A diferença de Joana Marques Vidal
A actual remodelação de secretários de Estado tem um lado simbólico.
António Costa optou por uma remodelação governamental sem mexer no elenco ministerial e alterando apenas as peças no segundo círculo do poder executivo, o dos secretários de Estado. A opção é normal em política. Tanto mais estando o Governo debaixo de fogo por eventuais falhas da máquina do Estado nos incêndios de Pedrógão Grande e Góis, bem como no roubo de armamento no Quartel de Tancos. Tendo optado por lançar inquéritos, só quando estes produzirem resultados haverá avaliações sobre responsabilidade política.
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António Costa optou por uma remodelação governamental sem mexer no elenco ministerial e alterando apenas as peças no segundo círculo do poder executivo, o dos secretários de Estado. A opção é normal em política. Tanto mais estando o Governo debaixo de fogo por eventuais falhas da máquina do Estado nos incêndios de Pedrógão Grande e Góis, bem como no roubo de armamento no Quartel de Tancos. Tendo optado por lançar inquéritos, só quando estes produzirem resultados haverá avaliações sobre responsabilidade política.
Se o primeiro-ministro demitisse agora a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, ou o ministro da Defesa, José Azeredo Lopes, estaria a assumir que o seu Governo tinha falhado e a dançar a música da oposição, sobretudo da líder do CDS, Assunção Cristas. Além disso, nada impede que mais à frente, Costa mude ministros – os dois que estão a ser questionados ou outros - para assim relançar o novo ciclo do seu mandato executivo.
Há, na minha opinião, uma questão importante a ter em conta nesta remodelação. Ela surge num momento não desejado por Costa e é ditada por um factor externo à dinâmica do Governo: a decisão do Ministério Público de constituir arguidos três secretários de Estado por suspeita de favorecimento indevido na ocupação de cargos públicos (viajaram a convite da Galp para um jogo da selecção de futebol no Euro2016).
Do ponto de vista político e governativo, a saída dos três secretários de Estado em causa - Fernando Rocha Andrade (Assuntos Fiscais), Jorge Costa Oliveira (Internacionalização) e João Vasconcelos (Indústria) – é um rombo para Costa. Não só porque os visados são pessoas do seu círculo de confiança pessoal, mas também porque se trata de áreas fulcrais do programa de Governo. Rocha Andrade tinha em mãos as negociações do Orçamento do Estado e em particular a reforma dos escalões do IRS, uma aposta das negociações com os parceiros de maioria parlamentar de esquerda, BE, PCP e PEV. João Vasconcelos estava encarregado da valorização do papel das startups na economia. Jorge Costa Oliveira era o responsável pela busca de mercados de exportação e da captação de investimento estrangeiro em Portugal.
Mas, quanto ao timing da remodelação, há uma dimensão particularmente importante. A da moralização da vida pública e da introdução de exigentes padrões de ética na gestão do Estado. Longe parece ir o tempo em que negócios políticos sobre vírgulas em diplomas ou casos de fax que chegavam ao gabinete parlamentar errado eram comentados nos bastidores, até noticiados pelos jornais, mas vistos como normais na cultura e no modus operandi da política.
Felizmente, foi fazendo o seu caminho em Portugal uma cultura de intransigência social face à corrupção, que está atenta e não aceita a promiscuidade na política e as relações ambíguas entre ocupantes de cargos públicos e agentes económicos. Uma nova cultura de intransigência que, felizmente, tem eco no Ministério Público desde que Joana Marques Vidal está à frente da Procuradoria-Geral da República, dando um imenso contributo para a dignificação da Justiça, das instituições e da sociedade. Felizmente, o Ministério Público passou a estar atento ao comportamento dos políticos.
Para muitos, o caso das idas ao futebol a convite da Galp é um caso menor, faz parte de “usos e costumes”, não é crime e assim não devia ser valorizado. Mas, para mim, aceitar uma borla para ir ver jogar a selecção é o mesmo que Lula da Silva aceitar obras na casa (/-1778864). A diferença é apenas de grau e de valor. Mas em ambos os casos há favorecimento indevido de uma posição de poder dominante.
A actual remodelação de secretários de Estado tem assim um lado simbólico. Esperemos não seja só isso e, daqui para a frente, surja uma cultura de exigência ética quanto ao comportamento dos ocupantes de cargos políticos. Isso seria mais do que o início de novo ciclo do Governo concreto de Costa. Seria um novo ciclo na actuação política e, por consequência, na governação do país.