Casamento ou encanamento?
Não sou um crítico do casamento, sou um crítico de suas facetas distorcidas. Quem casa com consciência, passa do estado de natureza ao estado civil
É certo que boa parte das raparigas deste mundo sonham com o grande dia em que entrarão na Igreja vestidas de branco, para a sua apoteose catártica. O casamento pode até ser um sonho de muitos, mas se não for matrimônio, não passará de um encanamento.
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É certo que boa parte das raparigas deste mundo sonham com o grande dia em que entrarão na Igreja vestidas de branco, para a sua apoteose catártica. O casamento pode até ser um sonho de muitos, mas se não for matrimônio, não passará de um encanamento.
O casamento pode ser uma ficção desde o início. Pode-se casar com o outro, querendo somente a si mesmo. Neste caso, por que não casar com o espelho? Ao menos saberemos o reflexo do companheirismo que queremos, aquele narcisista, afundado no lago do orgulho próprio! Neste caso, infelizmente, se o sujeito casa consigo mesmo, as possibilidades de escapar do casamento com outra pessoa são enormes. Não iludamos o outro, querendo encontrar o que, em nós, procuramos. Portanto, primeiro Alerta: Cuidado para o casamento não virar escapamento!
Algumas pessoas casam confiando que o “viveram felizes para sempre” existe, mas quando percebem que isto pode não existir, pelo menos em vida, e que o “viveram felizes” é uma ilusão a acabar na primeira briga: o mundo cai, a casa cai, o sonho vira pesadelo e a realidade desce em algumas lágrimas. Segundo alerta: Cuidado, casamento pode se tornar “cagamento”!
O sexo pode ser o objeto da paixão, que ajuda na decisão de que aquilo é para sempre, mas não, casamento é muito mais que cama. O sexo é consubstanciação, o máximo do amor, quando ele transborda, encontra e dá sentido de ser uma só carne, não só no ato em si, mas no que o ato gera. “Amor é divino, sexo é animal”, mas também será divino na medida em que for regado por amor. Portanto, terceiro alerta: Cuidado, casamento não é camamento!
O sonho de fazer uma grande festa e, em uma noite, gastar o que em mais de anos, o suor do rosto acumulou, é uma loucura. É mais prudente conter gastos, fazer um casamento que renda boas lembranças do que acabe com sua renda e suas esperanças. O mais é sempre menos, não é preciso de muito para ser feliz, muito menos de um evento televisionado. Quarto alerta: Cuidado, casamento não é caramento!
Não sou um crítico do casamento, sou um crítico de suas facetas distorcidas. Quem casa com consciência, passa do estado de natureza ao estado civil. Abre-se mão da vida sozinho, de algumas liberdades e costumes, para se amoldar a uma vida conjunta, que exige renúncia, mas que também pode anunciar muita alegria.
Dizem que se será um só corpo, um só espírito e isso é comprometedor. A palavra casamento vem perdendo, depois de tantos acabamentos, sua essência mais bonita: a renúncia da dupla liberdade para o anúncio do único amor. O casamento na sua acepção atual, já foi sepultado no cemitério das palavras mortas, como uma cigarra que deixa só a casca na muda e vai seguir sobre outra roupagem.
Declaro, assim, o enterro do falecido casamento, ao tempo em que clamo pela sua imediata ressurreição. Entretanto, enquanto ela não ocorre, nos habituemos a dizer “matrimônio” e um último alerta: Não esvaziemos também essa palavra-estepe, pois, cuidado, matrimônio não é patrimônio!