Sinto falta de ti

Foste embora, avô, e não há um dia que não passe, não há um dia, não há uma morada, não há um nome, apenas uma roseira branca plantada na casa de onde nunca quiseste partir, de onde nunca devias ter partido

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Sinto falta de ti. Disseste que ias estar sempre presente, não estás, nunca estiveste, nunca mais te senti, nunca mais te vi, nunca mais voltaste.

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Sinto falta de ti. Disseste que ias estar sempre presente, não estás, nunca estiveste, nunca mais te senti, nunca mais te vi, nunca mais voltaste.

E partiste numa cremação sem sepultura ou morada, apenas cinzas, o pó, o que de repente restou nas minhas mãos sobre os joelhos dobrados, rendidos a uma urna ainda quente de ti.

E eu sem acreditar, em negação absoluta, a querer um engodo e não um quilo e meio de cinzas como se de papel fosses feito em vez dos abraços, da paciência, a tua presença constante, a tua voz, o teu saber, todos os livros, os debates, a inteligência, o afecto infinito, sem fundo, sem fim, uma paixão assolapada por este teu neto que te escreve à distância de 16 anos, a criança que ainda sou ao teu colo.

Foste embora, avô, e não há um dia que não passe, não há um dia, não há uma morada, não há um nome, apenas uma roseira branca plantada na casa de onde nunca quiseste partir, de onde nunca devias ter partido. Um pé de roseira e o primo Beto com a força de um homem e as lágrimas de um homem a cavar a tua sepultura, as tuas cinzas, sem chorar, sem acreditar ao enterrar mais um pai, mais um avô.

Um pé de roseira e uma rosa branca para a minha avó sempre que volto a casa, sempre que regresso a casa, e no fundo é isso, avô, e tomara eu ter a sapiência de o pensar quando a minha hora chegar, e ter a sorte de quem o cumpra, este desejo de voltar.

E, portanto, avô, pregaste-nos uma partida e nunca mais voltaste. Ao invés, somos nós que voltamos, sempre, e contamos os anos que nos separam de ti, sempre e cada vez menos, os anos, ano após ano, passo após passo, enquanto insidiosamente a terra nos reclama de novo, nos chama de novo, de volta a casa.

Nunca mais te vi e nunca mais te ouvi, e às vezes parece-me, e às vezes pergunto-me, será?, não, não é, e o dia continua, e tu ao meu lado, afinal ao meu lado, sempre presente entre o pensamento e o coração. E isto tudo apesar das mais de 16 horas de cassetes gravadas entre os dois, uma biografia inacabada e um terço da tua vida. Ainda não tive coragem de as ouvir. Muito provavelmente, nunca terei. Prefiro assim.

E por isso aquela frase inscrita entre coroas e flores e ainda hoje guardada, avô, uma daquelas frases ditas por dizer, estou certo, mas de imediato gravadas na pele, nos corpos e nas vidas dos que cá ficaram, dos que sentem falta de ti, aquela tua frase que te resume e define por inteiro para quem nunca teve a sorte de te ter: “Quando feliz te sentires ou alegrias tiveres pensa, cumpriu-se um desejo do meu avô.”