A primeira semana do resto da vida do Vale do Côa
Ministro da Cultura apresentou no Museu do Côa a nova equipa responsável pelo parque arqueológico. Novo director vai ser escolhido por concurso público internacional.
Mais de vinte anos passados sobre a criação do Parque Arqueológico do Vale do Côa, e de meia dúzia de anos de crise e quase esquecimento, vive-se nesta região do Douro a expectativa de um novo começo, mesmo se os receios permanecem, e o optimismo é mitigado.
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Mais de vinte anos passados sobre a criação do Parque Arqueológico do Vale do Côa, e de meia dúzia de anos de crise e quase esquecimento, vive-se nesta região do Douro a expectativa de um novo começo, mesmo se os receios permanecem, e o optimismo é mitigado.
Há, contudo, uma nova vida anunciada para a fundação, depois que o Governo determinou, através do Ministério da Cultura, a manutenção do modelo fundação e a renovação dos seus estatutos através do envolvimento dos ministérios da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e também da Economia e do Ambiente, associados à autarquia de Foz Côa.
Foi para apresentar a nova política que o ministro da Cultura Luís Filipe Castro Mendes se deslocou esta quinta-feira ao Vale do Côa, onde visitou o museu inaugurado em 2010 e foi também conhecer de perto, pela primeira vez, algumas das gravuras deste santuário de arte paleolítica.
A visita de Castro Mendes serviu também para apresentar o novo conselho directivo da fundação, agora presidido pelo historiador Bruno Navarro, um homem da terra. “Espero que em breve se façam sentir os efeitos de uma gestão renovada de todo este notável complexo cultural e científico, virada para o futuro e para o desenvolvimento de toda esta região”, disse o ministro, ladeado por membros da nova direcção, e na presença de anteriores responsáveis pelo Parque do Côa, como Fernando Real e o arqueólogo António Martinho Baptista, que abandonou o cargo de director em Maio, decidindo reformar-se.
Sem entrar em detalhes, o ministro remeteu para o novo conselho directivo a responsabilidade de encontrar as melhores soluções para os problemas mais imediatos do parque. Entre eles, avulta a questão da vigilância, tornada mais visível e mais premente após o acto de vandalismo que danificou a gravura do famoso Homem de Piscos, mas também a reposição do sistema de segurança e vigilância, a renovação da frota de viaturas e dos guias. E também a escolha de um novo responsável científico do museu e do parque, que — confirmou Castro Mendes — “será escolhido por concurso público internacional”. Enquanto essa escolha não for feita, será nomeado um responsável interino.
Envolver as universidades
Elaborar um plano de trabalho científico e de acção educativa junto dos públicos e “articular os trabalhos arqueológicos em curso com Universidades e centros científicos nacionais e internacionais”, acrescentou o ministro da Cultura, são outras prioridades da nova equipa. Propósitos reafirmados pela secretária de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Fernanda Rolo, que, também presente na cerimónia, falou ao PÚBLICO do lançamento de “vários programas de investigação” em parceria com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e também a do Minho, associados a planos de internacionalização e de desenvolvimento do potencial turístico do parque.
Já Bruno Navarro comprometeu-se a “fazer renascer a fundação, depois de um período dramático de abandono político e agonia financeira, que ameaçava comprometer a natureza da sua missão e a sua própria viabilidade institucional”.
Mas o novo presidente do conselho directivo, que tomou posse no início desta semana, iniciou a sua intervenção com uma homenagem ao anterior director do parque, António Martinho Baptista, pedindo mesmo que ele mantenha “a sua mais que assumida vinculação afectiva a este território e a este património”.
E a prova de que o ex-director tenciona manter-se ligado ao Vale do Côa esteve no facto ter sido o guia da visita da comitiva de Castro Mendes ao núcleo da Penascosa, onde, frente à icónica Rocha n.º 3, ensinou os visitantes a ver e a ler o valor arqueológico da arte gravetense, que remonta ao período mais antigo das gravuras do vale, com cerca de 25 mil anos.
O arqueólogo aproveitou mesmo a ocasião para “meter uma cunha” ao ministro da Cultura: envolver-se na classificação patrimonial, também por parte da Unesco, de núcleos de gravuras da mesma época existentes no Alto Sabor e na foz do Tua, mas também nos rios Zézere e Ocreza, afluentes da Tejo, e que formarão “o primeiro império da arte gravetense na Europa”, defende Martinho Baptista.
Castro Mendes anotou a reivindicação e, em declaração ao PÚBLICO, prometeu fazer avançar o processo. De resto, o ministro aproveitou a visita e a sessão no Museu do Côa para, na presença do representante da Associação dos Arqueólogos Portugueses — que passou também a integrar a fundação do Côa —, elogiar também o trabalho dos arqueólogos. “São eles que salvaguardam a riqueza patrimonial dos territórios, em contacto e em articulação com as comunidades locais”, disse.
“Para cá do Marão, existe magia; é pena é não haver gente”, lamentava um cidadão da terra, acrescentando que esse drama local é agravado pelo excesso de bairrismo. Mas Martinho Baptista, falando aos jornalistas, punha mais a tónica na distância e no “esquecimento de Lisboa”, referindo-se à recente tentativa de acabar com a fundação, por falta de meios financeiros e atenção política.
O arqueólogo e ex-director do parque acredita, contudo, nas virtudes do novo modelo agora experimentado. “É importante manter a autonomia, porque Lisboa está sempre muito longe”, disse, ao mesmo tempo que referia que o parque necessitava de uma mudança, além de mais meios financeiros e de mais envolvimento dos responsáveis locais, nomeadamente no sector do turismo.
“O meu tempo no Côa tinha terminado com a construção do museu, há sete anos, mas eu aguentei aqui até ao limite. E agora vou continuar a ser um emigrante do interior”, assegurou Martinho Baptista.