Câmara quer arguidos do caso da Legionella julgados por crime de poluição
Autarquia de Vila Franca de Xira discorda da procuradora que diz que a lei é omissa quanto a crimes de disseminação de bactérias. Surto matou 14 pessoas e o processo-crime já conta com 42 pedidos de abertura de instrução.
O processo-crime relativo ao surto de Legionella, que em Novembro de 2014 atingiu mais de 400 pessoas no sul do concelho de Vila Franca de Xira provocando 14 vítimas mortais, já conta com 42 pedidos de instrução entregues nos serviços locais do Ministério Público (MP). Entre eles há um requerimento da câmara vila-franquense que contesta as conclusões do MP e defende que os nove arguidos acusados no processo também devem ser responsabilizados pela prática de um crime de poluição, punível com 1 a 8 anos de prisão.
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O processo-crime relativo ao surto de Legionella, que em Novembro de 2014 atingiu mais de 400 pessoas no sul do concelho de Vila Franca de Xira provocando 14 vítimas mortais, já conta com 42 pedidos de instrução entregues nos serviços locais do Ministério Público (MP). Entre eles há um requerimento da câmara vila-franquense que contesta as conclusões do MP e defende que os nove arguidos acusados no processo também devem ser responsabilizados pela prática de um crime de poluição, punível com 1 a 8 anos de prisão.
O PÚBLICO apurou que todos os nove arguidos - as empresas ADP-Fertilizantes (a antiga Adubos de Portugal) e GE Power Control (do universo da General Electric), um administrador, um director e um supervisor da primeira e quatro técnicos da segunda - apresentaram pedidos para abertura de instrução, uma espécie de pré-julgamento durante o qual o juiz de instrução criminal irá decidir se há indícios suficientes para que o caso seja julgado. Boa parte dos restantes requerimentos foram entregues por vítimas (ou representantes), que não se conformam com o facto de o MP ter concluído que apenas em 73 dos 403 casos verificados em 2014 há provas de infecção com a mesma estirpe da bactéria da Legionella encontrada numa das torres de arrefecimento da ADP.
A Câmara de Vila Franca de Xira, que já anunciou que vai entregar também um pedido de indemnização cível, requereu o estatuto de assistente no processo-crime e a respectiva abertura de instrução. No documento, a que o PÚBLICO teve acesso, os advogados da autarquia contestam a interpretação feita pela procuradora responsável pela acusação e defendem que há “matéria” e “condições legais” para acusar também os nove arguidos pela prática de um crime de poluição com perigo comum.
O MP considerou que a legislação portuguesa é totalmente omissa no que diz respeito a eventuais crimes de disseminação de bactérias da Legionella e suas consequências (ao contrário da espanhola) e optou por arquivar os autos no que diz respeito ao crime de poluição.
Autarquia diz que há matéria para acusar
“Não se pode dizer que por não haverem valores mínimos (ou máximos) definidos [para a presença de bactérias] que os arguidos não tenham desrespeitado as melhores técnicas disponiveis”, sustenta a câmara, considerando que os arguidos “bem sabiam quais as operações de manutenção a que estavam obrigados”, porque estão claramente definidas nas normas portuguesas e europeias. “A mera inexistência de valores mínimos [na lei portuguesa] não pode resultar na irresponsabilização dos agentes”, prossegue a autarquia no requerimento, considerando que as circunstâncias apuradas na acusação deduzida pelo MP “são suficientes para preencherem os elementos tipificadores e objectivos do crime de poluição” e que todos os factos indiciam que os arguidos “omitiram as obrigações” de manutenção do circuito 8 de arrefecimento da fábrica de ácido nítrico da ADP, “causando danos substanciais ao ambiente”.
Totalmente contrário é o entendimento dos nove arguidos, que entregaram seis requerimentos de abertura de instrução. Estão acusados da prática de um crime de infracção das regras de construção (punível com 1 a 8 anos de cadeia) e de 20 crimes de ofensas à integridade física por negligência (moldura penal até 2 anos de prisão).
A ADP-Fertilizantes e o seu administrador, director de produção e supervisor acusados pelo MP apresentaram um requerimento conjunto onde se “insurgem” contra as conclusões do MP, porque consideram que não há nenhum nexo de causalidade entre o seu comportamento e o resultado desta situação. “Será violador da Constituição estabelecer uma analogia errada entre o caso em apreço e o crime de infracção às regras de construção”, sustentam os quatro arguidos, garantindo que a ADP “adoptou as melhores técnicas disponíveis para assegurar a limpeza e manutenção das suas torres de arrefecimento”, contratando para o efeito a empresa GE Power Control “líder de mercado”. Por isso, requerem o arquivamento dos autos, por não existirem “factos e elementos que justifiquem a submissão” destes quatro arguidos a julgamento.
GE requer nulidade
Já a GE Power Control requere a declaração de “nulidade” da acusação porque considera que padece de vários “vícios materiais” e “incorrecções”. Os advogados da empresa contratada para fazer a manutenção dos sistemas da ADP sublinham que a acusação omite a existência de enormes tanques de água, de charcos e de furos de captação nas instalações da ADP, onde a bactéria da Legionella também se poderá ter desenvolvido. E dizem que “a Legionella também poderá ter entrado no circuito 8 por via do abastecimento de água dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento de Vila Franca de Xira”.
“Existiam variadíssimos depósitos de água, até a céu aberto, no local, que a acusação tem que descrever”, acrescenta a GE, afirmando que os seus técnicos fizeram os “tratamentos devidos” das águas do circuito 8 e até fizeram “mais do que o devido”.
Como os serviços do MP não conseguiram ainda confirmar a recepção da notificação da acusação (deduzida em Março) por todos as vítimas (ou representantes legais), até que esse processo de confirmação seja dado como concluído está ainda em aberto a possibilidade de entrega de mais requerimentos de instrução por esses mesmos ofendidos. Boa parte da demora estará relacionada com o facto das moradas de algumas vítimas registadas no processo estarem erradas. Só depois o processo seguirá para um dos juízos de instrução do Tribunal de Loures.