Competição entre Merkel e Schulz pode apressar casamento gay antes das eleições

O casamento para todos estava na campanha dos adversários de Merkel, que decidiu reverter a sua oposição a meses das eleições. Os outros partidos decidiram levar a questão a votos no Parlamento já esta semana.

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Merkel indicou a mudança de posição numa entrevista com a revista feminina Brigitte CLEMENS BILAN/EPA

A Alemanha vai ter em breve casamento para pessoas do mesmo sexo, depois de uma sucessão de jogadas políticas que têm a ver sobretudo com cálculos eleitorais: a chanceler, Angela Merkel, tentou esvaziar a campanha dos adversários, dizendo que mudou de opinião e passou a apoiar casamento entre pessoas do mesmo sexo, algo que os adversários defendiam. Os outros partidos decidiram então levar a questão a votos – o que deverá acontecer esta sexta-feira, quando se realiza a última sessão do Parlamento da actual legislatura, antes das eleições de 24 de Setembro.

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A Alemanha vai ter em breve casamento para pessoas do mesmo sexo, depois de uma sucessão de jogadas políticas que têm a ver sobretudo com cálculos eleitorais: a chanceler, Angela Merkel, tentou esvaziar a campanha dos adversários, dizendo que mudou de opinião e passou a apoiar casamento entre pessoas do mesmo sexo, algo que os adversários defendiam. Os outros partidos decidiram então levar a questão a votos – o que deverá acontecer esta sexta-feira, quando se realiza a última sessão do Parlamento da actual legislatura, antes das eleições de 24 de Setembro.

Tudo começou com o que parecia ser um dos habituais golpes de génio da exímia política Angela Merkel: numa conversa relaxada com jornalistas da revista feminina Brigitte, em resposta a uma pergunta do público, afirmou que era a favor do casamento para todos, ou seja, passar a permitir o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo. Desde 2011 que a Alemanha tem uniões de facto (contratos civis) mas não permite casamento, o que tem consequências em alguns direitos.

Foi uma jogada digna da mais táctica das políticas, já que este foi eleito como um dos grandes temas de campanha pelos seus actuais parceiros de coligação, mas rivais nas próximas eleições, os sociais-democratas (SPD), e por quase todos os outros partidos. O partido de Merkel, a União Democrata-Cristã (CDU) e o seu partido-gémeo da Baviera, a União Social Cristã (CSU), sempre se manifestaram contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Desafio do SPD

Com esta afirmação, Merkel esvaziava o tema da concorrência, sem grandes custos políticos, numa questão em que o apoio da sociedade é grande: segundo uma sondagem de Abril deste ano, 75% dos inquiridos manifestaram-se a favor de casamento entre casais hetero ou homossexuais na Alemanha.

Com os partidos a definir os seus programas na pré-campanha para as eleições do final de Setembro, tanto o SPD, como os Verdes, como os Liberais (que não estão no Parlamento mas deverão regressar depois de Setembro), prometeram impor esta como uma condição para se juntarem a uma coligação, tornando quase certa a aprovação do casamento para todos na próxima legislatura, já que na Alemanha a norma é um governo de coligação e antecipa-se mesmo que a próxima possa incluir, pela primeira vez a nível nacional, três partidos.

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Como diz um comentário no Süddeutsche Zeitung (SZ), com a afirmação de que apoiaria o casamento para todos, Merkel removeu as pedras que os outros partidos puseram no caminho de uma coligação com a CDU (que neste momento é a líder absoluta nas sondagens, com 40% dos votos, segundo uma sondagem do instituto Forsa no Frankfurter Allgemeine Zeitung, contra apenas 23% do seu parceiro de “grande coligação”, o SPD). E afastou também o principal motivo pelo qual os outros partidos poderiam atacar a CDU/CSU, apresentando-o como um partido antiquado, como diz um comentário do editor de política do SZ, Heribert Prantl.

O que poderia correr mal a Merkel? Aparentemente, nada. Excepto que o SPD decidiu desafiar a chanceler com a proposta de um voto mesmo na recta final da legislatura, precisamente no último dia possível, sexta-feira. Os sociais-democratas foram rápidos a reagir e a propor o voto, em aliança com os Verdes e Die Linke (esquerda radical). Angela Merkel fez uma proposta “que levámos a sério”, disse o líder social-democrata, Martin Schulz. Assim, não haveria motivos para adiar para a próxima legislatura uma votação que pudesse ser feita ainda nesta.

Ludwig Greven, do jornal Die Zeit, comenta que esta jogada de Merkel e contra-jogada dos sociais-democratas mudou o que se espera da campanha: “ainda pode ser entusiasmante”.

"Atraso de 15 anos"

No Parlamento actual, o sentido de voto dos conservadores, que terão liberdade de voto, não parece ser essencial para a aprovação da lei: sociais-democratas, Verdes e Die Linke têm 320 deputados, a CDU/CSU tem 310. Espera-se que uma proposta de casamento para casais do mesmo sexo seja assim aprovada.

Os conservadores acusaram os sociais-democratas de violar o acordo de coligação feito por ambos após a votação de 2013, do qual faz parte a promessa de não trabalhar com maiorias variáveis para aprovar leis contra o desejo de um dos partidos no Governo (e do qual não constava o casamento para todos, por oposição da CDU). Nessa altura, a CDU/CSU bloqueou o desejo do SPD ter o casamento para todos discutido durante a legislatura.

Mas o SPD recusa estar a violar esse acordo com a junção de esforços com os Verdes e Die Linke para levar o casamento para todos a votos: “Estamos a apoiar a posição da chanceler”, declarou o porta-voz social-democrata Johannes Fechner ao SZ.

O cálculo de Merkel de que iria retirar força aos opositores também parece ter saído ao contrário: ao não querer sair demasiado da toada do seu partido (que já levou muito da direita para o centro nos últimos anos), Merkel não fez uma defesa entusiástica do casamento para todos, dando a aparência de que mudou de posição “apenas porque tinha absolutamente de o fazer”, comenta Gero Schliess no site da emissora Deutsche Welle. Merkel disse ter mudado de opinião depois de conhecer um casal de lésbicas com filhos. Mas disse apenas que gostaria que a questão fosse decidida com base na consciência dos deputados e sem fracturas políticas.

Já políticos como Martin Schulz fizeram uma defesa mais entusiasta, dizendo que "a família não é só pai, mãe, filho": "é quando as pessoas assumem responsabilidades por outras". E esta responsabilidade está presente no casamento.

Muitos comentadores sublinham ainda um certo atraso da Alemanha em relação ao casamento gay, já adoptado por muitos países europeus há anos (Portugal, por exemplo, em 2010, Holanda em 2011, etc).

Um atraso que, apontam activistas, foi responsabilidade precisamente de… Angela Merkel. O maior grupo de defesa de direitos de homossexuais na Alemanha congratulou-se “pelo facto de depois de 15 anos de bloqueio ideológico, Angela Merkel e a União Democrata Cristã estarem prontas a avançar na questão do casamento para todos”.