Pedrógão Grande, um desastre a interpelar o nosso futuro
A ameaça que impende sobre a nossa floresta tem de ser vista como uma ameaça ao futuro do país. Está na hora de tomarmos consciência do que nos espera.
Nas próximas horas, nos próximos dias, vai ser necessário encontrar respostas para as causas da morte de tantas pessoas. A emoção, a consternação e o sentimento de revolta que um desastre como o de Pedrógão Grande suscita impõem perguntas e exigem esclarecimentos. Como foi possível que uma população, corpos de bombeiros, forças policiais ou responsáveis políticos habituados a lidar com a devastação dos incêndios florestais não pudessem prever o que aconteceu? Como foi possível que se tenham deixado aldeias remotas sem evacuação? E por que não foi suspenso o trânsito em vias de risco? Por que razão não houve socorro de outras corporações de bombeiros? Ainda que justas, imperiosas ou evidentes, todas estas perguntas passam ao lado da questão essencial.
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Nas próximas horas, nos próximos dias, vai ser necessário encontrar respostas para as causas da morte de tantas pessoas. A emoção, a consternação e o sentimento de revolta que um desastre como o de Pedrógão Grande suscita impõem perguntas e exigem esclarecimentos. Como foi possível que uma população, corpos de bombeiros, forças policiais ou responsáveis políticos habituados a lidar com a devastação dos incêndios florestais não pudessem prever o que aconteceu? Como foi possível que se tenham deixado aldeias remotas sem evacuação? E por que não foi suspenso o trânsito em vias de risco? Por que razão não houve socorro de outras corporações de bombeiros? Ainda que justas, imperiosas ou evidentes, todas estas perguntas passam ao lado da questão essencial.
As alterações climáticas que produziram um dia como o de sábado em meados de Junho ameaçam destruir a floresta portuguesa. E perante a iminência de um cataclismo desta dimensão, o país tem de ir muito para lá das perguntas de contexto ou da justa expressão das dores do momento: precisa de uma energia, de uma determinação e de um conjunto de meios para debelar o problema que parece estar para lá das nossas capacidades actuais.
As autoridades podiam ter iniciado mais cedo a fase crítica de combate aos incêndios e, perante as previsões meteorológicas de dias como o de sábado, seria recomendável que os meios de prevenção e combate tivessem sido extraordinariamente accionados. Mas, sejamos justos, só quem não viu ao vivo a fúria de um incêndio num pinhal ou no eucaliptal carregado de mato é que acredita no poder da intervenção humana para o travar. É neste ponto da equação que entra o interminável debate em torno do ordenamento florestal. Que raramente existiu nas últimas décadas. Que sucumbiu à tentação de alocar verbas a uma guerra liderada com bombeiros, uma forma de os decisores políticos mostrarem serviço e empenho nos dias de estio depois de passarem as três outras estações do ano em estado de demissão ou letargia.
Ainda assim, parece cada vez mais claro, a intervenção no ordenamento florestal tal como a conhecemos parece cada vez mais condenada a resumir-se a uma medida paliativa para um problema de dimensões colossais. O planeta está a aquecer, Portugal está a aquecer e as nossas florestas, altamente vulneráveis ao fogo, parecem ser as primeiras vítimas dessas mudanças profundas. Um incêndio com as proporções do deste sábado em meados de Junho é algo inimaginável na geração dos nossos avós. E um dia nesta estação com tão altas temperaturas e zero humidade é uma circunstância meteorológica que vai tornar-se num novo normal. O pinhal em Pedrógão ardeu como ardeu porque não há defesa natural possível a um fenómeno desta intensidade.
Depois de no ano passado o drama dantesco dos incêndios florestais ter regressado à ordem do dia, depois de o Governo se ter empenhado pela primeira vez desde meados dos anos 1990 em produzir um corpo de leis para acudir às ameaças à floresta, sabemos com a dor do desastre de Pedrógão que tudo o que está pensado para se fazer conta pouco ou nada. O desafio que se impõe exige muito mais. Exige o esforço que uma ameaça colectiva requer. A floresta, quase toda privada, só será salva se o Estado assumir a sua defesa como uma necessidade estratégica fundamental. Há um terço da área do país em risco. Há milhares de pessoas das zonas mais vulneráveis em causa.
Não sabemos se teremos recursos, energia, meios humanos, ciência ou perseverança para responder a esse dramático desafio. Soubemos sim com o fogo descontrolado deste sábado no Pinhal Interior que o aquecimento global está a tornar a aposta em leis avulsas para os proprietários ou estratégicas de combate com o nome de grandes operações militares num esforço condenado a fracassar. Não está em causa a culpa ou a omissão dos políticos, dos proprietários florestais ou dos bombeiros: está em causa a constatação de que há uma ameaça que elevou a sua escala de periculosidade e de destruição e a noção de que, nas circunstâncias actuais, não temos forma de a travar.
Portugal depende muito da floresta, o seu mais importante recurso natural renovável. Seja pela sua dimensão ambiental, seja pelo seu impacte na economia, a floresta é crucial para o nosso destino colectivo. A ameaça que sobre ela impende tem por isso de ser vista como uma ameaça sobre o futuro do país. Está na hora de tomarmos consciência do que nos espera. De ano para ano a temperatura vai subir e cada vez mais horrores como o de Pedrógão hão-de repetir-se. Não está em causa uma fatalidade. Está apenas em cima da mesa a pergunta dolorosa: seremos, colectivamente, capazes de encontrar meios para enfrentar um tão grande desafio?