Ninguém diz nada sobre o que aconteceu na "estrada da morte"
Respostas a Costa deixam espaços em branco, sobretudo sobre o que se passou na EN 236-1. E leituras divergentes entre os organismos. E mais dúvidas por explicar. Culpas, só do SIRESP. E do tempo (mas o IPMA diz que avisou).
Passou uma semana sobre a tragédia, vieram três respostas oficiais ao primeiro-ministro e continua tudo em branco: ninguém diz uma só palavra que permita explicar o que aconteceu no sábado passado na EN 236-1, a estrada onde morreram 47 das 64 vítimas mortais do incêndio de Pedrógão Grande.
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Passou uma semana sobre a tragédia, vieram três respostas oficiais ao primeiro-ministro e continua tudo em branco: ninguém diz uma só palavra que permita explicar o que aconteceu no sábado passado na EN 236-1, a estrada onde morreram 47 das 64 vítimas mortais do incêndio de Pedrógão Grande.
Foi na segunda-feira à noite que António Costa pediu respostas “urgentes” às dúvidas que mais inquietavam o Governo. E foi nesta sexta-feira que chegou a última resposta, da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC). Da leitura cruzada desse comunicado e dos outros dois (Instituto Português do Mar e da Atmosfera e Guarda Nacional Republicana) conseguimos chegar a uma primeira cronologia “autorizada” da tragédia. Mas ninguém diz a que horas terão morrido aquelas famílias, como elas ficaram encurraladas ou a que horas (e por quem) foram encontradas. Tão pouco algum assumir de responsabilidades, que vão passando de um lado para o outro.
O primeiro “culpado” assumido por todos é o SIRESP, o sistema de comunicações que já toda a gente sabia ter falhado, mas que ninguém adivinhava até quando: foram quatro dias cheios de problemas (até terça-feira, quando o fogo levou à evacuação de dezenas de aldeias em Góis), diz o presidente da Protecção Civil. Durante todo esse tempo as falhas foram consistentes, acrescenta Joaquim Leitão, e levaram as forças no terreno a procurar formas alternativas de comunicação.
As respostas da ANPC e as muitas falhas aí apontadas levaram nesta sexta-feira à noite o primeiro-ministro a pedir à ministra da Administração Interna “o cabal esclarecimento do ocorrido" junto da SIRESP, SA. O pedido consta de um curto despacho assinado por António Costa e que é igualmente dirigido ao Ministério da Justiça, "por poder ser elemento relevante para o inquérito [judicial] em curso” na Procuradoria-Geral da República.
O relato da Protecção Civil pode resumir-se assim: na noite da tragédia houve uma primeira falha do SIRESP às 19h45, cerca de 55 minutos depois de ter sido encerrado o IC8, e esse sistema perde três postos de comunicação entre as 21h12 e 21h16 — mas explica que quatro minutos depois já se usavam de novo “comunicações de redundância”. É aqui que as instituições envolvidas no combate ao incêndio divergem: se a ANPC diz que essas “situações foram supridas com recurso a redes” alternativas, a GNR alega que houve “falhas na comunicação (todas)”. Eis a versão do comandante-geral: “Passado algum tempo” do fecho do IC8 (18h50) a GNR teve que recuar, mas mantendo aberta a “estrada da morte” (sem “qualquer indicador ou informação” de perigo). E garante que se manteve “em toda a área”, “apesar das dificuldades de comunicação (todas)”. A palavra “todas” é a que faz a diferença — porque é onde a GNR anota que as alternativas ao SIRESP não estavam também em funcionamento normal.
Da leitura dos três comunicados sobram mais algumas dúvidas sobre as horas mais mortíferas do incêndio: não só ninguém diz quais foram, como ninguém diz quando se percebeu o perigo ou quando (e que autoridades) entraram pela estrada — em combate ou em socorro.
Segundo consenso: o tempo
Mas, para além do SIRESP, que todos admitem ter falhado, há um outro consenso sobre o que se passou no terreno: as condições meteorológicas excepcionais. É com elas (e com a ausência de “informação” em contrário) que a GNR explica por que deixou a estrada aberta. E também devido a elas que a ANPC explica a quebra sucessiva do serviço do SIRESP. O IPMA concorda — e até indica a possibilidade de ocorrência de um “downburst”, fenómeno atípico que pode ter espalhado o fogo rapidamente pela estrada e que ainda não foi localizado na escala do tempo.
Mas o IPMA sublinhou mais dois dados: a conjugação desse possível fenómeno com “a dinâmica própria do incêndio”; e os alertas que fez à ANPC — desde a quarta-feira anterior ao incêndio — sobre as condições propícias a fogos de larga escala também naquela região.
E é aqui que ficam mais algumas perguntas por responder: se, havendo esses alertas, houve reforço de meios de prevenção. Mas estas perguntas o primeiro-ministro não dirigiu ainda a estes organismos — os pedidos de esclarecimento foram apenas sobre os alertas meteorológicos, as eventuais falhas no SIRESP e a “estrada da morte”.
Olhando para os restantes dados oficiais disponíveis no site da Protecção Civil, podem acrescentar-se mais algumas dúvidas. Exemplos: o que aconteceu das 14h43 até às 18h50, quando o IC8 foi fechado (e quando estavam apenas 156 homens no terreno); ou o que aconteceu das 19h49 (o primeiro registo conhecido de pedido de meios para a “estrada da morte”) até às 22h41, quando são pedidos psicólogos para o local.