O fenómeno Salvador Sobral dava um livro. E deu. Mas o protagonista não gostou

Salvador Sobral – Coração de Herói chegou às bancas no final de Junho. O músico queixa-se de nunca ter sido contactado, mas a editora conta uma história diferente.

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Reuters/GLEB GARANICH

Salvador Sobral ficou para a história como primeiro vencedor português do Festival da Eurovisão, num percurso marcado pela descontracção de quem nunca receou assumir que representava o país sem nunca ter visto o Festival da Canção. A popularidade da música (e do intérprete) foi crescendo até atingir proporções sem precedentes. A história “tinha” de ser registada, justifica Maria Milene Tavares, a autora de Salvador Sobral – Coração de Herói, que a 30 de Junho chegou às bancas. Mas o livro não foi bem recebido pelo músico de 27 anos, que se queixou na sua página de Facebook de não ter sido contactado por ninguém para dar o seu consentimento. A editora tem uma versão diferente e garante que durante um mês repetiu esforços para conversar com o músico, sem obter qualquer resposta.

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Salvador Sobral ficou para a história como primeiro vencedor português do Festival da Eurovisão, num percurso marcado pela descontracção de quem nunca receou assumir que representava o país sem nunca ter visto o Festival da Canção. A popularidade da música (e do intérprete) foi crescendo até atingir proporções sem precedentes. A história “tinha” de ser registada, justifica Maria Milene Tavares, a autora de Salvador Sobral – Coração de Herói, que a 30 de Junho chegou às bancas. Mas o livro não foi bem recebido pelo músico de 27 anos, que se queixou na sua página de Facebook de não ter sido contactado por ninguém para dar o seu consentimento. A editora tem uma versão diferente e garante que durante um mês repetiu esforços para conversar com o músico, sem obter qualquer resposta.

“Eu não tenho nada a ver com este livro, a mim ninguém me perguntou nada”, acusa Salvador Sobral no vídeo partilhado na última quinta-feira.

Ao PÚBLICO, Rui Couceiro, editor da Contraponto, sublinha a “imprecisão” do músico, do qual, de resto, sublinha que é um grande admirador. “Eu contactei várias vezes a equipa do Salvador e posso prová-lo. Fi-lo através de telefonemas, e-mails e até mensagens de Facebook e nunca obtive resposta. Assumimos que não havia interesse. Não foi por falta de tentativa da nossa parte. Lamento que o nosso trabalho possa ter colidido com os interesses do Salvador”, esclarece. Mas ressalva: “É uma pena estar-se a questionar a legalidade do livro como se precisássemos de pedir autorização. Parece-me claro que havia interesse na não publicação do livro. Não consigo perceber porquê", atira.

Maria Milene Tavares, que aceitou responder ao PÚBLICO apenas por e-mail, mediado pela editora, justifica que o livro "não pretende ser uma biografia do Salvador Sobral, mas a história de um acontecimento, o triunfo de Portugal no Festival da Eurovisão". Sendo que, acrescenta, "o protagonista da história foi sem dúvida o Salvador e não seria inteligente fazer um livro desta natureza sem reconhecer esse protagonismo”.

De resto, rejeita que a publicação da obra configure qualquer tipo de abuso e considera "um exagero" as palavras de Salvador Sobral, "como se publicar este livro fosse quase um crime": "Nas semanas após a vitória, todas as revistas em Portugal puseram o Salvador Sobral na capa e nunca ouvi ninguém falar em ilegalidade. Toda a informação que está no livro é do domínio público. Limitei-me a recolher essa informação para contar uma história que é do interesse de muitos portugueses e de muitos fãs do Salvador e do festival, tal como eu”, vinca a autora.

Francisco Teixeira da Mota, advogado especialista em liberdade de expressão, concorda com a autora. Quando as informações são públicas “não há muita coisa que se pode fazer”, diz ao PÚBLICO. Ao subir a um palco, Salvador tem os holofotes virados para ele, “e os holofotes iluminam tudo, mesmo as partes mais escuras”, sustenta, defendendo que "é preciso pesar várias questões: o direito à privacidade, mas ao mesmo tempo o direito à liberdade de expressão”.

Ressalvando que não leu a obra, o advogado cita vários exemplos de biografias não-autorizadas que não constituem nenhuma ilegalidade. “Os casos mais sensíveis poderão acontecer quando os autores envolvem terceiros, que não sendo figuras públicas têm o direito a ver a privacidade da sua identidade reservada”, exemplifica.

A obra de 167 páginas reúne as informações publicadas por vários meios de comunicação social e acrescenta-lhes algumas notas sobre a vida do músico, desde o berço em que Salvador cresceu, com “origens aristocráticas” e “sangue azul”. A autora recupera títulos, entrevistas e cita, em alguns casos, afirmações feitas pelo artista, em programas televisivos, jornais e rádios. Noutras, parafraseia músicos e figuras nacionais e internacionais, que não ficaram indiferentes ao fenómeno: do Presidente da República à escritora J.K Rowling, destacando até o elogio de Meryl Streep, que na realidade não é da actriz, mas de uma página de fãs.

O “beto que saiu da caixa”, “um trauma televisivo”, “forte coração fraco”, a “fuga para Espanha”, “as noites loucas de Maiorca”, o “dinheiro fácil”, o “consumo de cogumelos”, os “estudos de música em Barcelona”, a “descoberta de Chet Baker” e “o primeiro disco” são os títulos dos capítulos que conduzem a leitura.

O PÚBLICO questionou a assessora do músico sobre as declarações da editora de Salvador Sobral – Coração de Herói. A equipa limitou-se a responder que “Salvador já disse o que tinha a dizer sobre o livro no vídeo publicado no Facebook” e acrescenta que não haverá mais declarações sobre o assunto.