"O investimento empresarial vai começar a recuperar na Europa"
Thomas Philippon, professor na Universidade de Nova Iorque, antecipa um período de mais investimento e crescimento na Europa do que nos EUA.
Nos Estados Unidos, o investimento das empresas está parado por questões estruturais, enquanto na zona euro o problema é apenas conjuntural e pode começar a ser resolvido nos próximos tempos. A conclusão foi retirada pelo economista francês Thomas Philippon num estudo em que analisa as causas do défice de investimento privado nas economias avançadas do planeta e que foi apresentado no Fórum do Banco Central Europeu que se realizou esta semana em Sintra.
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Nos Estados Unidos, o investimento das empresas está parado por questões estruturais, enquanto na zona euro o problema é apenas conjuntural e pode começar a ser resolvido nos próximos tempos. A conclusão foi retirada pelo economista francês Thomas Philippon num estudo em que analisa as causas do défice de investimento privado nas economias avançadas do planeta e que foi apresentado no Fórum do Banco Central Europeu que se realizou esta semana em Sintra.
No seu estudo conclui que, na zona euro, o actual nível baixo de investimento está relacionado com o ciclo económico e que, portanto, pode recuperar. São boas notícias para a Europa…
Sim, se se acreditar que o ciclo irá mudar, são boas notícias para a Europa. Aquilo que vimos é que, tanto na Europa como nos EUA, o investimento está fraco, mas na Europa é possível explicar esta fraqueza do investimento com factores básicos como os custos de financiamento ou a procura esperada. A existência de constrangimentos ao nível desses factores é visível nos preços dos activos. Por isso, não há um mistério em torno das razões pelas quais o investimento é baixo. O que isso significa é que se estes factores deixarem de estar presentes – se os custos de financiamento descerem, se o risco de uma nova crise desaparecer e se a procura aumentar –, então o investimento irá mecanicamente recuperar na Europa.
Quando espera que isso aconteça?
O que temos estado a assistir nos últimos seis meses é que o prémio associado ao risco de uma nova crise na zona euro tem vindo a descer e, portanto, acredito que o investimento feito pelas empresas vai começar a recuperar brevemente.
Isso acontece em toda a Europa? Há diferenças entre os países?
O nosso estudo analisa apenas as oito principais economias da zona euro. Há diferenças entre os países, nomeadamente por causa das diversas formas como cada país foi afectado pela crise. Um país mais afectado, como a Espanha ou Portugal, tende agora a ter um efeito de recuperação mais forte do que outros como a Alemanha ou a França. Além disso há as diferenças nas estruturas das economias. Se um país tem mais serviços ou mais indústria, a retoma do investimento será feita de forma diferente.
Porque é que para os Estados Unidos não prevêem esta mesma recuperação do investimento privado que projectam para a Europa?
Se se olhar para os EUA, todos os indicadores de que falava estão com o sinal verde. Os preços dos activos estão altíssimos, os custos de financiamento estão a um nível mínimo recorde e os lucros a um nível máximo. Portanto, estamos perante um problema estrutural. Se as empresas não investem nestas circunstâncias, então não há nada no mundo que as possa fazer investir.
Porque é que não investem?
Pensamos que a razão pela qual não investem apesar dos lucros elevados é porque esses lucros são provenientes de rendas nos mercados de produtos que resultam da falta de concorrência. Essa é a nossa interpretação, é aquilo que encontramos nos dados, porque a falta de investimento está concentrada nos sectores onde se assistiu a uma diminuição da concorrência. A não ser que isso mude, não vemos que o investimento possa recuperar.
Não é surpreendente que a Europa esteja melhor posicionada do que os EUA neste tipo de indicadores, como a concorrência?
É surpreendente porque historicamente não era assim. Se aquilo que descobrimos está correcto, isso mostra uma reversão do padrão histórico. No passado, os EUA lideraram no combate agressivo a monopólios, na criação de um mercado único. A Europa esteve atrás na concorrência nos mercados de bens e serviços na história recente e certamente durante a totalidade do século XX. Mas depois, à volta do ano 2000, as coisas começaram a mudar porque a Europa começou a adoptar políticas mais favoráveis à concorrência, muitas vezes porque a comparação entre países é agora muito frequente e, cada vez que um governo faz uma reforma, começa-se a discutir como é que os outros países fazem. As melhores práticas tendem a espalhar-se dessa maneira. E outra razão, na minha opinião, é o facto de a Direcção Geral da Concorrência da Comissão Europeia ter definido regras comuns em toda a Europa. Isso é novo em termos históricos.
