IGF considera “improvável” mão humana no “apagão” de 10.000 milhões para offshores
IGF aponta para erro informático. Há informação que foi apagada e perguntas sem resposta. Rocha Andrade levanta dúvidas e faz chegar relatório ao Ministério Público.
A auditoria da Inspecção-Geral de Finanças (IGF) às falhas de processamento do fisco de 10.000 milhões de euros de transferências para contas em paraísos fiscais afasta, mas não exclui taxativamente, a probabilidade de ter havido mão humana “deliberada” para ocultar as operações financeiras (2011 a 2014) comunicadas pelos bancos à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
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A auditoria da Inspecção-Geral de Finanças (IGF) às falhas de processamento do fisco de 10.000 milhões de euros de transferências para contas em paraísos fiscais afasta, mas não exclui taxativamente, a probabilidade de ter havido mão humana “deliberada” para ocultar as operações financeiras (2011 a 2014) comunicadas pelos bancos à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
A entidade liderada pelo inspector-geral Vítor Braz conclui, no relatório final já enviado ao Parlamento, que as anomalias terão resultado da “combinação de factores tecnológicos” relativos à aplicação usada para tratar as transferências (o PowerCenter), à infra-estrutura e à configuração na base de dados da AT.
Perante “múltiplos testes” e perante a “intervenção de um conjunto alargado de especialistas e do próprio fabricante” do software, os peritos “consideram como extremamente improvável que a alteração de comportamento da aplicação, a partir de 2013, tenha resultado de uma intervenção humana deliberada para evitar o tratamento integral das declarações Modelo 38”.
A conclusão da IGF baseia-se nos “resultados preliminares” dos testes realizados pela IGF e nas análises elaboradas pelos peritos do Instituto Superior Técnico (IST) chamados por Braz a esta investigação. Os peritos admitem que as falhas possam ter sido provocadas por essa alteração de parametrização do software do fisco em Maio de 2013, mas dizem que a “ausência de informação sobre a realização de testes” na AT “impede uma confirmação inequívoca” de que o erro tem origem aí. A razão da falha continua a ser um mistério. E há várias perguntas que continuam por esclarecer.
Um ponto prévio: em causa neste caso, revelado pelo PÚBLICO em Fevereiro, está uma discrepância na ordem dos 10.000 milhões de euros encontrada pela administração tributária apenas em Outubro do ano passado no registo interno das transferências para offshores realizadas de 2011 a 2014. Uma grande quantidade de operações, cerca de 21 mil, não ficou registada no sistema central do fisco. E além da concentração das transferências nalguns bancos, há agora a confirmação de que, dos 10.000 milhões de euros, cerca de 8000 milhões são transferências que partiram apenas de dois grupos económicos.
Há logs em falta
Uma das questões relevantes que não está esclarecida – não é referida pela IGF na síntese inicial das conclusões da IGF (as primeiras páginas do relatório) – é revelada pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais logo no início de um despacho emitido pelo governante depois de receber o documento: “Os logs relativos ao processamento das declarações, que documentariam ao longo dos anos o número de transferências que ficaram por analisar, terão sido sucessivamente ignorados [na AT] e foram apagados”. A informação eliminada diz respeito ao período de 2010 a 2013. E faltando esse registo, as conclusões não são definitivas.
Ao ler a auditoria enviada por Vítor Braz, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais constata várias questões para as quais a IGF não encontra um esclarecimento. “Da descrição dos meios de investigação utilizados” e das informações recolhidas na auditoria, conclui Fernando Rocha Andrade, “não foram reproduzidas informaticamente as circunstâncias em que o problema surgiu, não foi confirmado se e quem poderá ter alterado aquela parametrização por dolo ou negligência, não foi encontrada explicação para a singularidade de este ‘erro’ afectar especialmente algumas instituições e manifestar-se de forma diversa ao longo de vários períodos temporais”.
As dúvidas levam mesmo o governante a afirmar que continuam por esclarecer “aspectos relevantes para a descoberta da verdade”. O caso está a ser averiguado pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), sendo já certo que o documento vai chegar ao Ministério Público.
São seis as perguntas que Rocha Andrade coloca sobre o caso e que quer ver esclarecidas pelo fisco para apurar se há responsabilidades internas dos serviços e das próprias empresas de informática contratadas (uma delas é a OpenSoft). Duas dessas perguntas têm precisamente a ver com a questão dos logs apagados: essa eliminação dos dados relativos a quatro anos “corresponde ao procedimento habitualmente seguido na AT relativamente a dados deste tipo?”; “podem os logs apagados ainda ser recuperados com recurso a técnicas de análise forense?”. Para isso o fisco tem luz verde para contratar, se necessário, serviços externos para que os dados sejam recuperados.
Os logs referem-se ao processo de registo dos eventos de actividade (úteis, por exemplo, para controlar o desempenho de servidores e para auditar os prolemas que ocorrem com uma determinada aplicação). A questão dos logs eliminados foi omitida do “sumário executivo” do relatório da IGF, apenas sendo referida numa passagem do documento onde é descrita uma “falha de integração de registos”. Diz a inspecção que, segundo a regra da AT, os logs “apenas são guardados pelo prazo de 18 meses”, sendo essa a razão de apenas haver registo de actividade para seis das 20 declarações afectadas pela falha informática.
A estas junta-se outras relacionadas com a parametrização do sistema de processamento. O Ministério quer ver esclarecido se a alteração poderia “ser manualmente alterada sem deixar registo” e em que circunstâncias.