Um intuitivo que sabe fazer uma fotografia falar
Luís Santiago Baptista, comissário da exposição Fernando Guerra: Raio X de uma prática fotográfica, explica a centralidade de Fernando Guerra na fotografia de arquitectura portuguesa: "É um fotógrafo-arquitecto, não é só um fotógrafo."
Luís Santiago Baptista, arquitecto e comissário da exposição Fernando Guerra: Raio X de uma prática fotográfica, garante que o que torna o trabalho deste fotógrafo singular é a sua capacidade de contar histórias a partir da imagem e de com ela “desestabilizar a autonomia da arquitectura”. Juntos construíram uma exposição que se baseia muito no arquivo da plataforma digital Últimas Reportagens do FG+SG – o estúdio que Fernando Guerra abriu com o irmão, Sérgio – e que é hoje um importante instrumento de trabalho para quem quer fazer um retrato da arquitectura portuguesa dos últimos 18 anos, os que o fotógrafo já leva de carreira nesta área.
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Luís Santiago Baptista, arquitecto e comissário da exposição Fernando Guerra: Raio X de uma prática fotográfica, garante que o que torna o trabalho deste fotógrafo singular é a sua capacidade de contar histórias a partir da imagem e de com ela “desestabilizar a autonomia da arquitectura”. Juntos construíram uma exposição que se baseia muito no arquivo da plataforma digital Últimas Reportagens do FG+SG – o estúdio que Fernando Guerra abriu com o irmão, Sérgio – e que é hoje um importante instrumento de trabalho para quem quer fazer um retrato da arquitectura portuguesa dos últimos 18 anos, os que o fotógrafo já leva de carreira nesta área.
O que é que distingue a fotografia de Fernando Guerra da de outros profissionais que trabalham em Portugal?
Ele não mantém apenas ligações ao mundo da arquitectura – ele relaciona-se com o mundo e isso vê-se na forma como trabalha. O facto de ter percebido de imediato que a arquitectura precisava da fotografia e precisava que ela chegasse a um número grande de pessoas e nos mais variados suportes – no ecrã do computador, nos cartazes, nos livros, nas mais importantes revistas da especialidade ou num jornal diário – também ajudou muito. Fez com que ele respondesse rapidamente a essa necessidade de comunicação, tirando partido do digital e de tudo o que ele traz.
E nessa resposta foi fundamental a plataforma que o estúdio criou, a que chamou Últimas Reportagens, e que se transformou num importante arquivo…
...o maior que a arquitectura portuguesa contemporânea tem. Um arquivo que não partiu de uma instituição, mas de uma empresa, já que o estúdio e o trabalho do Fernando têm uma vertente comercial óbvia – a encomenda determina tudo ou quase tudo. Ele fotografa de tudo, independentemente de gostar ou não do projecto. O seu trabalho depende também da satisfação do cliente.
Entre 2005 e 2010, ano em que começaram a aparecer cada vez mais pessoas a fotografar arquitectura, parecia quase obrigatório o projecto de um arquitecto português passar pela lente do Fernando Guerra para ser mais conhecido. Hoje em dia continua a ser importante estar na Últimas Reportagens, mas o trabalho do fotógrafo mudou um pouco, ou não?
Sim, tornou-se muito mais internacional. Ele passou a ter mais concorrência – quando chegou era praticamente o único, havia o Luís Ferreira Alves –, mas também menos tempo para trabalhar com os arquitectos portugueses [em 2016 fez 45 viagens e 22% das 1200 reportagens de arquitectura que realizou até hoje são no estrangeiro]. A plataforma continua a funcionar como uma das montras mais importantes para os nossos arquitectos, mas o trabalho de divulgação do estúdio não passa só por ela, passa pelas relações directas que mantém às mais importantes revistas internacionais de arquitectura, como a The Architectural Review ou a Casabella. Estas capas todas que vemos aqui com fotografias assinadas pelo Fernando Guerra [aponta para a grande mesa da exposição], em publicações de arquitectura mas também em revistas generalistas e jornais diários, não acontecem por acaso. Há uma dimensão comercial que é muito interessante no seu trabalho, mas que só existe porque as fotografias do Fernando comunicam muito bem com o público.
E porque é que isso acontece?
Porque tem uma grande capacidade de criar narrativas a partir das imagens e isso chega a um público muito vasto, cria uma relação forte com as pessoas, torna a fotografia muito sedutora.
Essa capacidade de contar histórias vem do facto de a sua fotografia ser habitada, de ter por vezes uma boa dose de encenação?
A fotografia do Fernando não é habitada – as pessoas estão lá como estão os carros e os objectos. E não é só porque dão escala aos espaços. Elas ajudam a contar uma história. A sua fotografia é sempre uma construção e o público tem reagido muito bem a isso.
Os arquitectos e os críticos, quando discutem a fotografia de arquitectura, oscilam entre integrá-la na fotografia documental e falar dela como um género autónomo. Como podemos enquadrar a fotografia do Fernando Guerra?
Não tenho uma resposta para isso nem quero ter. A fotografia de arquitectura não é nem pode ser um campo estrito, delimitado, é um campo de tensões e a partir dela constroem-se outras coisas. O Fernando, um intuitivo que sabe pôr uma fotografia a falar, uma obra arquitectónica a falar, desestabiliza a autonomia da arquitectura, o que nem sempre é simpático para os arquitectos. Eles procuram uma imagem que mostre o melhor do seu projecto, ao passo que o Fernando anda à procura da imagem perfeita. As duas coisas são conciliáveis, mas às vezes há desencontros.
O facto de ser também arquitecto faz dele um melhor fotógrafo de arquitectura?
Sem dúvida. O seu olhar de arquitecto torna possível a liberdade com que fotografa porque lhe permite chegar a um lugar que não conhece e deixar funcionar a intuição, aliada, é claro, aos recursos técnicos que tem como profissional. O Fernando é um fotógrafo-arquitecto, não é só um fotógrafo. A sua capacidade de se relacionar com o espaço é imediata.