Castanheira de Pêra: "Isto não foi um incêndio, foi um furacão de fogo"
Histórias de quem insistiu em ficar em casa durante o incêndio e de quem tentava fugir mas decidiu voltar para trás, para ajudar os vizinhos.
Paula Alves insistiu em ficar na sua habitação numa pequena aldeia de Castanheira de Pêra, quando as chamas avançaram, e acredita que o que viu não foi um incêndio, mas "um furacão de fogo". A fuga da habitação nunca foi uma hipótese para Paula e para o seu marido. "A morrer, morríamos ao pé do que é nosso", vinca a habitante de Sarzedas de São Pedro, em Castanheira de Pêra, um dos concelhos do distrito de Leiria afectados pelo incêndio que começou no sábado em Pedrógão Grande.
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Paula Alves insistiu em ficar na sua habitação numa pequena aldeia de Castanheira de Pêra, quando as chamas avançaram, e acredita que o que viu não foi um incêndio, mas "um furacão de fogo". A fuga da habitação nunca foi uma hipótese para Paula e para o seu marido. "A morrer, morríamos ao pé do que é nosso", vinca a habitante de Sarzedas de São Pedro, em Castanheira de Pêra, um dos concelhos do distrito de Leiria afectados pelo incêndio que começou no sábado em Pedrógão Grande.
Fora de casa e com uma mangueira que deitava pouca água — foi assim que Paula enfrentou as chamas que galoparam da serra do Vermelho até à aldeia onde vive há 17 anos num espaço de minutos. "Não tínhamos ninguém. Era eu e o meu marido, o meu vizinho e o pai e a mãe dele. Só nós e Deus", conta. As fagulhas eram tantas que se teve de encostar à sua casa, e o vento era tão forte que pensava que o telhado "ia pelo ar". "Apenas pensei: 'Meu Deus, ajuda-nos, porque não temos mais ninguém'", conta à Agência Lusa Paula Alves, que garante que tomou a decisão certa.
Os que fugiram, "se tivessem ficado nas suas casas, estavam vivos e as habitações intactas", sublinha, recordando que, quando o fumo já não deixava ver mais do que a palma da sua mão, viu um carro a passar e a bater contra um castanheiro. "Ficaram todos carbonizados. O fumo era tanto que nem viam por onde iam", refere. O vizinho Flávio Pires confirma: "Vi-os a passar e o senhor ia todo atrapalhado, saiu a direito na curva".
No sábado, assim que viu o incêndio, procurou logo tentar tirar a sua mulher e filho pequeno para a vila de Castanheira de Pêra, onde moram os seus pais. A meio caminho, fez sinal para seguirem e decidiu voltar para trás, "porque não ia deixar" os vizinhos sozinhos. Já em casa, deparou-se com os seus pais que vinham para prestar auxílio. Como já era tarde para ir para trás, o seu pai pensou: "Já que não conseguimos sair, vou aqui ficar. A morrer, morro com o meu filho". Seguiram-se momentos "muito complicados", realça Flávio.
Uma labareda enorme entrou directamente para o outro lado da estrada, o calor não permitia olhar para a chama e o vento fazia voar "bocados de carvão incandescentes, paus a arder e folhas". "Foi tudo muito rápido", diz à Lusa Flávio, que só duas horas depois de o incêndio passar é que conseguiu encontrar a sua mulher e o seu filho, sãos e salvos, em Castanheira.
Quando viu a imensa bola de fogo a avançar em direcção à sua casa, apenas pensou que nunca mais ia ver o filho. "São sentimentos complicados de gerir. É uma região em luto. E se Castanheira já está quase morta, não sei se isto não foi mesmo o fim do concelho. Além das vítimas mortais, há as pessoas que não têm nada, que ficaram sem nada. As pessoas vão comer o quê agora?", pergunta.