Emails do filho de Trump confirmam "apoio do Governo russo"
Informações comprometedoras sobre Hillary Clinton? "Adoro", respondeu Trump Jr, cujo encontro com advogada russa pode ter violado leis eleitorais
Há meses que a política norte-americana está em suspenso, paralisada pelo espectro do alegado “conluio” entre o Governo russo e a campanha presidencial de Donald Trump. Esta terça-feira, porém, milhões de norte-americanos viram nos noticiários, pela primeira vez, uma referência material directa ao apoio de Moscovo ao republicano – e a fonte foi o filho mais velho do Presidente dos EUA, Donald Trump Jr..
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Há meses que a política norte-americana está em suspenso, paralisada pelo espectro do alegado “conluio” entre o Governo russo e a campanha presidencial de Donald Trump. Esta terça-feira, porém, milhões de norte-americanos viram nos noticiários, pela primeira vez, uma referência material directa ao apoio de Moscovo ao republicano – e a fonte foi o filho mais velho do Presidente dos EUA, Donald Trump Jr..
Depois de nos últimos dias o jornal New York Times ter revelado vários pormenores sobre uma reunião, durante a campanha eleitoral, entre três dos principais elementos do círculo próximo de Trump e uma advogada com ligações ao Kremlin, Donald Trump Jr. decidiu revelar a cadeia de emails em que é discutida a marcação do encontro. O objectivo do empresário, actualmente à frente da Trump Organization, era antecipar a publicação dos emails pelo NYT, que estava iminente, diz o jornal. Porém, a revelação do filho do Presidente pouco fez para atenuar os seus efeitos devastadores, que estão a agitar os EUA.
Temos de recuar até aos primeiros dias de Junho do ano passado. Trump tinha, poucos dias antes, assegurado a nomeação como candidato presidencial republicano e as baterias estavam já apontadas para Novembro e para Hillary Clinton, a candidata democrata. A 3 de Junho, Donald Trump Jr. recebe um email do ex-jornalista Rob Goldstone que dizia ter conhecimento de alguém disponível para “fornecer documentos oficiais e informação que pode incriminar Hillary sobre as suas interacções com a Rússia”.
“Trata-se obviamente de informação de alto nível muito sensível, mas faz parte do apoio da Rússia e do seu Governo ao Sr. Trump”, acrescenta Goldstone. Esta é a frase que dá munições aos defensores da tese de que o Kremlin agiu em conluio com a campanha de Trump para assegurar a vitória do republicano. O filho do então candidato responde poucos minutos depois a agradecer o contacto. “Parece que temos algum tempo e se for aquilo que dizes que será, adoro, especialmente lá para o final do Verão”, responde Trump Jr., que não questiona a utilização da expressão anterior.
Dias depois, Trump Jr. recebe no seu gabinete na Trump Tower, em Nova Iorque, a advogada russa Natalia Veselnitskaia – descrita por Goldstone num dos emails como uma “advogada do Governo russo”. Para além do filho do candidato estão presentes o genro de Trump, Jared Kushner, e o director de campanha, Paul Manafort. Ao início, Veselnitskaia começa por abordar as ligações de Clinton e do Comité Nacional Democrata à Rússia, mas o desenrolar da reunião mostrou que a advogada “não dispunha de informação significativa”, conclui Trump Jr. Veselnitskaia acaba por se concentrar na Lei Magnitski – aprovada em 2012 pelo Congresso dos EUA e que aplica sanções a vários responsáveis russos – contra a qual tem feito campanha nos últimos anos.
As justificações dadas por Trump Jr. escudam-se no facto de que a advogada não era uma “responsável oficial russa” e “não tinha informações para fornecer” sobre Hillary Clinton. “Para pôr em contexto, isto ocorreu antes de a actual febre russa estar em voga”, acrescentou o empresário, através de um comunicado publicado em simultâneo com os emails. Em comunicados anteriores, Trump Jr. garantiu que o pai nada sabia sobre a reunião com a advogada.
Traição?
Não é certo qual terá sido o real desfecho da reunião com Veselnitskaia. Porém, a data da reunião coincide com o ataque informático, atribuído a hackers russos, aos servidores do Comité Nacional Democrata, e que acabaram por ser revelados pela organização Wikileaks no mês seguinte. No próprio dia do encontro na Trump Tower, o candidato republicano publicava no Twitter um ataque dirigido a Hillary Clinton a propósito da utilização que a democrata fez do seu servidor pessoal enquanto foi secretária de Estado: “Onde estão os 33.000 emails que apagaste?”
Depois da revelação dos emails do filho, Donald Trump limitou-se a “aplaudir a sua transparência”, através de um comunicado lido pela assessora de imprensa da Casa Branca.
Ainda antes de se conhecer o teor das mensagens, já eram muitas as vozes que exigiam a presença de Trump Jr. perante as comissões que tanto no Senado como na Câmara dos Representantes estão a investigar as ligações entre Trump e a Rússia. O Departamento de Justiça nomeou o procurador especial Robert Mueller para liderar as investigações do FBI em curso. Depois das revelações mais recentes, o caso promete continuar a dominar o dia-a-dia político nos EUA, para frustração de Trump que quer avançar rapidamente para a revogação do Obamacare e para a reforma fiscal.
O senador democrata e ex-candidato a vice-Presidente, Tim Kaine, disse à CNN que a actuação de Trump Jr. se aproxima dos crimes de “perjúrio, declarações falsas e, potencialmente, traição”. O líder da bancada democrata no Senado, Chuck Schumer, exigiu que o empresário apresente todos os documentos referentes a comunicações com responsáveis russos.
Em causa parece estar, no mínimo, a possibilidade de o filho de Trump ter incorrido em violações da lei de financiamento eleitoral. “A lei diz que ninguém deve, em consciência, solicitar ou aceitar, da parte de um cidadão estrangeiro, qualquer contribuição para a campanha de um item de valor”, disse ao site Vox Ryan Goodman, especialista em Direito e editor do site Just Security. A lei parece abranger não apenas financiamento, mas também outros recursos, como informação ou documentação. “Até ao ponto em que se está a usar os recursos de um país estrangeiros para gerir a campanha, isso trata-se de uma contribuição de campanha ilegal”, concorda Nick Akerman, que foi assistente do procurador especial que investigou o escândalo Watergate.
Os emails também permitem lançar alguma luz sobre os contactos estabelecidos por Trump na Rússia. Goldstone trabalha actualmente como empresário de artistas na Rússia e foi através do cantor pop Emine Agalarov e do seu pai, Aras, que entra em contacto com Trump Jr. Aras Agalarov é um magnata do imobiliário que travou conhecimento com Trump em 2013, durante o concurso Miss Universo que foi organizado na Rússia.