A curta portuguesa está bem e recomenda-se
A competição nobre do Curtas Vila do Conde arranca esta terça-feira. Este ano, a selecção nacional repesca vários filmes que impressionaram os festivais internacionais e mostra novidades entusiasmantes.
Um dos discos que marcaram a década de 1970 pertencia aos Supertramp e tinha o singelo título de Crisis? What Crisis? (“Crise? Qual crise?”). Vem isto à baila porque muito se tem debatido a crise que o cinema que se faz em Portugal tem estoicamente enfrentado nos últimos anos – e, contudo, nunca a nossa produção terá estado tão visível internacionalmente, ou sido tão premiada. É verdade que os filmes se fazem com cada vez menos dinheiro e mais voluntarismo, mas também é verdade que essa não é uma solução viável a longo prazo.
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Um dos discos que marcaram a década de 1970 pertencia aos Supertramp e tinha o singelo título de Crisis? What Crisis? (“Crise? Qual crise?”). Vem isto à baila porque muito se tem debatido a crise que o cinema que se faz em Portugal tem estoicamente enfrentado nos últimos anos – e, contudo, nunca a nossa produção terá estado tão visível internacionalmente, ou sido tão premiada. É verdade que os filmes se fazem com cada vez menos dinheiro e mais voluntarismo, mas também é verdade que essa não é uma solução viável a longo prazo.
E, contudo, os filmes continuam a fazer-se. Com a curta-metragem, em particular, a parecer finalmente ter invertido a tendência de queda que se sentiu ao longo dos últimos anos. Depois da excelente selecção de curtas portuguesas exibida em Maio no IndieLisboa, é a vez de o “ponto de encontro” que é o Curtas Vila do Conde, este ano a cumprir a sua 25.ª edição, o confirmar, em cinco sessões competitivas que correm de terça-feira, dia 11, a sábado, dia 16, sempre às 21h15. Antes, a noite de segunda-feira trouxe o Panorama Nacional, este ano reduzido a uma única sessão mas onde se mostraram dois dos mais interessantes espécimes locais recentes – Semente Exterminadora, de Pedro Neves Marques (cuja contribuição para a exposição Terra, patente na Solar – Galeria de Arte Cinemática , faz ligação com esta curta), e Flores, de Jorge Jácome, ambos mostrados na competição do Indie.
Este ano, o concurso nacional do Curtas não tem problemas em repescar algumas das curtas que têm sido aclamadas lá fora. Já na noite de terça, mostra a belíssima animação de Laura Gonçalves e Alexandra Ramires, Água Mole, e o encontro feliz entre João Salaviza e o rapper Karlon em Altas Cidades de Ossadas, respectivamente oriundos de Cannes e Berlim. Também de Berlim vem a comédia sci-fi de Gabriel Abrantes Os Humores Artificiais, comissariada pela Bienal de São Paulo (passa quarta-feira, dia 12) e a primeira experiência assumida de Salomé Lamas na ficção, Coup de Grâce (quinta-feira, dia 13); de Cannes vêm ainda Coelho Mau, de Carlos Conceição (sexta-feira, dia 14), e Farpões, Baldios de Marta Mateus (sábado, dia 15). E, vinda de Paris, a competição nacional do Curtas Vila do Conde estreia, igualmente na sexta-feira, Où en êtes-vous, João Pedro Rodrigues?, a curta-estado-da-nação que o autor de O Ornitólogo realizou para acompanhar a sua exposição no Centro Pompidou, de Paris, em finais do ano passado.
Bons augúrios
Não há um tiro ao lado por entre todos estes filmes, mesmo que se goste mais ou menos de um ou de outro, e a boa notícia é que, entre as estreias que o Curtas mostra nestas cinco sessões, há vários filmes que merecem igual aclamação. Particularmente significativo é o bom momento que se vive na animação; bastantes dos títulos que fomos vendo no Curtas ao longo dos últimos anos eram estéreis ou puramente tecnicistas, mas este ano há pelo menos três filmes que pedem meças à imagem real. O já referido Água Mole e Surpresa, de Paulo Patrício, exploram com grande sensibilidade a capacidade da animação para ilustrar de modo certeiro registos de base documental; A Sonolenta, de Marta Monteiro, inspira-se em Tchékhov para explorar um onirismo paredes-meias com a fábula triste (com algo da Vendedora de Fósforos de Hans Christian Andersen).
Dois títulos de imagem real, no entanto, merecem desde já todo o interesse: Verão Saturno, de Mónica Lima, com Jaime Freitas e Rita Loureiro (na sessão de terça-feira), é uma atenta e discreta polaroid dos limbos emocionais de duas pessoas à espera do próximo passo das suas vidas. O Homem Eterno, de Luís Costa (na sessão de quarta), explora a found footage, neste caso filmada pelo seu próprio avô entre o Canadá e Portugal, para construir um edifício de memórias em constante dúvida e reinvenção (o guião é de Eduardo Brito, que escreveu A Glória de Fazer Cinema em Portugal para Manuel Mozos e tem um especial apreço por intervenções ficcionais na realidade documental).
Pelo final da semana se verá se estes bons augúrios para a competição de aniversário redondo do Curtas se confirmam a cem por cento – vários dos títulos a concurso ainda estão em finalização. Mas a “classe de 2017”, para já, confirma os bons sinais que o IndieLisboa nos dera e faz esperar muito dos próximos anos.