nas suas implicações políticas) é o que ele quer mesmo filmar.
Atracção Diabólica (1988)
Outro desvio da temática zombie, para uma “experiência” de medo que está algures entre Hitchcock (o protagonista, como o James Stewart da Janela Indiscreta, está confinado a uma cadeira de rodas) e a brusquidão dos Contos do Imprevisto, de Roald Dahl. O título português escolheu a palavra “atracção”, então muito em voga por causa da Atracção Fatal, de Adrian Lyne. Mas é mesmo isso: a perturbantíssima história de uma macaca desenvolvida em laboratório e da sua “atracção”, ciumenta, possessiva e assassina, pelo protagonista quadriplégico. Um filme dum arrojo quase inacreditável, numa atmosfera fria como um pesadelo.
Diário dos Mortos (2007)
Com os “mortos” transformados no periódico “bilhete-postal” que Romero enviava dando conta das suas observações sobre o “estado do mundo” (e que em 2005 originara Terra dos Mortos, o mais carpenteriano dos Romeros), Diário dos Mortos actualizava a saga para o tempo da Internet e do YouTube. O filme construía-se assim, num feixe de imagens colhidas nas mais diversas fontes, como uma recolha de imagens de telemóvel ou de câmaras de segurança, e os zombies já importavam menos do que o retrato de um mundo assim “atomizado” pela enxurrada de imagens, onde cada um transporta, no seu telemóvel, a sua “verdade” (ou as suas “fake news”), e todo e qualquer sentido “comunitário” está corroído à partida. Quase paródico, mas de uma presciência que é, hoje, mais evidente do que há dez anos.