Uma “geringonça” para o Brasil?
No momento em que a crise política se agrava e a economia não dá sinais de reação, o Brasil apela a um modelo alternativo de desenvolvimento.
A atual situação do Brasil suscita da parte da opinião pública internacional sentimentos contraditórios, alguns dos quais duvidando da própria viabilidade da democracia e de um projeto progressista neste país. Após as inegáveis conquistas alcançadas pelos primeiros governos do PT, a economia entrou em recuo e, com o polémico processo de deposição da ex-Presidente Dilma Rousseff, a sociedade brasileira mostra-se mais dividida do que nunca sem que se vislumbre no horizonte uma saída credível. É perante esse cenário e animados pela inquietação daí decorrente que apresentamos uma leitura (assumidamente engajada) da atual conjuntura política do país, a partir dos olhares cruzados de cada um dos lados do Atlântico.
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A atual situação do Brasil suscita da parte da opinião pública internacional sentimentos contraditórios, alguns dos quais duvidando da própria viabilidade da democracia e de um projeto progressista neste país. Após as inegáveis conquistas alcançadas pelos primeiros governos do PT, a economia entrou em recuo e, com o polémico processo de deposição da ex-Presidente Dilma Rousseff, a sociedade brasileira mostra-se mais dividida do que nunca sem que se vislumbre no horizonte uma saída credível. É perante esse cenário e animados pela inquietação daí decorrente que apresentamos uma leitura (assumidamente engajada) da atual conjuntura política do país, a partir dos olhares cruzados de cada um dos lados do Atlântico.
A absolvição da chapa Dilma-Temer no passado dia 9 de junho (numa votação 4-3 e contra o parecer do relator, o ministro Herman Benjamin), por parte do Tribunal Superior Eleitoral, pareceu garantir algum fôlego ao governo Temer. No entanto, a denúncia apresentada no Congresso pelo procurador-geral da República (PGR), Rodrigo Janot, acusando Temer de ser o real destinatário do pagamento de 500 mil reais numa mala enviada pela empresa JBS — propriedade dos irmãos Batista (José, Joesley e Wesley), é hoje um dos maiores grupos econômicos brasileiros, atuando no setor das carnes, fundado em Goiás na década de 1950 e que beneficiou dos apoios do Banco Nacional do Desenvolvimento/BNDES —, veio repor os termos do dilema brasileiro: não há saída para a atual crise política que dispense a soberania popular, ou seja, a mobilização da sociedade civil.
As recentes manobras do presidente do Parlamento, Rodrigo Maia, tramando contra o atual Presidente não deixam dúvidas: o governo Temer balança trôpego entre a sua defesa jurídica perante a abundância de provas de corrupção produzida pela Polícia Federal e a tentativa, cada dia mais desesperada, de aprovar as suas reformas antipopulares: a legislação laboral, que suprime direitos e fragiliza o sistema de proteção do trabalhador brasileiro, e a Segurança Social, que aumenta o tempo de contribuição e, praticamente, elimina o direito à aposentação de milhões de cidadãos, em especial os que se encontram na zona da economia informal.
Com as sondagens a revelar uma “popularidade” nuns míseros 7%, o índice mais baixo em três décadas, é difícil acreditar que a campanha pelas eleições “diretas já!” não tenha ainda arrancado no país. Naturalmente, existem muitas razões para isso. No entanto, e apesar do esforço dos movimentos sociais, em especial, da Frente Povo Sem Medo, uma coligação liderada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e de alguns partidos políticos esquerdistas, caso do PSOL, por exemplo, a verdade é que a mobilização popular contra Michel Temer tem esbarrado nos últimos tempos numa certa reticência por parte da principal liderança popular da história brasileira: Luiz Inácio Lula da Silva.
Claro favorito às eleições presidenciais marcadas para o próximo ano, Lula da Silva parece sentir-se desconfortável com as implicações de um eventual derrube do governo ilegítimo de Temer por um massivo movimento popular impulsionado por forças políticas à esquerda do seu partido. Quais seriam as implicações políticas de um movimento desta natureza para a “governabilidade” do país, leia-se, para os acordos com os possíveis aliados no Congresso para a formação de um novo governo liderado pelo PT? “De que adianta Temer cair pela pressão popular se não houver uma mudança na composição do Congresso Nacional?”, parece ser esta a angústia de Lula da Silva. Isso talvez ajude a explicar as atuais negociações da direção majoritária do PT (com o deputado conservador Rodrigo Maia) para afastar Michel Temer do poder.
Além disso, o PT está muito mais preocupado em defender Lula das acusações da operação Lava-Jato, assegurando assim a sua participação na eleição agendada para o próximo ano, do que investir na mobilização das suas bases sindicais a fim de derrubar o atual governo. A desmarcação da greve geral inicialmente prevista para o dia 30 de junho aponta nesse sentido. Fica claro que Lula da Silva está com a cabeça em 2018. Por outro lado, a liderança petista está ciente de que Lula da Silva pode muito bem ser condenado nas duas primeiras instâncias do sistema judiciário brasileiro, situação que inviabilizaria a sua candidatura em 2018. A somar a tudo isso paira no ar o problema nevrálgico de um eventual terceiro mandato do líder petista: com qual agenda social e econômica Lula irá governar?
Aparentemente, a resposta é simples. Lula da Silva está prometendo uma versão atualizada dos “PACs”, Programas de Aceleração do Crescimento, já testados em seus mandatos. Trata-se de um plano de investimentos em infraestruturas associado a estímulos ao agronegócio, às mineradoras e ao setor do petróleo, encimado pela oferta de crédito para os consumidores adquirirem frigorificos, carro e casa própria. Uma repetição dos anos 2006-2014, como é possível perceber. Além dos limites impostos ao sucesso deste modelo de desenvolvimento pelo fim do superciclo das “commodities” e pela crise da globalização iniciada em 2008, a verdade é que tal modelo foi incapaz de produzir empregos de qualidade para a classe trabalhadora, de sustentar o crescimento econômico ou de reverter a desindustrialização promovida pela globalização. Na realidade, este modelo multiplicou o trabalho precário e o endividamento das famílias dos setores subarternos.
No momento em que a crise política se agrava e a economia não dá sinais consistentes de reação, o Brasil apela a um modelo alternativo de desenvolvimento. O país carece de um novo caminho que aposte na proteção do trabalhador, na defesa dos direitos sociais, na retomada do investimento público, na distribuição de renda, na redução das desigualdades e na preservação ambiental. Para tanto, seria fundamental que as forças políticas progressistas fossem capazes, primeiro, de desenhar uma aliança realista e consistente entre elas e, segundo, ousassem enfrentar a financeirização e o estímulo ao rentismo (que no Brasil se alimenta de uma das mais altas taxas de juro praticadas no planeta).
Para caminhar nessa direção, um eventual novo governo petista terá de romper com tudo aquilo que, na sua essência, deu errado no passado recente. Já basta de “mais do mesmo”. Há que por fim a esquemas entre o poder político e o mundo empresarial (como os casos da Odebrecht ou da JBS). O Brasil necessita de uma agenda econômica e social capaz de fortalecer o seu frágil Estado social. Para tanto, o PT precisa dar uma guinada radical à esquerda. A recente reunião entre representantes da Frente Povo Sem Medo, do PSOL e de grupos da esquerda do PT avança nesta direção. A reação mal-humorada de Lula da Silva ao encontro das esquerdas denota o tamanho do desafio que os progressistas brasileiros estão enfrentando. O país necessita de uma “saída portuguesa”. Precisa de uma “geringonça”.
Os autores escrevem segundo as normas do novo Acordo Ortográfico