São cada vez menos as escolas que oferecem inglês no 1.º e 2.º ano
Introdução da língua estrangeira no currículo a partir do 3.º ano fez retrair a aposta nas AEC. Governo e especialistas defendem que este não é um problema.
A introdução do inglês como matéria obrigatória para os alunos do 3.º e 4.º ano resultou numa quebra acentuada do número de estudantes que têm a língua estrangeira nos primeiros dois anos do 1.º ciclo do ensino básico.
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A introdução do inglês como matéria obrigatória para os alunos do 3.º e 4.º ano resultou numa quebra acentuada do número de estudantes que têm a língua estrangeira nos primeiros dois anos do 1.º ciclo do ensino básico.
Dados oficiais mostram que menos de 25% dos alunos do 1.º e 2.º ano tiveram inglês neste ano lectivo de 2016/17, nas Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC). Este é o valor mais baixo desde a introdução deste complemento lectivo para os alunos do 1.º ciclo, há uma década.
Um relatório da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEEC), publicado na semana passada, mostra que houve 78.993 alunos do 1.º e 2.º ano com inglês nas AEC no ano lectivo que está agora a terminar. Este número corresponde a 24,1% do total de inscritos nos dois primeiros anos do 1.º ciclo, um número que fica bastante aquém dos 91,1% de alunos dos mesmos dois anos do ensino básico que tinham inglês em 2012/2013, o ano em que a percentagem de estudantes com esta língua estrangeira foi mais elevada.
Desde a introdução da “escola a tempo inteiro”, o inglês tornou-se a disciplina mais escolhida pelas escolas para as AEC. O complemento lectivo promovido pelas autarquias, IPSS ou associações de pais para garantir o prolongamento do horário lectivo dos alunos do 1.º ciclo começou a funcionar em 2006/2007. Nesse ano, o número de estudantes com inglês no 1.º e 2.º anos foi de 30,5%. O valor cresceu ininterruptamente até 2012/2013.
No ano seguinte, e ainda antes da introdução do inglês como matéria obrigatória do currículo a partir do 3.º ano, começou a inverter-se a tendência. A percentagem de alunos com inglês nas AEC sofreu uma quebra de 17,7 pontos percentuais em 2013/14. Depois, o ministro Nuno Crato tornou o inglês obrigatório nos 3.º e 4.º anos e as escolas deixaram de lado a aposta na língua estrangeira nos dois primeiros ano do ciclo inicial.
O Ministério da Educação desvaloriza a situação: “A diferença nos números prende-se exclusivamente com o facto de a oferta de inglês ter passado a curricular a partir do 3.º ano do 1.º ciclo."
“Maior equidade”
A directora do mestrado em Ensino de Inglês no 1.º ciclo do ensino básico da Universidade do Minho, Flávia Vieira, defende que a situação era expectável, uma vez que a definição de que a aprendizagem desta língua se deve iniciar obrigatoriamente no 3.º ano “pressupõe uma certa desvalorização da sua aprendizagem em anos anteriores”.
Flávia Vieira considera que a passagem do inglês para o currículo obrigatório a partir do 3.º ano teve também o mérito de resolver alguns dos problemas criados pelas AEC. Desde logo, as dificuldades de integração entre os conteúdos leccionados no 1.º ciclo e no 2.º ciclo e uma discrepância no acesso, uma vez que, mesmo nos anos em que o inglês esteve mais divulgado nas AEC, não chegava a todos os alunos.
“O seu novo estatuto curricular criou maior equidade na aprendizagem de uma primeira língua estrangeira na escola. Estas vantagens suplantam possíveis desvantagens de um decréscimo de alunos nos primeiros dois anos”, sublinha a especialista da Universidade do Minho.
Fátima Vieira, coordenadora do Centro de Inglês e Estudos Anglo-Ingleses da Universidade do Porto, via um outro problema na forma como o inglês era ensinado nas AEC: as habilitações requeridas aos professores não eram suficientemente exigentes. Licenciados em Tradução ou em Turismo com variantes em inglês podiam ensinar a língua aos alunos do 1.º ciclo, o que, no entender desta especialista, “não assegurava a qualidade do ensino”. A passagem do inglês para o currículo permitiu resolver esse problema, sublinha.
Também o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Jorge Ascensão, lembra as dificuldades de integração entre as AEC no 1.º ciclo e o programa de inglês do 2.º ciclo, para dizer que considerada “expectável” que as escolas e as autarquias não quisessem passar por uma experiência semelhante quando alunos com inglês nas AEC no 1.º ou 2.º ano chegassem ao 3.º ano e tivessem “que repetir tudo”.
Por isso, para os pais o desaparecimento do inglês não é “muito preocupante”. O grande motivo de inquietação para a Confap tem a ver com a forma como as AEC estão a ser usadas pelas escolas. “O tempo das AEC devia estar perfeitamente integrado com o projecto educativo. E nem em todos os lados é assim.”
Um relatório da rede europeia Eurydice publicado no mês passado apresentava Portugal como um dos poucos países onde o ensino de uma língua estrangeira não começa logo no primeiro ano de escolaridade obrigatória. O Governo anterior tornou obrigatório o ensino de Inglês a partir dos 8 anos (3.º ano de escolaridade), o que começou a acontecer em 2015/2016. Na maioria dos países europeus esta experiência começa logo no primeiro ano da escolaridade obrigatória. Na Polónia e no Chipre, por exemplo, o ensino de um idioma estrangeiro é obrigatório logo a partir do pré-escolar.
De acordo com o relatório da DGEEC, as outras línguas estrangeiras têm uma presença residual no 1.º ciclo. Apenas 426 alunos têm AEC numa língua estrangeira que não seja o inglês, o que corresponde a 0,2% do total dos estudantes inscritos.
Mas não foram só as línguas a perder terreno nas preferências dos alunos do 1.º ciclo. Também o número de alunos que têm AEC nos domínios artístico, desportivo e tecnológico diminuiu. As escolas estão, pelo contrário, a apostar mais em AEC no domínio científico (actualmente escolhido por 13,6% dos alunos) e na dimensão europeia na educação, que, apesar de continuar a ser residual (0,4%), mais do que duplicou no último ano. Apesar da diminuição, o desporto continua a ser a área mais procurada nas AEC, sendo escolhida por 68,7% dos alunos, seguido do domínio artístico (57,9%).
Vantagens do contacto precoce com as línguas
O Conselho da Europa recomenda a aprendizagem de línguas desde o início da escolaridade e de modo continuado e propôs mesmo em 2010 o ensino de uma primeira língua estrangeira desde os níveis pré-escolar. “A chamada aprendizagem precoce de línguas no nível pré-escolar é justificado por ser um exercício que melhora o desenvolvimento pessoal e social da criança, ao mesmo tempo que aumenta a sua capacidade de empatia face aos outros. Uma das vantagens de começar cedo traduz-se na aquisição de níveis de competência equivalentes aos dos nativos (pronúncia e entoação)”, recorda um relatório de 2014 do Conselho Nacional de Educação sobre a integração do ensino da língua inglesa no currículo do 1.º ciclo do ensino básico.