A tropa não serve para nada
Meus caros, e para ver se nos entendemos: a tropa não serve para nada, a tropa não está em guerra, a tropa não sai dos quartéis há 43 anos e o 25 de Abril já foi
Entro no quartel como se fosse a primeira vez. É a primeira vez. E não sei se hei-de ter medo ou rir dos soldados deitados ao sol e ao canto a fumar cigarros e a jogar às cartas, a fumar as cartas e a jogar cigarros uns a seguir aos outros, enquanto à minha frente um sargento desfila a pança em roupa interior mais o taco de golfe ao ombro, em poses de grande senhor com o nariz para cima a apontar o sol, a desfrutar do sol, totalmente ausente de mim ou dos mancebos perfilados a medo logo atrás dos meus ombros à procura da tão temida caserna da inspecção militar.
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Entro no quartel como se fosse a primeira vez. É a primeira vez. E não sei se hei-de ter medo ou rir dos soldados deitados ao sol e ao canto a fumar cigarros e a jogar às cartas, a fumar as cartas e a jogar cigarros uns a seguir aos outros, enquanto à minha frente um sargento desfila a pança em roupa interior mais o taco de golfe ao ombro, em poses de grande senhor com o nariz para cima a apontar o sol, a desfrutar do sol, totalmente ausente de mim ou dos mancebos perfilados a medo logo atrás dos meus ombros à procura da tão temida caserna da inspecção militar.
Viro à esquerda e ninguém me diz nada, ninguém pergunta, ninguém quer saber. E por aqui se percebe o porquê de ser tão fácil assaltar um paiol de munições. Talvez me decida a fazer o mesmo lá para a hora do almoço, quando tiver algum tempo livre nas mãos, e uma arma dá sempre jeito, para já não falar de um morteiro nos dias de Ano Novo ou em vez de uma garrafa de champanhe naqueles dias especiais.
Pergunto a um Hulk verde, entretido entre dois halteres e uma montanha de bíceps, para que lado é a inspecção e sou recebido com três berros e dois grunhidos. Fiquei na mesma e continuo, assim confirmando a minha teoria de que um bom soldado obedece, não pensa, aliás tal e qual como qualquer bom polícia. Ao fundo conto oito soldados a jogar basquetebol, e eu também não me importaria de jogar basquetebol, encestar na rede e marcar três pontos, e o tempo custa a passar quando se está na tropa. É uma pena. Porque ao pensarmos como a tropa faria bem a muita gente, afinal talvez não faça e se calhar o melhor é nem pensar, porque se a tropa é isto então mais vale correr com os calões lá de casa de uma vez por todas para que, porventura, se façam uns homens diante das agruras da vida.
Dizia o Obélix que para se fazer de um homem um homem o melhor é começar por lhe dar uns tabefes. Meus senhores, para isso já nem hoje a tropa serve, senão digam-me vocês de onde vem este cheiro a charro e erva? Ah, sim, vem daquele grupo de mancebos e soldados verdes de tanta droga, ou não soprasse de repente uma daquelas nuvens de festival de Verão à medida que uns gritam “Faz lá essa!” e outros tantos tossem os pulmões e as cabeças cheias de fumo.
Passo por um pátio no meio do qual um condutor se entretém dentro de um jipe a fazer peões às arrecuas diante dos telemóveis e assobios dos companheiros de armas e, das duas uma, ou estamos em guerra e esta malta está toda pírulas do medo e do pânico, ou então não consigo perceber a razão de se gastarem mais de 2000000000 (conseguiram contar os zeros?, sim, são mesmo 2 mil milhões) de euros em Defesa todos os anos para benefício dos nossos 220 Generais, menos dez que os Estados Unidos, isto num país que não está em guerra e faz parte da maior união política e económica do mundo.
Meus caros, e para ver se nos entendemos: a tropa não serve para nada, a tropa não está em guerra, a tropa não sai dos quartéis há 43 anos e o 25 de Abril já foi, o Salazar já foi e o Marcello também (agora temos outro) e, por conseguinte, não precisamos de pagar todos os meses o ordenado aos 33000 militares que insistem em não sair para a rua e proteger as populações dos fogos, do crime, limpar as florestas, patrulhar as estradas nas quais, essas sim, morre tanta gente como se estivéssemos numa guerra.
Quando eu cresci ensinaram-me que as forças armadas existem para servir as populações, e não o contrário, pelo que o mínimo exigido é ter um soldado em cada rua de Portugal, de manhã à noite, para nos ajudar com as compras, passear a Fanica ou ajudar a D. Miraldina a atravessar a estrada, para preencher currículos a quem não tem emprego, dar de comer e abrigo a quem não tem de comer ou onde viver, dar explicações de Inglês ou Matemática que os exames já estão aqui e por todo o lado, levar e trazer os miúdos da escola, levar-me ao trabalho, dar banho ao mais novo, aturar os maridos e as mulheres quando as mulheres e os maridos não podem mais, construir escolas, casas e hospitais, salvar vidas, salvar as nossas vidas desta guerra de onde nunca saímos e onde as batalhas se fazem dia após dia, das 5 da manhã às 11 da noite, um dia a seguir ao outro, até à vitória final.
P.S.: Ah, e se querem mesmo saber, passei à reserva. Como ainda estou na Universidade “não há” dinheiro no orçamento para me pagar o curso de Oficial, e assim nunca serei um homem, ou talvez ainda vá a tempo, talvez tenha sido esta a minha sorte.