Onde raio está uma comissão independente?
Como a todos toca a culpa, vão imperar os golpes baixos. E quem perde, como sempre, é a pobre verdade a que todos os portugueses têm direito.
Eu explico o que António Costa já devia ter feito, e não fez. Na terça ou na quarta-feira, ele devia ter agarrado no telefone e ligado a António Barreto para lhe dizer o seguinte: “O que aconteceu em Pedrógão Grande foi uma tragédia como não se via há 50 anos. Não pode restar uma pinga de dúvida sobre o que se passou, como se passou e de que forma poderia ter sido evitado. Quero que todas as responsabilidades sejam apuradas até ao fim, e nem o Governo, nem a oposição, nem qualquer uma das forças envolvidas no combate ao fogo está em condições de apresentar um relatório imparcial. O país precisa de uma figura consensual e acima de qualquer suspeita para presidir a uma comissão independente, que no período de 30 dias seja capaz de apresentar as suas conclusões, de forma a que nenhum português bem-intencionado possa duvidar delas. Você é essa figura. Tem total liberdade para constituir a sua equipa, coloco os meios que forem necessários à sua disposição, e darei ordens para que todas as instituições do Estado respondam às perguntas que entenda serem convenientes fazer. No final, o Governo estará disponível para arcar com as consequências políticas daquilo que a comissão independente conseguir apurar.”
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Eu explico o que António Costa já devia ter feito, e não fez. Na terça ou na quarta-feira, ele devia ter agarrado no telefone e ligado a António Barreto para lhe dizer o seguinte: “O que aconteceu em Pedrógão Grande foi uma tragédia como não se via há 50 anos. Não pode restar uma pinga de dúvida sobre o que se passou, como se passou e de que forma poderia ter sido evitado. Quero que todas as responsabilidades sejam apuradas até ao fim, e nem o Governo, nem a oposição, nem qualquer uma das forças envolvidas no combate ao fogo está em condições de apresentar um relatório imparcial. O país precisa de uma figura consensual e acima de qualquer suspeita para presidir a uma comissão independente, que no período de 30 dias seja capaz de apresentar as suas conclusões, de forma a que nenhum português bem-intencionado possa duvidar delas. Você é essa figura. Tem total liberdade para constituir a sua equipa, coloco os meios que forem necessários à sua disposição, e darei ordens para que todas as instituições do Estado respondam às perguntas que entenda serem convenientes fazer. No final, o Governo estará disponível para arcar com as consequências políticas daquilo que a comissão independente conseguir apurar.”
Era isto que António Costa deveria ter feito. Era isto que a oposição lhe deveria ter exigido. Era isto que os portugueses mereciam ouvir. António Barreto é só um exemplo. Se ele não estivesse disponível, Costa escolheria outra figura de prestígio, com independência política, estatura intelectual e provas dadas na arte de pensar pela própria cabeça. Não haverá muitas em Portugal. Mas ainda há algumas. E é para isso que os senadores da república servem. Uma tragédia como esta não se via desde as inundações da região de Lisboa de Novembro de 1967, e o sentimento de ausência do Estado é assustadoramente parecido nos dois casos, apesar de haver meio século a separá-los. São as mesmas falhas no ordenamento do território (há 50 anos, na construção desordenada de casas em cima do leito de rios e ribeiras; agora, na plantação desordenada de pinheiros e eucaliptos em cima de casas e de estradas); as mesmas falhas das autoridades em responder aos pedidos de ajuda; a mesma tentação em menorizar a dimensão da tragédia (há 50 anos, a censura riscava os títulos que garantiam existir “centenas de mortos” – havia mesmo –, substituindo-os por “dezenas de mortos”, e atiravam-se as culpas para cima da mãe natureza; agora, menoriza-se a descoordenação das autoridades, e atiram-se as culpas para cima da mãe natureza).
António Costa, ao não constituir de imediato uma comissão independente, e ao preferir apoiar o PSD na criação de uma comissão parlamentar, até pode ter feito uma grande jogada política. Mas os portugueses, como de costume, saem a perder. Aquilo que aí vem é o que já aí está: Passos Coelho, que se encontrava politicamente comatoso, agarrou-se à tragédia de Pedrógão com tal entusiasmo que até vê suicídios entre pinheiros. E vamos ter mais visões, condenados que estamos a um teatrinho feio por parte de partidos profundamente unidos no abandono do país e no desvio dos meios do Estado ao longo de décadas em seu proveito e dos seus amigos. Como a todos toca a culpa, vão imperar os golpes baixos. E quem perde, como sempre, é a pobre verdade a que todos os portugueses têm direito. Depois de tamanha tragédia, só falta mesmo ela acabar cozinhada à moda de Camarate: crime nos dias ímpares, azar nos dias pares.