Peña Nieto acusado de espiar telemóveis de jornalistas mexicanos

Uma nova polémic cava um fosso ainda maior entre o Presidente e a sociedade mexicana. Sistema israelita usado sistematicamente para vigiar críticos do Governo..

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O Governo de Peña Nieto está debaixo de fogo Reuters/EDGARD GARRIDO

Atacado pelas suas relações duvidosas com os grandes grupos económicos do país, e criticado pelas suas tendências autoritárias mas leniência com o mundo violento e criminoso do narcotráfico, o controverso Presidente do México está no centro de um novo escândalo político. Enrique Peña Nieto é acusado de ter recorrido a um sofisticado software de vigilância para espiar jornalistas, advogados e activistas dos direitos humanos – todos eles conhecidos críticos das políticas e da actuação do seu Governo.

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Atacado pelas suas relações duvidosas com os grandes grupos económicos do país, e criticado pelas suas tendências autoritárias mas leniência com o mundo violento e criminoso do narcotráfico, o controverso Presidente do México está no centro de um novo escândalo político. Enrique Peña Nieto é acusado de ter recorrido a um sofisticado software de vigilância para espiar jornalistas, advogados e activistas dos direitos humanos – todos eles conhecidos críticos das políticas e da actuação do seu Governo.

As denúncias da existência de uma operação sistemática de vigilância de jornalistas orquestrada pelo Governo foram avançadas pelo jornal The New York Times e assentam numa investigação levada a cabo pela organização de defesa da liberdade de imprensa Artigo 19 e do Citizen Lab da Universidade de Toronto. “O que encontrámos não foi uma vigilância aleatória, mas uma perseguição meticulosa e persistente de actores incómodos para o Governo”, disse a presidente da Artigo 19, Ana Ruelas.

A investigação identifica 88 situações, entre Janeiro de 2015 e Julho de 2016, em que personalidades envolvidas na investigação de casos de corrupção ou na denúncia de abusos de autoridade tiveram os seus telefones móveis “atacados” com o objectivo de instalar um malware (software malicioso) que permite aceder à informação nos aparelhos – listas de contactos e de chamadas, mensagens de texto, fotografias, histórico de acesso à Internet, por exemplo – e monitorizar chamadas em tempo real, através da activação do microfone e da câmara fotográfica do equipamento.

O dito malware faz parte do chamado programa Pegasus, comercializado pela empresa israelita NSO Group e disponível apenas para governos e organizações estatais. Segundo a companhia, o software foi desenvolvido para ser utilizado em operações de vigilância de suspeitos de terrorismo ou crime organizado. Em vez disso, no México, as mensagens que levam à infiltração foram encontradas nos telemóveis dos advogados dos familiares dos 43 estudantes de Ayotzinapa que desapareceram em Iguala (e se descobriu que foram assassinados por membros de um cartel do narcotráfico), de jornalistas que expuseram escândalos de corrupção envolvendo as mais altas figuras do Estado, ou de académicos e activistas pela transparência do Governo.

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Manifestação em memória dos 43 estudantes sequestrados e mortos Henry Romero/REUTERS

Segundo o NYT, o NSO Group (um fabricante de ciber-armamento) recebeu encomendas em nome do Ministério da Defesa e Procuradoria-geral do México, no valor de 80 milhões de dólares, a partir de 2011. Numa nota enviada ao diário nova-iorquino, o Governo mexicano condenou a publicação da notícia e negou “categoricamente” as acusações, sublinhando que todas as “actividades de informação”, realizadas com base na lei, servem para combater a criminalidade e as ameaças à segurança nacional.

“Como o próprio texto assinala, não existe nenhuma prova de que agências governamentais sejam responsáveis pela suposta espionagem descrita no artigo. Para o Governo, o respeito pela privacidade e a protecção de dados pessoais são valores inerentes à nossa liberdade, democracia e Estado de Direito”, diz a resposta oficial.

Nove queixas

Além disso, o Governo convidou as alegadas vítimas de espionagem a apresentar queixa à Procuradoria – foi precisamente o que fizeram nove pessoas cujos telefones foram atingidos. Entre eles está a jornalista Carmen Aristegui, que acusou o Governo de “acção criminosa”. “Em vez de desempenharem as suas funções no cumprimento da lei, os agentes do Estado mexicano estiveram a usar os nossos recursos, os nossos impostos, o nosso dinheiro, para cometer crimes sérios”, lamentou.

Aristegui, uma veterana jornalista de investigação, expôs vários casos de corrupção e de conflito de interesse envolvendo Peña Nieto – incluindo o polémico negócio da mulher do Presidente para a compra de uma mansão luxuosa, conhecida como a Casa Blanca. As análises forenses detectaram o malware no seu aparelho e de dois jornalistas da sua equipa, e até no telefone do seu filho Emilio, que é menor de idade e está a viver nos Estados Unidos.

O código do Pegasus também foi encontrado no telemóvel de outro conhecido jornalista, Carlos Loret de Mola, da cadeia Televisa, autor de reportagens que mostravam as contradições das explicações oficiais sobre um confronto no estado do Michoácanque resultou na morte de 43 pessoas.

A lista de personalidades vigiadas inclui ainda Juan Pardina, director do Instituto Mexicano para a Competitividade que fez um estudo sobre os custos da corrupção no país e apresentou ao Parlamento uma petição com mais de 600 mil assinaturas a defender um registo de rendimentos e propriedades de todos os eleitos, e Mario Patrón, que dirige o Centro de Direitos Humanos Miguel Agustín Pro Juárez. 

O telefone de Patrón foi “infectado” na véspera da apresentação do relatório do painel internacional que investigou o desaparecimento dos 43 estudantes da escola do magistério de, e acusou o Governo de negligência, incompetência e prevaricação. Além desse trabalho, o seu Centro Prodh, como é conhecido, participou na investigação de um massacre militar em Tlatlaya, em 2014 (execução extrajudicial que fez 22 mortos), e na denúncia dos abusos sexuais de onze mulheres detidas num protesto em Atenco e brutalmente atacadas pelos polícias a caminho da prisão. Tal como Patrón, dois advogados que representaram as vítimas desses processos, que resultaram na condenação do Estado mexicano, foram espiados.

Escola de espionagem política

Mas outros três activistas, que fazem parte de uma plataforma que quer taxar os refrescos e bebidas açucaradas, integram também o rol dos “infectados” com o software Pegasus: os seus equipamentos foram alvo de ataque quando as suas propostas entraram no Parlamento para discussão. Perante a inacção do executivo, as suas organizações decidiram abandonar o programa Aliança para o Governo Aberto, que o Presidente tentava promover.

As notícias sobre a espionagem governamental levantaram um novo coro de protestos contra o Presidente e o seu Partido Revolucionário Institucional (PRI), que tem um longo historial de perseguição e intimidação de jornalistas. “A escola de espionagem política criada pelo PRI nos anos 50 e aperfeiçoada por esse mesmo regime na década de 70 funciona segundo um único princípio: não existe informação que não possa vir a ser útil”, lembrava o analista Luis Pablo Beauregard no El País.