Acumular de tensões ditou saída de Margarida Marques
A tensão entre a secretária de Estado dos Assuntos Europeus com a Comissão Europeia, a Reper e os serviços do MNE foi-se avolumando. A gota de água para a ruptura foi a gestão do processo de candidatura à EMA.
A saída de Margarida Marques da Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus, onde foi substituída pela embaixadora Ana Paula Zacarias, foi uma decisão do primeiro-ministro, António Costa, que a viu como a única forma de pôr fim ao clima de ruptura não só no Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) como também na relação da ex-governante com Bruxelas.
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A saída de Margarida Marques da Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus, onde foi substituída pela embaixadora Ana Paula Zacarias, foi uma decisão do primeiro-ministro, António Costa, que a viu como a única forma de pôr fim ao clima de ruptura não só no Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) como também na relação da ex-governante com Bruxelas.
A última gota de água na taça do acumular de tensões foi o facto de o Governo responsabilizar Margarida Marques por terem sido fornecidas indicações erradas sobre o processo de candidatura portuguesa para acolher a Agência Europeia do Medicamento (EMA).
De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO junto de um membro do Governo, não existia nenhum problema de relacionamento entre Margarida Marques e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, nem com o primeiro-ministro. Aliás, na quinta-feira, Santos Silva emitiu uma nota classificando a relação com os seus secretários de Estado como “excelente”, mesmo depois de Margarida Marques ter assumido em declarações ao PÚBLICO a sua surpresa com a demissão de que foi alvo.
PGR faz precipitar-se tudo
A decisão de afastar Margarida Marques estava já tomada pelo primeiro-ministro e esta era uma das três Secretarias de Estado que sofreriam alteração - a par da criação da pasta da Habitação - na remodelação preparada para o reinício do próximo ano político. Eram elas as saídas a pedido de Miguel Prata Roque da Presidência do Conselho de Ministros e de Carolina Ferra da Administração e Emprego Público.
A remodelação acabou por se precipitar – e alargar - pelas demissões de Fernando Rocha Andrade (Assuntos Fiscais), João Vasconcelos (Indústria) e Jorge Costa Oliveira (Internacionalização), no domingo, depois de verem os seus chefes de gabinetes e o assessor dos assuntos económicos do primeiro-ministro, Vítor Escária, serem constituídos arguidos pelo Ministério Público, por alegado recebimento indevido de vantagem no caso das viagens a convite da Galp para o Euro 2016.
Relações tensas
Segundo as informações recolhidas pelo PÚBLICO, as relações da secretária de Estado dos Assuntos Europeus eram tensas com vários departamentos, quer em Lisboa quer em Bruxelas. Ao nível europeu existia tensão entre Margarida Marques e elementos da Comissão Europeia. Também em Bruxelas, o clima com os responsáveis da Representação Permanente de Portugal Junto da União Europeia (Reper) tinha vindo a degradar-se, nomeadamente como o número dois da hierarquia, o representante permanente adjunto, Pedro Lourtie.
Em Lisboa, o problema de tensão, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, existia com os próprios serviços do MNE. O motivo de fundo prender-se ia com a “auto-suficiência” da secretária de Estado, que formou o seu gabinete sem contar com nenhum elemento do quadro do ministério e recorrendo a pessoas por si convidadas fora.
A gota de água da EMA
Mas o culminar da tensão e a ruptura final com Margarida Marques, que levou António Costa a decidir-se pela sua substituição, terá sido, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, a forma como a secretária de Estado geriu o processo de candidatura de Portugal a país sede da EMA, que terá de deixar Londres, em consequência da saída do Reino Unido da União Europeia.
Os responsáveis ouvidos pelo PÚBLICO apontam para que terá sido o facto de Margarida Marques garantir que os critérios de candidatura excluíam o Porto que levaram António Costa a desistir da ideia de optar por aquela cidade como candidata. Uma primeira escolha que o primeiro-ministro tinha já combinado com o presidente da Câmara Rui Moreira. Ambos consideravam que seria uma excelente forma de promover o desenvolvimento económico do Porto, devido às sinergias que criaria.
Só que, quando se chegou às questões práticas do processo de decisão, de acordo com o relato feito ao PÚBLICO por um membro do Governo, Margarida Marques terá apresentado como um dos critérios de candidatura a necessidade de a cidade ter condições de albergar uma escola europeia e que a EMA só por si não garantia o número de funcionários que permitissem a abertura de tal instituição destinada à formação de funcionários e dos seus filhos. Logo, teria de ficar em Lisboa, onde já há departamentos comunitários.
Terá sido essa a razão pela qual o Governo optou, num primeiro momento, por escolher Lisboa como candidata. Uma opção contestada pelo presidente da Câmara do Porto que, em reunião com o próprio primeiro-ministro, fez questão de demonstrar que não só não havia nenhum critério que impusesse a criação de uma escola europeia, como não havia nenhum limite mínimo de funcionários para a eventual abertura de tal estabelecimento de ensino.
Perante a demonstração de Rui Moreira, o primeiro-ministro decidiu reabrir o processo para que o Porto pudesse ser a cidade candidata, o que ficou decidido na quinta-feira em Conselho de Ministros, o mesmo dia em que foi tornada pública a saída de Margarida Marques da Secretaria de Estado dos Assuntos Europeus.
Margarida Marques não quis falar aos jornalistas na tomada de posse dos novos secretários de Estado, ao fim da tarde, em Belém, mas à noite, na RTP N, reiterou que tinha uma boa relação com o ministro dos Negócios Estrangeiros e com o primeiro-ministro, a quem compete decidir quem mantém no Governo.