O som e o luto – o teatro que vamos ver em Almada
Bigre e Moeder emprestam ao Festival de Almada uma reflexão sobre o peso da palavra e o uso da sonoplastia em cena. Mas há muito mais a espreitar entre 4 e 18 de Julho.
Pouco ou nada se fala. Em dois dos espectáculos que marcarão esta 34ª edição do Festival de Almada (4 a 18 de Julho), a palavra é de escasso uso e a sua importância é, em parte, reclamada pela relação construída com o som em palco, que cresce até ser também protagonista. Num festival cuja espinha dorsal sempre foi e dificilmente deixará de ser o teatro, não há como não assumir a curiosidade de Bigre e Moeder assentarem em modelos de teatro popular e dança arraçada de teatro (respectivamente), deixarem a palavra para um plano que não é primordial e encherem o palco de um cuidado trabalho de sonoplastia.
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Pouco ou nada se fala. Em dois dos espectáculos que marcarão esta 34ª edição do Festival de Almada (4 a 18 de Julho), a palavra é de escasso uso e a sua importância é, em parte, reclamada pela relação construída com o som em palco, que cresce até ser também protagonista. Num festival cuja espinha dorsal sempre foi e dificilmente deixará de ser o teatro, não há como não assumir a curiosidade de Bigre e Moeder assentarem em modelos de teatro popular e dança arraçada de teatro (respectivamente), deixarem a palavra para um plano que não é primordial e encherem o palco de um cuidado trabalho de sonoplastia.
No caso da peça burlesca dos franceses Fils du Grand Réseau o texto é mesmo inexistente; para os belgas Peeping Tom, a oralidade em cena não se superioriza à linguagem corporal e coreográfica – e isto mesmo é dito explicitamente na folha de sala em França, justificando o facto de os diálogos em inglês não serem traduzidos, já que apenas ajudam à atmosfera do espectáculo e não impedem a sua compreensão. De alguma maneira, é também essa a função do Teatro de Almada – a de mostrar e questionar os caminhos que o teatro, num sentido lato, propõe e problematiza acerca da sua própria natureza.
Os caminhos comuns ou paralelos não se esgotam aqui, no entanto. Se Moeder tem como pano de fundo a morte da mãe de Gabriela Carrizo (fundadora dos Peeping Tom), também Pippo Delbono traz ao Festival de Almada (Teatro Nacional D. Maria II, 15 e 16 de Julho) uma peça desencadeada pelo desaparecimento daquela que lhe deu vida. Delbono responde em Vangelo (Evangelho) ao pedido da sua mãe para que criasse um espectáculo em torno da religião – algo que acontece numa linha muito pouco recta. Delbono é, naturalmente, uma das presenças mais vistosas do programa, lado a lado com Christoph Marthaler. O encenador suíço traz a Almada (Teatro Joaquim Benite, 16 e 17 de Julho) Uma Ilha Flutuante (uma outra maneira de dizer farófias), criação a partir de La Poudre aux Yeaux, de Eugène Labiche, reconvertida na sua habitual prática teatral insuflada de elementos musicais.
Não espanta, por isso, que o humor e a musicalidade de Marthaler façam dele o encenador de eleição de Ricardo Neves-Neves. Será uma relação curiosa de estabelecer, uma vez que Neves-Neves estreia em Almada (10 de Julho, Escola D. António da Costa, antes de prosseguir carreira no Teatro da Trindade) Karl Valentin Kabarett, criação para coro, orquestra e actores muito em sintonia com a polifonia do seu teatro desabrido. É uma das estreias portuguesas que o festival acolhe, a que se juntam espectáculos do Útero, Teatro da Garagem, John Romão, Alexandre Tavares e Anouschka Freitas, e Ricardo Boléo, assim como reposições da Mala Voadora, da Companhia João Garcia Miguel e do Teatro da Cidade. E a Bovary, de Tiago Rodrigues, encenada pelo próprio, mas na versão do francês Théâtre de la Bastille.
Convém não perder também de vista o Rumor e Alvoradas do Raoul Collectif (Escola D. António da Costa, 8), o Golem dos ingleses 1927 (Teatro Joaquim Benite, 12 e 13) e a Gente Comum de Gianina Carbunariu (Escola D. António da Costa, 16).