Gasoduto da REN ameaça paisagem do Alto Douro Vinhateiro
Construção de gasoduto entre Celorico da Beira e Vilar de Frades, Bragança, proposta para zona protegida pela UNESCO. Projecto foi discutido há um ano, mas proprietários e o ICOMOS não sabiam de nada.
A REN-Redes Energéticas Nacionais quer construir um gasoduto para interligar a rede nacional de gás com a espanhola que obriga a intervenções na paisagem do Alto Douro Vinhateiro protegida pela lista do Património Mundial da Unesco. A obra prevê a construção de um canal para instalar tubos com 70 centímetros de diâmetro e a definição de corredores de servidão com 20 metros de largura, numa extensão próxima dos 160 km, entre Celorico da Beira e Vale de Frades, na fronteira transmontana com a Espanha. E o seu principal impacte acontece exactamente no ponto do mapa em que é necessário atravessar o Douro (o que está previsto ser feito sob o leito do rio). De acordo com o estudo de impacte ambiental que aponta para os cenários exigidos pela obra, “as condicionantes associadas e presentes na envolvente e as características técnicas especiais necessárias para realizar esta travessia” fazem com que a única alternativa em cima da mesa seja o cruzamento de parte da área classificada pela Unesco, da montanha do meandro da quinta do Vale Meão e, já na margem direita, na zona de Vilariça, uma área agrícola onde há um perímetro de rega e uma extensa área de vinha.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A REN-Redes Energéticas Nacionais quer construir um gasoduto para interligar a rede nacional de gás com a espanhola que obriga a intervenções na paisagem do Alto Douro Vinhateiro protegida pela lista do Património Mundial da Unesco. A obra prevê a construção de um canal para instalar tubos com 70 centímetros de diâmetro e a definição de corredores de servidão com 20 metros de largura, numa extensão próxima dos 160 km, entre Celorico da Beira e Vale de Frades, na fronteira transmontana com a Espanha. E o seu principal impacte acontece exactamente no ponto do mapa em que é necessário atravessar o Douro (o que está previsto ser feito sob o leito do rio). De acordo com o estudo de impacte ambiental que aponta para os cenários exigidos pela obra, “as condicionantes associadas e presentes na envolvente e as características técnicas especiais necessárias para realizar esta travessia” fazem com que a única alternativa em cima da mesa seja o cruzamento de parte da área classificada pela Unesco, da montanha do meandro da quinta do Vale Meão e, já na margem direita, na zona de Vilariça, uma área agrícola onde há um perímetro de rega e uma extensa área de vinha.
O estudo de impacte foi feito há quase um ano, mas só agora os proprietários durienses e as instituições da região do Norte souberam (ou mostraram saber) da sua existência. “Foi tudo feito sem a devida divulgação”, diz Francisco Olazabal, proprietário da quinta do Vale Meão, onde se produzem alguns dos vinhos do Douro mais premiados nacional e internacionalmente. “A discussão pública foi marcada para um dia de Agosto, quando as pessoas estavam de férias”, acrescenta, afirmando inclusivamente que a Câmara de Vila Nova de Foz Côa (que o PÚBLICO não conseguiu contactar) só soube da obra há poucas semanas. Da mesma forma, a Comissão de Coordenação da Região do Norte, que tem especiais deveres na defesa do Património Mundial, só no final do último mês colocou frente a frente representantes da REN e proprietários, numa reunião que decorreu no Porto. E o ICOMOS-Portugal, que representa o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios e tem especial poder de recomendação sobre a protecção do Património Mundial, só soube da obra este mês.
As características da obra não implicam uma alteração na paisagem protegida com a intensidade, por exemplo, de uma barragem ou de uma auto-estrada. Obrigam à definição de um corredor dedicado de 20 metros, onde há restrições à agricultura (não se pode cavar a mais de 50 centímetros de profundidade) e à plantação de árvores e uma proibição de construção. O problema no Douro é que as obras para a construção da vala vão implicar alterações significativas na paisagem. No caso da Quinta do Vale Meão, a zona de vinha não integra a área definida para a construção no estudo de impacte. Mas a construção do corredor e a abertura das valas implica danos na paisagem da montanha que lhe fica contígua. “Consegue imaginar o estrago que as escavadoras vão fazer na encosta só para chegarem ao local”, pergunta Francisco Olazabal? A Comissão Nacional do ICOMOS manifesta a mesma preocupação. Mesmo não tendo sido oficialmente avisada pela obra (não se sabe se a UNESCO o foi, o que é uma obrigação dos estados com bens inscritos na lista do Património Mundial), a Comissão fala numa “agressão ao bem” protegido e recomenda a procura de um “traçado alternativo fora da Região Demarcada do Douro”.
Dois cenários
No vale da Vilariça, o estudo de impacte admite dois cenários para a instalação das condutas de gás. O primeiro rasgaria o coração do vale – seria mais barato e fácil de construir mas implicaria o arranque de vinhas e o corte na contiguidade de campos agrícolas. O segundo traçado segue na margem da montanha do lado do concelho de Vila Flor, o que não deixa de ter impactes, a começar pela proximidade da praia fluvial na foz do rio Sabor. A Câmara Municipal de Moncorvo propôs à REN que “trocasse estas alternativas em favor da construção do gasoduto ao lado do IP2”, diz José Afecto, dos serviços técnicos da autarquia. Mas, mesmo assim, admite este engenheiro, a faixa de 20 metros exigida pelo gasoduto obrigaria à destruição de património agrícola. No vale, para lá de culturas de regadio, há importantes áreas de vinha, com destaque para a Quinta do Ataíde, do grupo Symington, que já manifestou a sua oposição à construção do gasoduto – o grupo considera que depois da construção da barragem do Tua que alterou radicalmente o entorno das suas quintas dos Malvedos e do Tua é altura dos poderes públicos se empenharem na salvaguarda do património duriense.
O problema do traçado do gasoduto é a sua falta de alternativas em território nacional. De Celorico para a margem Norte, não há mais zonas planas para permitir a perfuração que projectaria as tubagens para debaixo do leito do rio para lá do meandro do Vale Meão até à praia da Foz do Sabor, na Vilariça. A montante, há o Parque do Côa, igualmente classificado pela UNESCO, e o Parque do Douro Internacional. A jusante, até perto da Régua, a mancha do Alto Douro Vinhateiro é contínua. Pelo que a alternativa ao traçado seria a travessia no sentido Sul-Norte em território espanhol, que na zona da raia é escassamente povoado e sem registos patrimoniais. É essa a proposta que os proprietários sugerem.
Contactada para esclarecer esta possibilidade, a REN não respondeu. A empresa refere apenas em nota escrita ao PÚBLICO que a obra “encontra-se a aguardar a emissão da Declaração de Impacte Ambiental (DIA), lembra que em causa está um “projecto classificado como PIC (Projecto de Interesse Comum) pela União Europeia”, que de resto o co-financia na fase de estudos e “tem como objectivo estabelecer a terceira interligação da rede de gás natural em alta pressão entre Portugal e Espanha”.
Terminada a discussão pública há um ano perante o desconhecimento dos principais envolvidos, o projecto do gasoduto encontra-se à espera do RECAPE — Relatório de Conformidade Ambiental do Projecto de Execução. Só posteriormente poderá ser licenciado pela Direcção Geral de Energia e Geologia. No momento da redacção do estudo de impacte e dos relatórios técnicos, a obra estava orçada em 137 milhões de euros e deveria estar concluída em Dezembro de 2019.