Como se identificam as vítimas de um desastre de massa
Mais de metade das pessoas que morreram no grande incêndio do fim-de-semana estava identificada nesta segunda-feira ao início da noite.
Até cerca das 20h desta segunda-feira, mais de metade das 64 vítimas mortais do incêndio na zona de Pedrógão Grande já tinha sido identificada, informou a assessoria de imprensa do Ministério da Administração Interna. E já decorriam também as autópsias médico-legais, que não iam parar durante a noite.
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Até cerca das 20h desta segunda-feira, mais de metade das 64 vítimas mortais do incêndio na zona de Pedrógão Grande já tinha sido identificada, informou a assessoria de imprensa do Ministério da Administração Interna. E já decorriam também as autópsias médico-legais, que não iam parar durante a noite.
Os cadáveres das pessoas que morreram no incêndio deste fim-de-semana estão a ser todos encaminhados para Coimbra, para o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses. Como é que os especialistas fazem a sua identificação? Uma das maneiras de identificar os cadáveres de um desastre de massa, como este, é através de registos dentários. A par da molécula de ADN e das impressões digitais, os registos dentários fazem parte das chamadas “técnicas primárias” de identificação, explica a antropóloga forense Eugénia Cunha, da Universidade de Coimbra e do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses. “As técnicas primárias são aceites, por si só, como prova de identificação. Servem isoladamente como prova de identificação.”
Mas nos cadáveres que ficaram carbonizados não há impressões digitais, como terá ocorrido nalgumas das vítimas deste incêndio. E quando as temperaturas são muito elevadas, a partir dos 400 graus Celsius, o material genético dos ossos também fica destruído. “A parte orgânica do osso é destruída”, acrescenta Eugénia Cunha. Nestas situações, procura-se então utilizar a medicina dentária forense como técnica primária de identificação dos corpos. Para tal, tem de haver forma de fazer uma comparação entre os dentes da pessoa e o seu registo dentário. “Precisa de haver registos dentários. Se a pessoa nunca foi ao dentista, não se pode identificar [pelo menos desta maneira].”
Também o ADN é uma técnica comparativa (tal como as impressões digitais). E essa comparação pode igualmente revelar-se complicada. “Se dentro de um carro ficou uma família – os pais e os filhos –, interessa saber quem é quem. Na medida do possível, temos de procurar a linha familiar directa, como os avós, [outros] irmãos”, refere a antropóloga, para que assim o material genético dos ocupantes do carro possa ser comparado com o desses outros familiares e chegar-se a uma identificação.
Mas quando o grau de destruição é grande, os corpos podem ficar reduzidos a fragmentos, refere ainda Eugénia Cunha, dando como exemplos o que aconteceu nos atentados de 11 de Setembro às Torres Gémeas, em Nova Iorque, e no incêndio de um prédio de habitação na semana passada em Londres. “A identificação com base em fragmentos é uma atribuição da antropologia forense. Pode encontrar-se um factor individualizante de identificação, como um tratamento médico ou uma prótese, que podem permitir a identificação.”
A antropologia forense faz assim parte das chamadas “técnicas secundárias” de identificação dos restos mortais de uma pessoa – se é homem, se é mulher, adulto ou criança, a sua origem geográfica, a estatura e, depois ainda, os tais factores individualizantes de identificação, como as próteses já referidas. Por exemplo, se nos ossos das vítimas se encontram os vestígios de uma fractura óssea antiga pode perguntar-se às famílias de quem morreu se essas pessoas tiveram alguma fractura.
Outras técnicas secundárias são as medidas de identificação circunstancial – “por exemplo, documentos que possam ter consigo, objectos pessoais ou roupas que sejam identificáveis”. Ou, no caso dos corpos carbonizados nos carros, até a matrícula pode ajudar a essa identificação. “As técnicas secundárias de identificação servem para corroborar as primárias, mas neste tipo de acidente pode ser a única coisa que resta. Muitas vezes, a identificação só pode ser feita por um conjunto de técnicas secundárias.”
Se será muito complicado chegar à identidade de cada uma das vítimas mortais do incêndio, Eugénia Cunha considera que nesta tragédia houve situações diversas. Nas vítimas de localidades pequenas, por exemplo, é possível saber facilmente quem é quem, ao contrário de um desastre de massas como o das Torres Gémeas. “Teremos corpos de pessoas que podem ser logo identificadas, que inalaram fumo e têm traços fisionómicos que permitem o reconhecimento. E teremos outros casos mais complexos de corpos que ficaram carbonizados: nos carros, não sabemos quem são as pessoas, podiam estar de passagem.” Por isso, se se conseguir ver as matrículas dos carros, poderá começar por se ter uma ideia de quem lá viajava.