Acredita que a Europa tem a possibilidade de entrar num período em que cresce mais que os EUA?
Se estivermos a falar de crescimento per capita, sim. O crescimento total tem uma grande influência da demografia e aí os EUA deverão continuar a ter melhores resultados que a Europa. Mas o crescimento per capita tem mais possibilidades de recuperar na Europa. Nos EUA há umas poucas empresas que fazem grandes quantidades de Investigação e Desenvolvimento (I&D), mas é em sectores específicos. São por exemplo as empresas que vão fazer carros sem condutor. Claro que isso é importante, e muito visível, mas não vai fazer aumentar o rendimento médio. Pelo contrário, um investimento mais abrangente, em muitos sectores ao mesmo tempo, em teoria, é bastante bom para os salários e para a produtividade.
Que papel é que o investimento público pode desempenhar?
Essa é a questão que considero mais desafiante. Não tenho qualquer dúvida na minha mente que tornar os mercados mais concorrenciais é bom para toda a gente: para os consumidores, investidores e para os trabalhadores no longo prazo. Já em relação ao investimento público é um pouco mais complicado. Por um lado, é verdade que, sendo os custos de financiamento baixos e podendo argumentar-se em alguns países que precisam de mais infra-estruturas, se pode defender mais investimento público. Mas tenho dúvidas que se possa generalizar para toda a Europa, para todos os sectores e todos os países.
Não é um apoiante do plano Juncker ou de estratégias desse tipo?
Não tenho uma visão fechada sobre isso. Apenas acho que a selecção dos projectos é crítica. Falar de infra-estrutura é demasiado abrangente e, em França por exemplo, há algumas infra-estruturas que eu não acho que seja preciso reforçar. Se for para renovar casas para melhorar o isolamento e a eficiência energética, tudo bem. Mas se for para construir mais ringues de patinagem ou novas estradas, já é outra coisa. São coisas totalmente diferentes e penso que precisamos mais de uma coisa e menos de outra. Já nos EUA, os argumentos para mais investimento público são mais fortes. Aí as infra-estruturas são terríveis e estão mesmo a prejudicar a economia. Na Europa, o caso é mais forte na Alemanha.
O investimento público não pode ajudar a promover o investimento privado?
Sim, definitivamente pode ser importante. Uma parte da questão tem a ver com as alterações climáticas, e aí há obviamente um papel muito importante a desempenhar pelo investimento público. Depois, na educação, há um benefício muito grande em ter melhores universidades, melhor financiadas, mas também com melhor governação. E depois, há a criação de redes que ajudam a produtividade e o investimento no sector privado. Mas é preciso saber escolher, porque existe um enviesamento em relação a investimentos que sejam mais visíveis. Por exemplo, fazer túneis em montanhas é uma coisa que os países gostam de fazer e não penso que haja grandes razões para fazer isso.
Para um país com limitações orçamentais como Portugal, que tipo de política pode ser mais inteligente?
Em relação a Portugal, o que me parece evidente é que beneficiaria grandemente em ter um sector exportador muito forte. Uma coisa que a crise revelou foi que se um país está mais integrado com os mercados de exportação no resto da Europa, então pode recuperar muito mais rapidamente. A Irlanda é um exemplo disso. E a Grécia é um exemplo extremo pela negativa. A Grécia é uma economia relativamente fechada para a dimensão que tem e assim está muito dependente da procura interna. Se se for mais aberto, a recuperação é mais fácil porque a economia pode ser impulsionada pela procura externa. Portanto, para Portugal, aquilo que é útil ser feito é fazer investimento que permita integrar mais a economia com os mercados exteriores. E depois, claro, Portugal tem estado sempre atrás historicamente em termos de educação. E isso é algo que tem de ser melhorado. Não é uma coisa nova que tenha surgido com a crise, é algo que existe há muito tempo.