Florestas: quatro medidas que não custam mais dinheiro e que devem ser tomadas já
É preciso reforçar os incentivos aos produtores florestais para que esta caminhada associativa possa prosseguir.
Nos debates que vão por aí sobre as florestas tem-se gasto o tempo quase todo a discutir epifenómenos: se a causa do incêndio foi a trovoada seca, ou os incendiários; se houve, ou não houve, falhas do SIRESP; se o culpado é o eucalipto, ou não é, juntamente com o incorrigível “absentismo” dos proprietários florestais que só se pode combater impondo-lhes medidas compulsivas, etc.
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Nos debates que vão por aí sobre as florestas tem-se gasto o tempo quase todo a discutir epifenómenos: se a causa do incêndio foi a trovoada seca, ou os incendiários; se houve, ou não houve, falhas do SIRESP; se o culpado é o eucalipto, ou não é, juntamente com o incorrigível “absentismo” dos proprietários florestais que só se pode combater impondo-lhes medidas compulsivas, etc.
Uma das consequências deste género de debates é, depois, as medidas de política que daí decorrem também ficarem pela rama do que é fundamental mudar. Vamos, então, a dois factos essenciais que é preciso ter em conta nestes debates e nestas medidas de política. O primeiro é que Portugal é dos países do mundo com maior percentagem de área florestal privada (5,1% privada comunitária e 93,3% privada não comunitária), área essa que é muito fragmentada.
O segundo facto essencial a ter em conta é que o êxodo agrícola e rural que aconteceu desde meados dos anos 50 do século passado teve, como uma das suas consequências, tornar negativa a rentabilidade privada (a rentabilidade para o proprietário) de grande parte da floresta portuguesa, embora a rentabilidade social desta floresta (a rentabilidade para o proprietário mais o valor dos serviços ambientais da floresta) tenha continuado a ser positiva.
Dados estes factos fundamentais, por que caminhos deveriam ir os debates e as medidas de política florestal? Esses debates e estas medidas deveriam centrar-se em mudar os incentivos económicos a que os produtores florestais estão sujeitos, mais precisamente, desenvolver mecanismos para lhes pagar os serviços ambientais que a sua floresta gera, devendo uma boa parte destes pagamentos ser dedicada ao fomento de formas de gestão florestal agrupada.
Para se fazer isto não é preciso partir do zero. Já existe um mecanismo deste tipo que se chama Fundo Florestal Permanente para o qual contribuímos com uns cêntimos dos impostos que pagamos quando compramos combustível. Se este mecanismo já existe, o que é que falta fazer? Na minha opinião, seria preciso começar por tomar quatro medidas que não custariam mais dinheiro aos contribuintes.
Medida n.º 1: A primeira medida será afectar a quase totalidade dos recursos do Fundo Florestal Permanente (25 milhões de euros no Orçamento do Estado) a esse fomento de formas de gestão florestal agrupada, nomeadamente o apoio ao funcionamento das organizações de produtores florestais que estão espalhadas pelo país.
Isto daria para apoiar dois terços dos custos de funcionamento de cerca de 100 organizações deste género, para um total desses custos limitado ao valor razoável de 400.000 euros/ano. Isto exige a decisão politicamente corajosa e que, por isso, não se toma, de fazer com que a parte substancial do Fundo Florestal Permanente que vai para organismos públicos (principalmente os municípios) deixe de ir. Deve ser assim porque estas entidades só representam 1,6% da área florestal do país e, por isso, não podem ficar para elas com uma percentagem elevada dos recursos desse fundo. Se os municípios quiserem continuar a fazer o que têm feito com o dinheiro do Fundo Florestal Permanente (manter um Gabinete Técnico Florestal) têm na fiscalidade municipal formas de financiar isso, nomeadamente, uma taxa municipal de protecção civil que poucos aplicam.
Medida n.º 2: Os financiamentos do Fundo Florestal Permanente atribuídos às organizações de produtores florestais deverão sê-lo sob a forma de contratos-programa, com um horizonte de médio prazo, que apoiem a implementação de um plano de acções interligadas que essas organizações julguem adequadas para desenvolver a floresta do seu território (ex., criar e gerir Zonas de Intervenção Florestal (ZIF), criar e manter brigadas de sapadores florestais para essas ZIFs, fazer aconselhamento técnico aos aderentes das ZIFs, etc.). A implementação destes contratos deverá ser objecto de monitorização e de avaliação externa.
Medida n.º 3: Deverão ser instituídas regras compulsivas a cumprir pelos municípios no sentido de que os recursos financeiros que ainda possam vir para eles do Fundo Florestal Permanente, ou doutras origens, e as competências que têm na área florestal sejam utilizadas para fomentar e complementar o trabalho associativo das organizações de produtores florestais com boas provas dadas e não para as olharem com indiferença, ou até mesmo serem concorrentes dessas organizações.
Medida n.º 4: Sendo a silvicultura preventiva indispensável para reduzir o risco de incêndio e existindo, desde 1999, um programa de sapadores florestais, este poderia ser um embrião do regime de contratos-programa atrás referido. Para isso, deve, primeiro, corrigir-se urgentemente um conjunto de deficiências graves de que este programa enferma, alargando-se, depois, o seu âmbito de maneira a poder incluir as outras acções que as organizações de produtores planearem para serem apoiadas por esses contratos.
As deficiências graves neste programa que é preciso corrigir urgentemente são as seguintes:
– aumentar para 47.000 euros (o equivalente, hoje, aos 35.000 euros pagos em 1999, valor este que esteve congelado desde então até este ano, quando passou para 40.000 euros) o valor do pagamento pelo Estado do “serviço público” prestado por estas brigadas e, depois, não congelar para os anos seguintes este valor;
– distribuir mais ao longo do ano e não concentrar o pagamento deste valor só em três prestações maiores e uma pequena, com períodos demasiado longos entre elas, o que gera necessidades de fundo de maneio incomportáveis para as organizações com brigadas de sapadores;
– incluir na contagem de dias de “serviço público” as folgas a que os sapadores têm direito quando prestam este serviço aos fins-de-semana, em vez de fazer recair o encargo destas folgas (o equivalente a quase um mês de trabalho para uma brigada de sapadores) totalmente sobre as organizações que detêm as brigadas de sapadores.
Fazer isto não implica mais custos para os contribuintes. Exige, apenas, afectar os recursos disponíveis no Fundo Florestal Permanente ao que é mais essencial, mas de que pouco se fala, ou seja, melhorar os incentivos destinados aos produtores florestais que se esforçam e aos que os ajudam a organizarem-se colectivamente para, assim, poderem gerir melhor a sua floresta.
As provas de que este caminho é possível são as mais de 100 organizações de produtores florestais existentes no país e as 183 ZIFs já criadas, cobrindo uma área já perto de um milhão de hectares, ZIF essas que, na sua esmagadora maioria, foram criadas graças ao trabalho dessas organizações. O que, agora, é preciso é reforçar os incentivos económicos que são precisos para que esta caminhada associativa possa prosseguir, concentrando aqui recursos públicos que estão a ser desviados para outros fins.