Centeno: ainda há por explicar “matérias importantes” sobre “apagão” dos offshores

Ministro diz que falta informação “do ponto de vista informático”. Inspector-geral da IGF não explica inexistência de histórico sobre processamento de algumas declarações enviadas ao fisco em 2015.

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Mário Centeno está nesta manhã a ser ouvido no Parlamento LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

Um dia depois de o responsável máximo da Inspecção-geral de Finanças (IGF), Vítor Braz, ter estado no Parlamento a explicar-se sobre a auditoria deste serviço ao “apagão” no fisco de 10.000 milhões de euros de transferências para paraísos fiscais, o ministro das Finanças insiste que o relatório deixou por esclarecer aspectos relevantes para saber o que se passou.

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Um dia depois de o responsável máximo da Inspecção-geral de Finanças (IGF), Vítor Braz, ter estado no Parlamento a explicar-se sobre a auditoria deste serviço ao “apagão” no fisco de 10.000 milhões de euros de transferências para paraísos fiscais, o ministro das Finanças insiste que o relatório deixou por esclarecer aspectos relevantes para saber o que se passou.

Ao ser ouvido numa audição parlamentar a decorrer na manhã desta quarta-feira na comissão de orçamento e finanças, Mário Centeno repetiu o que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, deixou por escrito na sequência da auditoria, quando disse que ficaram por esclarecer “aspectos relevantes para a descoberta da verdade”.

Voltando a dizer que “falta explicar matérias importantes, mesmo depois do relatório da IGF”, Mário Centeno garante que o Ministério das Finanças fará “tudo” para saber por que é que “alguma informação que devia existir do ponto de vista informático” não existe. A IGF considerou “extremamente improvável” o erro ter tido origem numa intervenção humana, tendo em conta a “combinação de factores tecnológicos relativos à aplicação (workflow), à infra-estrutura (PowerCenter) e à configuração na base de dados”. O Governo deixou, no entanto, a investigação em aberto, pedindo ao próprio fisco que esclareça se ainda é possível recuperar dados recorrendo a técnidas de análise forense e desenvolvendo novas perícias informáticas.

Centeno respondia à intervenção do deputado do PSD Duarte Pacheco, que acabara de dizer que a qualidade técnica da IGF “nunca foi posta em causa por nenhum governo”. O ministro não especificou, nessa resposta, quais são as matérias que considera terem ficado por explicar, mas isso está elencado no despacho do seu secretário de Estado.

No documento, Fernando Rocha Andrade elenca seis questões que quer ver esclarecidas porque, “da descrição dos meios de investigação utilizados e dos elementos recolhidos” na auditoria, o governante constatou que “não foram reproduzidas informaticamente as circunstâncias em que o problema informático surgiu, não foi confirmado se e quem poderá ter alterado” por dolo ou negligência a parametrização da aplicação de suporte ao registo dos dados das transferências para offshores (o PowerCenter). E acrescentou que “não foi encontrada explicação para a singularidade estatística de este ‘erro’ afectar especialmente algumas instituições e manifestar-se de forma diversa ao longo de vários períodos temporais”.

Na véspera, o inspector-geral da IGF explicou que as análises e os resultados das peritagens onde colaboraram dois professores do Instituto Superior Técnico (IST) “não revelam nem se adequam a uma intervenção humana deliberada”.

Depois de ouvir a intervenção inicial de Centeno, o deputado do PSD Duarte Pacheco disse que estava à espera de ter ouvido o ministro pedir “publicamente desculpa pelas palavras insensatas usadas pelo primeiro-ministro” quando, em Fevereiro, acusou o anterior Governo de não controlar transferências para offshores. Considerando que o relatório da IGF deixa claro que o que aconteceu com o processamento parcial das declarações foi uma “falha informática” sem um “apagão selectivo”, defendeu que isso mostra que se desmoronou a “tese injuriosa criada pelo Governo”.

Durante a audição de Vítor Braz, na véspera de Centeno ser ouvido, um dos inspectores que acompanhou o inspector-geral da IGF sublinhou que o facto de haver uma concentração dos valores ocultos em determinadas instituições financeiras que comunicaram as declarações Modelo 38 ao fisco se deve ao facto de serem aquelas onde naquele período se registaram mais transferências.

Uma das questões que o inspector-geral Vítor Braz não explicou na terça-feira tem a ver com o facto de o fisco só ter hoje os chamados “ficheiros de log” (uma espécie de histórico com o registo dos eventos registados durante a execução de uma aplicação) relativamente a seis das 20 declarações (Modelo 38) onde se verificaram os erros.

A regra no fisco é guardar esses logs durante 18 meses. No entanto, esse período de um ano e meio ainda não tinha sido ultrapassado em Outubro de 2016 (quando os erros de processamento são descobertos no fisco) relativamente a várias declarações enviadas à autoridade tributária em Junho, Julho e mesmo em Outubro de 2015, na sua maioria de transferências realizadas em 2014, incluindo uma declaração onde não foram processados 2000 milhões de euros. Apenas há ficheiros de log das declarações submetidas a partir de 9 de Outubro de 2015, mas não para uma declaração de 6 de Outubro desse mesmo ano, nem para dez enviadas em Julho, nem para uma enviada em Junho.

Corroborando a leitura do ministro, a deputada do BE Mariana Mortágua considerou haver “algumas perguntas que subsistem”, porque, disse, o relatório da IGF “é muito inconclusivo” tendo em conta que “não há os registos” informáticos e que não foi possível repetir a rotina de processamento tal como ela aconteceu.

A aplicação PowerCenter teve uma alteração de comportamento a partir de 2013, coincidente com uma actualização da tecnologia em Maio desse ano. Os peritos do Instituto Superior Técnico admitem que essa mudança de comportamento é um forte indício de que o erro resultou de uma “alteração inadvertida” da parametrização das operações técnicas, pela evolução da versão da tecnologia do PowerCenter. Mas não excluem que possa ter sido provocada “por outro motivo não determinado”. Não há “dados concretos que permitam validar inequivocamente esta hipótese”, embora ela seja “a única razão de natureza técnica encontrada para explicar os factos”. Daí que a deputada do BE considere que é importante esclarecer se “o outro factor” pode resultar de mão-humana.