Silenciar os homossexuais na Rússia
A condenação da Rússia pelo TEDH, neste caso, tem uma enorme importância pelo que representa de dignificação social das minorias sexuais e de combate à violação dos direitos fundamentais que a todos nós pertencem.
A discriminação, perseguição e repressão dos homossexuais, ao longo dos séculos, assumiu diversas formas, desde as fogueiras da Inquisição e dos campos de concentração nazis até às formas mais subtis nestes tempos em que o respeito pelos direitos humanos é uma obrigação internacional dos Estados.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A discriminação, perseguição e repressão dos homossexuais, ao longo dos séculos, assumiu diversas formas, desde as fogueiras da Inquisição e dos campos de concentração nazis até às formas mais subtis nestes tempos em que o respeito pelos direitos humanos é uma obrigação internacional dos Estados.
Na passada terça-feira, no caso Bayev e outros contra a Rússia, o TEDH declarou que o país de Putin, com uma sinistra legislação, que afirma visar impedir a promoção e propaganda da homossexualidade junto dos menores, violou (e continua a violar) a liberdade de expressão e o direito de não discriminação em função da orientação sexual.
Putin entrevistado por Oliver Stone, no seu muito recente filme, lembrou que durante o tempo soviético, a homossexualidade era um crime e que já não o é, não havendo qualquer razão para criticar esta legislação já que a mesma visa tão somente proteger as crianças, permitindo-lhes crescer e amadurecer e, só depois, tomarem uma decisão quanto à sua orientação sexual.
Toda esta argumentação se baseia em sofismas e absurdos: como se as crianças crescessem, atingissem a maioridade e nesse dia, escolhessem ser ou não homossexuais como quem adota um estilo de vida, do género ser nómada ou yuppie, usar jeans ou fato e gravata.
No TEDH, a argumentação do governo russo ao defender esta legislação, apresentada em nome da defesa da moral, da privacidade e dos direitos das crianças e dos pais, revelou inevitavelmente os habituais preconceitos contra as orientações sexuais consideradas não tradicionais, chegando ao ponto de serem invocados os perigos da pedofilia e da SIDA para justificar a necessidade de proteger as crianças da designada propaganda da homossexualidade.
O TEDH apreciou as queixas de três activistas gays russos que tinham desafiado a lei: um tinha estado parado em frente a uma escola secundária com dois cartazes, um com a afirmação: “A homossexualidade é normal” e outro dizia “Tenho orgulho na minha homossexualidade”; o segundo e o terceiro activista tinham estado parados em frente a uma biblioteca de crianças também com cartazes com os seguintes dizeres: “A Rússia tem a mais alta taxa mundial de suicídio juvenil. Este número inclui uma grande proporção de homossexuais. Eles dão este passo em virtude da falta de informação sobre a sua natureza. Os deputados são assassinos de crianças. A homossexualidade é boa” e “As crianças têm o direito a saber. Grandes pessoas são, às vezes, gay; as pessoas gay também podem ser grandes. A homossexualidade é natural e normal”. Um deles ainda se manifestou em frente ao edifício da câmara de S. Petesburgo com um cartaz com uma frase de Faina Ranevskaya, uma atriz célebre dos tempos da URSS: “A homossexualidade não é uma perversão. O hóquei em campo e o ballet no gelo são”. Todos eles, mesmo no caso da demonstração frente à câmara municipal, foram levados para a esquadra e condenados no pagamento de multas por violação da referida legislação.
Para as autoridades russas, o Estado tem a obrigação de proteger as crianças do impacto de informação que os possa levar a ter relações sexuais não tradicionais, uma preferência que os impediria de construírem relações familiares tais como são tradicionalmente entendidas na Rússia. Nas suas alegações no TEDH, o governo russo defendeu que frases como “A homossexualidade é normal” ou “A homossexualidade é natural” ou, ainda, ”A homossexualidade é boa” colocavam uma pressão psicológica nas crianças, influenciavam a sua identidade e invadiam as suas vidas privadas cabendo ao Estado protege-las de tal agressão.
Para o TEDH, esta legislação, com termos vagos como “propaganda” ou “promoção”, mais do que promover os valores e as atitudes tradicionais relativamente à família e à sexualidade, visa restringir as atitudes não tradicionais nestes campos punindo a sua expressão pública, não existindo, aos olhos do TEDH, qualquer incompatibilidade entre manter os valores familiares como fundamentos da sociedade e a aceitação social da homossexualidade.
A condenação da Rússia pelo TEDH, neste caso, tem uma enorme importância pelo que representa de dignificação social das minorias sexuais e de combate à violação dos direitos fundamentais que a todos nós pertencem.