O lento caminhar das mulheres ao encontro da igualdade nas autarquias

Têm um estilo de liderança mais transparente e democrático e revelam mais relutância em violar normas sociais e políticas, predicados que não têm pesado nas escolhas das organizações partidárias.

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Maria das Dores Meira (CDU) preside à câmara de Setúbal desde 2006, quando Carlos de Sousa se demitiu MIGUEL MADEIRA/Arquivo

Decorridos 41 anos desde as primeiras eleições autárquicas, a consagração da igualdade do género na Constituição da República Portuguesa, aprovada em 1976, revelou-se insuficiente para reduzir a desigualdade que prevalece entre homens e mulheres, sobretudo no exercício de cargos de liderança política.

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Decorridos 41 anos desde as primeiras eleições autárquicas, a consagração da igualdade do género na Constituição da República Portuguesa, aprovada em 1976, revelou-se insuficiente para reduzir a desigualdade que prevalece entre homens e mulheres, sobretudo no exercício de cargos de liderança política.

Verifica-se uma evolução que não foi linear, sujeita a avanços e recuos, que mantiveram a participação feminina ao nível do simbólico, na constituição das listas. Os resultados de 11 actos eleitorais realizados entre 1976 e 2013 são sintomáticos: registam a eleição de 3350 homens e de… 122 mulheres para liderar os executivos municipais no continente e nas regiões autónomas.   

Para reverter este paradoxo democrático, o Parlamento aprovou, em 2006, a Lei da Paridade, instrumento legislativo que estabelece que as listas para a Assembleia da República, Parlamento Europeu e Autarquias Locais devem “ser compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos sexos”. Contudo, a existência de quotas provou revelou-se insuficiente para assegurar que se alcançava a igualdade do género, como ficou demonstrado nas eleições autárquicas de 2009 e de 2013. Em cada um destes escrutínios, as candidaturas femininas conquistaram 23 lugares na liderança de executivos camarários num universo de 308 municípios, ou seja, uma percentagem de 7,46%.

Manuela Tavares, dirigente da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), fala da existência de “fugas” à lei da paridade, e dáum exemplo que classifica como “caricato”: na composição de uma lista para um executivo municipal faziam parte marido e mulher, “ela à frente e ele atrás”, para respeitar a paridade. Anunciados os resultados do acto eleitoral, “ a candidata é eleita, mas desiste e o lugar passa a pertencer ao marido”.

A par desta “reprovável” subtileza, Manuela Tavares critica a “ interpretação depreciativa da lei da paridade que é feita" por alguns políticos e até mulheres. E destaca a importância do quadro legislativo, apesar dos resultados das eleições autárquicas de 2009 e 2013 “não terem sido famosos”.

É um facto que as forças políticas “concentram as candidaturas femininas, sobretudo, nos lugares de vereação”, em detrimento da eleição de “mais presidentes de câmara”, realça a dirigente da UMAR. E mesmo que as mulheres se destaquem pela sua “competência e capacidade de trabalho”, são preteridas, porque os presidentes de câmara “querem perpetuar-se no lugar”, e recusam-se a sair, critica Manuela Tavares.

Apesar das críticas ao baixo índice de mulheres nas lideranças autárquicas, Adelaide Teixeira, presidente Câmara de Portalegre, 55 anos, eleita pela Candidatura Livre e Independente por Portalegre (CLIP), desvaloriza a Lei da Paridade. “ O que importa é a competência e não, se é homem ou mulher que desempenha funções no mundo da política autárquica. Não ligo às diferenças do género”, acentua, para garantir que nunca sentiu como constrangimento lo facto de ser mulher.

Conclusão semelhante pode retirar-se das palavras de Fermelinda Carvalho, 46 anos, que lidera a Câmara de Arronches, numa lista do PSD. “Entrar numa liderança autárquica para respeitar quotas é qualquer coisa 'à força', que muitas vezes significa estar lá por estar. Não presta”, resume a autarca, assumindo que a igualdade do género está “na capacidade de trabalho e competência, independentemente de se ser homem ou mulher”. “Nós, mulheres, fazemos um esforço maior, mas este é o caminho”, sublinha.

