Touro apaixonado
Talvez Kuosmanen não repita a graça mas O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Maki é um filme tremendamente simpático.
Graças a Deus pela “filosofia de vida” dos finlandeses, pelo menos tal como o cinema a descreve. Juho Kuosmanen, realizador nascido em 1979 que assina aqui a sua segunda longa, não é Aki Kaurismaki mas o seu filme não vai nada contra o cinema de Kaurismaki, a comunidade espiritual é gritante — também é, no seu coração, um elogio do “underdog”, uma revisão dos conceitos de “sucesso” e “derrota”, uma exposição do confronto entre integridade individual e uma noção de dever imposta de fora e apenas renitentemente aceite.
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Graças a Deus pela “filosofia de vida” dos finlandeses, pelo menos tal como o cinema a descreve. Juho Kuosmanen, realizador nascido em 1979 que assina aqui a sua segunda longa, não é Aki Kaurismaki mas o seu filme não vai nada contra o cinema de Kaurismaki, a comunidade espiritual é gritante — também é, no seu coração, um elogio do “underdog”, uma revisão dos conceitos de “sucesso” e “derrota”, uma exposição do confronto entre integridade individual e uma noção de dever imposta de fora e apenas renitentemente aceite.
Conta a história, verídica até certo ponto, do mais importante combate do pugilista finlandês Olli Maki, na Helsínquia do princípio dos anos 60, contra o americano Davey Moore. Um “filme de boxe”, portanto, com um preto e branco coçado e cheio de carvão que começa desde logo a evocar as referências do género como o Touro Enraivecido de Scorsese. Mas depois, da mesma maneira que Olli Maki é a pessoa menos convencida da importância daquele combate (que é sobretudo uma prioridade para o seu “manager” e para o “circo mediático” que se instala), o filme de Kuosmanen “toureia” o género, é um filme de boxe a fugir de ser um filme de boxe. Cheia de evasões e derivas, portanto, rock and roll (aliás o mesmo tipo de rock muito “retro” que encontramos nos filmes de Kaurismaki) e passeios ao campo — a razão é simples, Olli Maki está apaixonado, e no espírito dele nada há de mais importante, o grande combate é só um estorvo, que é preciso resolver, no caminho para essa alegria.
Daí que o filme, pese o realismo de que se investe até na reconstituição da época (há um pequeno milagre na forma como o filme nos faz acreditar que estamos em Helsínquia 1962), ande sempre a namoriscar uma comédia da renitência: Olli Maki suporta aquilo tudo, os treinos, a atenção da imprensa, apenas na medida em que é o caminho mais rápido para poder “ir para casa” ou, pelo menos, para junto da mulher por quem está apaixonado. O combate propriamente dito só falsamente é um “anti-climax”, que vale uma vitória ou uma derrota se a namorada está à espera para irem passear? Kuosmanen desenha isto — isto, este espírito que vira o individualismo do avesso e relativiza o sucesso pessoal — com uma felicidade invulgar, através duma câmara nervosa mas (como o protagonista) a tender para as pausas contemplativas, e de um grupo de actores cheio daquela gravitas irreverente que (mais uma vez) associamos ao universo humano dos filmes de Kaurismaki. Talvez Kuosmanen não repita a graça mas O Dia Mais Feliz na Vida de Olli Maki é um filme tremendamente simpático.