Aquicultura em Mira leva Somague e Pescanova a tribunal

A unidade de produção de pregado em Mira está no centro de uma disputa legal entre o grupo construtor, liderado pela Somague, filial da espanhola Sacyr Vallehermoso, e a da Acuinova, da Nueva Pescanova.

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Lançamento do projecto em Outubro de 2007 contou com a presença de José Sócrates. PAULO PIMENTA / PUBLICO

O agrupamento complementar de empresas Acupm, liderado pela Somague, que construiu a unidade de aquicultura em Mira, e a Acuinova, a empresa do grupo Pescanova dona da infra-estrutura, ainda não se entenderam sobre de quem é a culpa dos acidentes, ocorridos entre 2009 e 2014, que levaram, alega a produtora, à redução drástica da cultura de pregado. Há quatro processos na justiça, uma das queixas já vai na Relação, e o tema é central no processo de revitalização da Acuinova, a braços com uma dívida total de 166,64 milhões de euros por reestruturar.

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O agrupamento complementar de empresas Acupm, liderado pela Somague, que construiu a unidade de aquicultura em Mira, e a Acuinova, a empresa do grupo Pescanova dona da infra-estrutura, ainda não se entenderam sobre de quem é a culpa dos acidentes, ocorridos entre 2009 e 2014, que levaram, alega a produtora, à redução drástica da cultura de pregado. Há quatro processos na justiça, uma das queixas já vai na Relação, e o tema é central no processo de revitalização da Acuinova, a braços com uma dívida total de 166,64 milhões de euros por reestruturar.

No Tribunal da Relação de Lisboa deu entrada, no início de Junho um recurso interposto pelo Acupm – Agrupamento Construtor de uma Unidade de Piscicultura em Mira, ACE, em que a Somague Engenharia, a espanhola Sacyr (grupo em que a Somague foi integrado em 2004), e a Elevolution Engenharia (do grupo Elevo) são recorrentes.

Contactada pelo PÚBLICO, fonte oficial da Acuinova respondeu, por email: “o processo está em segredo de justiça, pelo que nesta fase é prematuro haver comentários”. 

A Somague, que detém 80% do Acupm (segundo o relatório e contas de 2014), contactada pelo PÚBLICO, respondeu que “a questão tem origem na execução, no nosso entender abusiva, pela Acuinova SA, de uma garantia bancária on first demand, no valor de 5,17 milhões de euros, prestada pela Acupm ACE”. “Por força de uma primeira decisão judicial no âmbito deste litígio com que o Acupm se não conforma”, adiantou na resposta escrita, o “recurso interposto” será agora “decidido pelo Tribunal da Relação”.

De quem é a responsabilidade?

A garantia em causa “é executável à primeira solicitação sem necessidade de que o executante faça prova do seu direito e cuja execução não pode o executado opor-se”, explica a Somague. Foi emitida, segundo a direcção de marketing e comunicação do grupo construtor, “para garantir defeitos da obra” na unidade de aquicultura em Mira.

É aqui que se dividem as opiniões. “O ACE entende que os problemas que tem havido na obra marítima não são da sua responsabilidade, mas sim da Acuinova”. Porquê? “Pela errada escolha que fez em querer instalar uma unidade com aquelas características numa das zonas com maior agitação marítima da costa portuguesa e em que os fundos em areia são muito instáveis e móveis”.

No entender do agrupamento, a Acupm “limitou-se a executar um projecto que lhe foi dado pela Acuinova”: “sustentamos que a garantia bancária foi indevidamente accionada e que a Acuinova pretende financiar-se à custa do ACE e é isso que pretendemos mostrar em tribunal”, remata a mesma fonte oficial.

A Acuinova Actividades Piscícolas (hoje integrada no grupo Nueva Pescanova, nascido das cinzas da insolvência da “velha” Pescanova e controlado pela banca credora espanhola) defende o contrário. Embora tenha declinado responder desta feita ao PÚBLICO, num comunicado emitido no início de Fevereiro passado, a gestão da Acuinova adiantava que o assunto já estava na justiça. “A Acuinova tem vindo a operar abaixo da sua capacidade instalada, devido a problemas técnicos nos emissários de captação, cujas responsabilidades estão a ser discutidas judicialmente”. Na altura, a Acuinova considerava que os problemas na concepção da unidade inaugurada em 2009 como Projecto Estruturante de Interesse Nacional (PIN) foram a causa das “dificuldades financeiras” da empresa, que a levaram para “capitais próprios negativos”. Situação financeira “só possível ultrapassar com o apoio da banca e das empresas do grupo”. A banca portuguesa – BPI, BCP, grupo CGD e Novo Banco, cada um com cerca de 31 milhões de euros - é dona de 75% da dívida da Acuinova.

Mais de 92 milhões em causa

A garantia de 5,17 milhões de euros, contudo, é apenas um dos quatro processos que a Acuinova tem em tribunal contra a Acupm. De acordo com a notas do administrador judicial provisório na lista de credores da Acuinova – cujo Processo Especial de Revitalização corre no Tribunal de Coimbra desde 31 de Janeiro último –, além da garantia referida, há mais 86,95 milhões em indemnizações pedidas pela Acuinova, em três processos distintos, associados aos “tubos” e à “caixa de união” dos “emissários de captação” 1 e 2. Os valores das indmnizações pedidas à Acupm nos três processos citados são de 15 milhões, 62,38 milhões e 9,56 milhões de euros. Com a garantia bancária, o total ultrapassa os 92 milhões de euros reclamados pela Acuinova na justiça. 

O tema é aliás uma das razões pela qual o administrador judicial defende que os créditos de 15,09 milhões de euros que a Acupm reclamou no âmbito do PER da Acuinova não sejam reconhecidos pelo Tribunal de Coimbra. Notava o administrador, na lista apresentada em Fevereiro passado, que a Acuinova "se considera titular de um contra crédito junto da Acupm no valor superior a 86 milhões de euros" (mais juros). A última informação sobre o PER publicada no portal Citius, é de Maio, de prerrogação do prazo para chegar a acordo com credores, por mais 30 dias.  

O administrador nomeado pelo tribunal chegou à soma de 166,64 milhões de euros de créditos (incluindo juros) reconhecidos sobre a Acuinova. Dos 235,22 milhões de euros reclamados, o gestor judicial considerou que o equivalente a 68,57 milhões de euros não se justificava ou não estava provado. Além do crédito reclamado pela Acupm, o do IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, no valor de 58,7 milhões de euros, também não foi reconhecido. Era o único directamente reclamado pelo Estado à Acuinova.