Concurso público versus nomeação política: um debate oportuno e urgente
É urgente fazer serenamente um debate sobre o sistema de nomeação dos altos cargos da Administração Pública.
Primeiro foi o meu artigo de opinião no PÚBLICO online de 16 de maio passado com o título “A ética republicana e a nova Lei de Gestão Hospitalar”, onde defendi a necessidade de uma nova ética burocrática e a defesa dos princípios e valores republicanos na nomeação das administrações hospitalares, e manifestei a minha discordância relativamente ao sistema atual de nomeação com base na confiança “pessoal, ideológica ou partidária”.
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Primeiro foi o meu artigo de opinião no PÚBLICO online de 16 de maio passado com o título “A ética republicana e a nova Lei de Gestão Hospitalar”, onde defendi a necessidade de uma nova ética burocrática e a defesa dos princípios e valores republicanos na nomeação das administrações hospitalares, e manifestei a minha discordância relativamente ao sistema atual de nomeação com base na confiança “pessoal, ideológica ou partidária”.
Depois foi o artigo de opinião de João Miguel Tavares publicado na versão impressa do PÚBLICO, com o título “Uma cultura política lastimável”, de onde se extrai a conclusão geral, com a qual estou de acordo, que “é uma péssima cultura política” nomear alguém apenas por que se tem um bom amigo na política. Infelizmente, esta cultura, que sempre existiu entre nós (estou convencido que, apesar de Portugal ser formalmente uma república, a idiossincrasia cultural portuguesa nunca foi muito republicana; a comprová-lo está o facto de a “cunha” nunca ter deixado de ser uma “instituição” generalizada e socialmente aceite), foi reforçada a partir década de 1990 com a introdução na gestão direta e indireta do que veio a chamar-se de Nova Gestão Pública. O paradigma da Nova Gestão Pública, a coberto da necessidade de algumas medidas indispensáveis de modernização da Administração Pública, mais não foi (mais não tem sido, aqui, como em outros países) do que um corolário e instrumento, respetivamente, do pensamento e do poder ultraliberal, para destruir, desvirtuar ou domesticar o Estado adequando-o aos seus interesses: menos Estado, pior Estado, mais mercado, maiores ganhos e domínio de poder.
Na mesma senda, podemos situar as afirmações recentemente proferidas pelo Senhor Presidente da República, a propósito das nomeações para o Conselho de Administração da TAP, quanto à eventual necessidade de rever o sistema de nomeação dos altos cargos da Administração Pública que poderá passar, em alguns casos, diz o Senhor Presidente, “pela realização de concursos públicos”.
As afirmações do Senhor Presidente da República são muito importantes. Desde logo, porque chama a atenção para a necessidade de se fazer “serenamente” um debate sobre o assunto. Um debate, acrescenta, que “há muito tempo lhe agrada”. Penso que sim. É urgente fazer serenamente um tal debate.
A participação dos jovens, porém, nesse debate, é fundamental. São os jovens, sobretudo os jovens, os grandes prejudicados pela sovietização dos partidos, as principais vítimas do que Paulo Otero chamou das “democracias totalitárias” (cf. A Democracia Totalitária, Do Estado Totalitário à Sociedade Totalitária. A Influência do Totalitarismo na Democracia do Século XXI. Principia. Cascais. 2015).
Os jovens estão descontentes. Mas não desinteressados, como se diz. Basta ver como uma qualquer mexida na taxa social única, que muitos nem saberiam ainda o que é, mas que percecionaram como sendo uma mexida injusta, mobilizou tantas centenas de milhares de jovens contra a medida. Ainda que no dia seguinte, reparada a injustiça, a mobilização tivesse desaparecido.
Nos jovens reside a mudança. E ela tem estado a manifestar-se. Como se tem visto, em eleições recentes, por todo o lado: nos EUA (no apoio a Bernie Sanders), no Reino Unido (no apoio a Jeremy Corbyn), na França (no apoio a Macron, ele próprio um jovem). Em Portugal e em Espanha, no apoio ao Bloco de Esquerda e ao Podemos.
Nem todos os jovens gostam da militância partidária. Muito menos de uma militância partidária carreirista, interesseira e oportunista. A grande maioria dos jovens, estou em crer, sentir-se-á gratificada por conquistar um lugar na Administração Pública desde que seja por mérito próprio, mas não se o conseguir apenas à custa do padrinho ou do amigo político. A maioria terá sentido de justiça, não sentirá revolta ao ver ficar melhor classificado um colega, ou um mero concorrente, que reconhece ser melhor do que ele. Quando muito, sentirá vontade de melhorar o seu desempenho e a voltar, no futuro, a concorrer em melhores condições. Na pior das hipóteses, resignar-se-á, tentará outra via. Porém, “tudo numa boa”, sem inveja, sem ressentimentos, sem revolta. Nem quanto ao competidor melhor classificado, desde que tenha sido com mérito, objetivamente comprovado. Nem quanto ao sistema, nem quanto aos partidos, ao Governo ou, até, quanto ao Presidente da República. Ou à política, em suma.
É urgente um debate sereno sobre estas questões. Um debate, porém, mais alargado do que um mero debate sobre a questão do concurso público versus nomeação política. Com ou sem CRESAP, que, ao que parece, não passa de um organismo espúrio e sem qualquer sentido. A não ser para deitar areia para os olhos dos menos avisados. Um debate que seja, em última instância, sobre a reinvenção da república, sobre a Nova Gestão Pública (v.g., privatização dos serviços públicos, a utilização de instrumentos e regras de gestão privada na gestão do que é público) ou sobre como voltar a atrair os jovens, sustentavelmente, para a res publica.
Também a mim, Senhor Presidente, um tal debate, nestes termos, «há muito tempo me agrada».
O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico