Tito Paris ou música de fusão enraizada na terra
A inconfundível voz de Tito Paris volta a soar num disco de originais que reafirma a sua universal crioulidade, Mim Ê Bô. Sim, também nós somos ele.
Quinze anos não são quinze dias, mas o tempo não é coisa que o preocupe. Tito Paris tinha gravado o último disco de originais em 2002 e desde aí dedicou-se aos palcos. “Estava tranquilo, estava à vontade”, diz ele. “Não havia nenhuma pressão da editora para eu gravar e fiz nestes anos muitas parcerias com vários cantores. Foi uma forma de divulgar a música lusófona e a minha também.” E foi sempre assim a vida dele.
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Quinze anos não são quinze dias, mas o tempo não é coisa que o preocupe. Tito Paris tinha gravado o último disco de originais em 2002 e desde aí dedicou-se aos palcos. “Estava tranquilo, estava à vontade”, diz ele. “Não havia nenhuma pressão da editora para eu gravar e fiz nestes anos muitas parcerias com vários cantores. Foi uma forma de divulgar a música lusófona e a minha também.” E foi sempre assim a vida dele.
Nascido no Mindelo, na cabo-verdiana ilha de São Vicente, em 30 de Maio de 1963, Tito andou sempre rodeado de música, na família e entre amigos. Antes de vir para Lisboa em 1982, a convite de Bana, para integrar o grupo Voz de Cabo Verde, já absorvera lições de Luís Morais ou Chico Serra. Pensou que vinha tocar baixo, mas acabou a tocar bateria (era de um baterista que eles precisavam) e mais tarde, por pressão de Dany Silva, acabou por se tornar também cantor. Das suas muitas voltas, já com conhecimento mais aprofundado de vários instrumentos mas fixado na guitarra (acústica e eléctrica), surgiu em 1994 o seu primeiro disco de estúdio, Dança Ma Mi Criola. Há um anterior, Fidjo Maguado, de 1987, mas ainda não retratava bem o seu estilo. Depois vieram Graça De Tchega (1996) e Guilhermina (2002) e, a par deles, vários discos ao vivo: Ao Vivo no B.Leza (1998), 27/07/1990 (2001, um registo mais antigo, só editado dez anos depois) e Acústico, Ao Vivo na Aula Magna (2005).
Disco começou há 15 anos
Agora chega Mim Ê Bô, mas não se pense que é de elaboração recente. “Comecei-o há quinze anos”, diz Tito. “Entrava num estúdio e gravava uma base. Depois viajava, voltava, já não gostava da base e tinha de refazê-la outra vez.” Este processo foi-se repetindo, sem pressas, até chegar à forma definitiva. Dos treze temas do disco, oito são dele: Cidade velha, Nha charme, Bô, Ilha na meio d’oceano, Mim ê bô, Kêl li ka ta fazendo, Doce Paixão e Santiago amor, este escrito em parceria com Paulo Borges. A par deles, alinham-se Ser mas cretchêu, de Jorge Humberto; Gata morena, de Dany Mariano; Mindel d’novas, de Ari Duarte; e duas versões: Fado triste, de Vitorino (um tema que já lhe vinha dos tempos do grupo Sons da Fala e aqui é cantado em crioulo); e Resposta de segredo cu mar, de B.Leza, que Bana gravara e voltou a gravar, agora com Tito, pouco antes de morrer. “É uma morna fantástica e tem uma mensagem lindíssima, de amor. O Bana gravou isso quando tinha uns 34 ou 35 anos, era muito jovem. Fui visitá-lo ao hospital e disse-lhe que tinha gravado essa morna e que tinha gosto numa parceria com ele nessa música. Ele disse ‘ok, marca o estúdio antes de eu morrer’. Marquei, gravou, cantou muito bem. E realmente faleceu um ano depois.”
Outra parceria no disco é com Boss AC (filho da cantora cabo-verdiana Ana Firmino) no tema Bô. “Para mim é como se fosse um irmão mais novo. Cresci com os pais no Mindelo. Liguei-lhe e disse-lhe que tinha uma música que era a cara dele.” Tal como fizera Bana, ele disse: “Marca o estúdio que eu vou lá ter contigo”. Assim foi. “Ouviu, inventou na hora a parte dele e ficou muito bonito. Deu à música um grande valor.”
Como não há duas sem três, também ouvimos o maranhense Zeca Baleiro na última faixa do disco, Santiago amor. E a cantar em crioulo cabo-verdiano. “Conheci-o em Cabo Verde, há quinze anos ou mais, num festival na ilha do Sal. Ficámos amigos e fomos trocando trabalhos online. Um dia perguntei-lhe se ele era capaz de meter a voz nessa música e ele quis cantá-la em crioulo. E cantou bem, ficou ‘nice’, ficou bonito.”
Quem ouvir Mindel d’novas, de Ari Duarte (“um jovem compositor da ilha de Santo Antão”) vai reconhecer nele uma homenagem, não só a Manuel D’Novas (1939-2009), um dos grandes poetas e compositores cabo-verdianos, como a Cesária Évora e ao próprio Mindelo. “Foi a primeira música que eu gravei para este CD, em 2012.” Já o tema-título do disco tem origem numa frase que ele ouviu a um amigo. Havia muita gente a pedir-lhe um disco novo, mas ele disse-lhe algo que Tito nunca esqueceu: “Eu espero o tempo que for preciso. Porque ‘mim ê bô’ (eu sou tu). E assim ficou o título.
Afinar o crioulo na Praia
Nos arranjos e na estrutura musical, Mim Ê Bô aprofunda um caminho que Tito abrira em Dança Ma Mi Criola e que passa pela mistura das raízes cabo-verdianas aos sons do Caribe, acentuados com recurso a naipes de metais (saxofone, trompete, trombone) e também de cordas, estes mais destacados neste disco. “Eu gosto da fusão, mas com a raiz de Cabo Verde sempre presente, intocada. Sempre fiz isso nos meus trabalhos, porque os outros povos têm muito para nos ensinar também, a cultura não tem nem fronteiras nem raça. É livre. E eu gosto muito das músicas latino-americanas, como gosto muito de samba, bossa nova. Às vezes vou buscar uma coladeira bossa-novada, ou uma morna-fado.” Doce Paixão, por exemplo, lembra um bolero. “É uma música que eu fiz a contar a minha história quando saí do Mindelo. Foi uma viagem muito positiva. Quando cheguei cá, a cidade muito movimentada, muito buzinão de carros, só queria era voltar. O Paulino Vieira é que disse: ‘não, tu vais ficar aqui’. Depois habituei-me e agora só vou lá de férias.” Mas Cabo Verde está sempre presente no seu pensamento e na sua música. “Gosto de me encontrar, nas ruas da Praia, com aqueles velhotes que estão ali, alguns a fazer redes, e que falam um crioulo bem afinadinho, muito bonito. Eu gosto de afinar o meu crioulo também, de não o deixar desafinar. Porque esse crioulo é muito bom para fazer música, música fundida na terra.”