O “Calcinha”, em Loulé, reabre com café e folhados de tradição
Três anos depois de fechar para obras, o café mostra a Belle Époque onde António Aleixo foi tolerado mas nem sempre reconhecido.
O centenário café “Calcinha” — onde o poeta António Aleixo, através das suas quadras, fez história na sátira social — reabre nesta sexta-feira, em Loulé, três anos de depois de ter encerrado para obras. O imóvel, adquirido pela câmara por cerca de 180 mil euros, vai ter exploração privada com um caderno de encargos que obriga a manter a memória da cidade e das figuras que, de algum modo, marcaram a vida cultural do concelho.
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O centenário café “Calcinha” — onde o poeta António Aleixo, através das suas quadras, fez história na sátira social — reabre nesta sexta-feira, em Loulé, três anos de depois de ter encerrado para obras. O imóvel, adquirido pela câmara por cerca de 180 mil euros, vai ter exploração privada com um caderno de encargos que obriga a manter a memória da cidade e das figuras que, de algum modo, marcaram a vida cultural do concelho.
O “folhado de Loulé” é um doce regional que reaparece inserido num projecto que passa pela recuperação dos sabores antigos. “Criámos uma ementa especial: café mini-folhado”, diz Bruno Inácio, sócio da empresa que vai explorar o estabelecimento. A reabertura do histórico café, que abriu portas pela primeira vez em 1929, vai-se desenrolar de forma progressiva. Primeiro abre a cafetaria/pastelaria e depois, lá para final de Setembro, é que o restaurante e a cervejaria dão a conhecer os petiscos regionais. Este é um dos estabelecimentos incluídos no roteiro “cafés com história” onde pontuam, entre outros, o Martinho da Arcada em Lisboa e o Majestic no Porto. A estátua de António Aleixo, da autoria de Lagoa Henriques, vai continuar a ser um dos ícones do estabelecimento. No interior respira-se um ambiente Belle Époque, tendo sido recuperadas as cores e os materiais originais, onde se destacam madeiras importadas do Brasil. Primeiro chamou-se café “Central”, depois “Carioca”, “Louletano” e, por fim, “Calcinha” — os nomes foram variando, acompanhando a evolução dos tempos e das modas.
Do conjunto dos clientes habituais que marcaram a vida social e política de Loulé em conversas à volta de uma mesa de café, a historiadora Luísa Martins evoca Bernardo Lopes — médico influente no meio louletano. “Vivia do outro lado da rua [Praça da República] e as criadas iam-lhe levar o folhado todas as manhãs para acompanhar com o café”. Na altura, sublinha, as classes sociais tinham o seu espaço bem definido: “Ricos para um lado, pobres para o outro”. E onde se encontrava António Aleixo? “Ficava do lado dos pobres, mas os ricos achavam-lhe graça — toleravam-no”. O talento poético, aparentemente, derrubava barreiras.
No novo ciclo de vida do estabelecimento, Bruno Inácio promete reavivar as memórias. “As tertúlias vão regressar ao Calcinha, cumprindo a tradição”. Os estrangeiros, acrescenta, vão ter direito a informação, em inglês, sobre quem foi este poeta algarvio, autor da quadra que, à época, fez corar um dos convivas: Uma mosca sem valor/pousa c’a mesma alegria/na cabeça de um doutor/como em qualquer porcaria. O alvo, dizem as crónicas, foi um juiz.