Hortênsia Menino, de 39 anos, é uma das mais jovens autarcas do país. Foi eleita presidente da Câmara de Montemor-o-Novo numa lista da CDU e posteriormente eleita pelos pares para liderar a Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central. É, aliás, a única mulher na liderança de um órgão intermunicipal em todo o país. “ Nunca me senti descriminada”, declara. "A diferença não estará no facto de ser mulher mas sim na minha experiência de vida”. Hortênsia Menino sugere que a defesa dos direitos das mulheres deverá ser “transversal” às diversas dimensões da vida, e não centrar-se apenas na política. “Não se pode falar nas dificuldades das mulheres em assumir maiores responsabilidades enquanto autarcas sem falarmos nos direitos e na igualdade que possa levar o mundo feminino a participar na vida política”, defende.  

Em Alfândega da Fé, Berta Nunes, 61 anos, eleita pelo PS, valoriza a Lei da Paridade por acreditar que a igualdade do género fará escola. Nas próximas eleições autárquicas “vão ser eleitas mais mulheres para a presidência de câmaras”, confia a autarca, embora preferisse que fossem contempladas quotas 50/50.

“Eu é que sou a presidente”

“Não noto diferenças no tratamento” em relação aos colegas homens, confessa a presidente da Câmara da Amadora, Carla Maria Tavares , 47 anos, eleita numa lista socialista. Mas sublinha um pormenor: teve que se  "adaptar”, com um custo que se reflecte na vida familiar. "Sou uma mãe ausente, mas não negligente”.  

Responsável pela gestão da quarta cidade mais populosa do país, com 176 mil habitantes de 55 nacionalidades concentrados em 24 quilómetros quadrados, Carla Tavares prefere destacar a dimensão da sua tarefa num concelho onde ainda persistem difíceis problemas sociais expressos em “34 bairros degradados e 26 mil pessoas a viver em barracas" que foi preciso "erradicar”.  

Se para Carla Tavares a dificuldade maior está na exiguidade do seu concelho e no elevado número de residentes, a situação é diametralmente oposta em Arronches. “ Aqui o grande problema é a falta de gente”, comenta Fermelinda Carvalho, referindo que faz a gestão de um território com 340 quilómetros quadrados onde apenas vivem 3200 habitantes dispersos.  

Além de autarca, Fermelinda Carvalho realça a sua condição de mulher casada: “Trato dos meus dos filhos e faço o jantar”. Lidera a Câmara de Arronches e também da Associação de Agricultores de Portalegre, é a primeira mulher na presidência desta organização. “ Vêem-me como uma igual, sem diferenciações ou estigmas pelo facto de ser mulher”, observa a autarca que diz atribuir um cunho “assertivo e personalizado à sua liderança”, tal como a sua colega de Alfandega da Fé, Berta Nunes.

A autarca do nordeste transmontano critica a atitude de alguns colegas presidentes de câmara que, “inconscientemente, continuam a fazer uso de uma certa condescendência paternalista”. Berta Nunes diz não dar tréguas a este tipo de atitudes, aproveitando a sua posição privilegiada: “Eu é que sou a presidente” e, como tal, “tenho legitimidade para combater as atitudes de quem nos tenta subalternizar”.

Na presidência da Câmara de Portalegre,  a independente Adelaide Teixeira resiste às posições “por vezes agressivas” dos seus opositores masculinos, alegando que a este tipo de atitudes está associado o reconhecimento de que resolveu “problemas que eram encarados como insolúveis”. O problema maior que se coloca às mulheres “entronca nas questões de natureza cultural e de disponibilidade para fazer política”, assinala a autarca portalegrense. “Se os meus filhos fossem pequenos, não estaria onde estou, neste momento”, confessa Adelaide Teixeira, explicando que a “maior parte das mulheres continua a dar prioridade à família”.

A importância da família é igualmente valorizada por Hortênsia Menino. “Só com a partilha de tarefas” é possível manter actividade no mundo da política, acentua a autarca.

Mulheres com lideranças mais democráticas

Num estudo sobre a transparência económico-financeira dos municípios portugueses, apresentado, em 2014, por Solange Sousa Nunes, do Departamento de Ciências Sociais, Políticas e do Território da Universidade de Aveiro, constata-se que o estilo de liderança feminina é “mais participativo e democrático”. Acresce, segundo o mesmo estudo, que as mulheres portuguesas à frente de autarquias se têm revelado mais “adversas a violar normas sociais e políticas”, por um lado, ao mesmo tempo que vêm demonstrando um “maior sentido da responsabilidade”.

Outra conclusão interessante é que diz respeito à comparação entre a informação económica e financeira disponibilizada pelos municípios com presidentes de câmara do sexo maculino e do sexo feminino. De acordo com esta investigação, a informação económico e financeira disponibilizada por autarquias lideradas por mulheres “é superior”, com um índice de 83,62, enquanto que nas câmaras presididas por homens a média é de 66,11.