Será que os exames como os conhecemos têm os dias contados?
Exames multidisciplinares e questões cada vez mais centradas na resolução de problemas são algumas das soluções que os especialistas apontam para modernizar as provas nacionais. Flexibilização curricular que o Governo vai testar a partir do próximo ano pode ter impacto nas avaliações.
Testes que conjugam matérias de mais do que uma área, questões centradas na resolução de problemas ou perguntas que não têm uma reposta certa ou errada. Vão ser assim os exames nacionais no futuro? As respostas de vários especialistas em avaliação à questão feita pelo PÚBLICO são diversas. Numa coisa, porém, todos estão de acordo: mesmo mudando, as provas nacionais não acabarão. Apesar dos seus inconvenientes, não têm substituto à altura.
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Testes que conjugam matérias de mais do que uma área, questões centradas na resolução de problemas ou perguntas que não têm uma reposta certa ou errada. Vão ser assim os exames nacionais no futuro? As respostas de vários especialistas em avaliação à questão feita pelo PÚBLICO são diversas. Numa coisa, porém, todos estão de acordo: mesmo mudando, as provas nacionais não acabarão. Apesar dos seus inconvenientes, não têm substituto à altura.
Os exames nacionais têm sofrido evoluções. Enquanto há 30 ou 40 anos “reclamavam sobretudo memória”, hoje abriram espaço para a compreensão. E essa tendência vai acentuar-se num futuro próximo, avalia Carlinda Leite, professora catedrática da Faculdade de Psicologia e Ciência da Educação da Universidade do Porto: “Reconhece-se cada vez mais a importância da multidisciplinaridade, do espírito crítico, da tomada de decisão. Uma prova tem que passar por essas situações."
Leite defende, por isso, que os exames nacionais têm que tornar centrais a análise de situações concretas, em que o mais importante será a capacidade demonstrada por um aluno para justificar as suas opções. “Isso implica que em muitos casos não haja uma resposta certa ou uma resposta errada”, antecipa, o que será “extremamente desafiante para os avaliadores nacionais e para os professores”.
“Os exames vão ter que sofrer uma evolução”, concorda Domingos Fernandes, catedrático no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Uma das mudanças que se antecipam é a possibilidade de as provas deixarem de ser fechadas em torno de uma só disciplina, passando a admitir-se exames multidisciplinares ou que conjuguem matérias de mais do que uma área. Este ano, nas provas de aferição do 1.º ciclo, que se realizam no 2.º ano, já há uma primeira experiência nesse sentido: os temas de Estudo do Meio surgem tanto na prova de Português como na de Matemática.
Alterações, sim ou não?
Carlos Barreira, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, prevê outras alterações nas provas: “Na estrutura, tipologia das perguntas, critérios utilizados e dos assuntos abordados.” Estas mudanças farão sentido para responder aos diferentes modos de trabalho pedagógico na sala de aula que vão tornar-se comuns nos próximos anos, considera este especialista, e que terão também que ter impactos nas avaliações centrais. “Isso terá que acontecer se se concretizar, no âmbito da flexibilização curricular, o ensino baseado em modelos como a resolução de problemas, os projectos e a aprendizagem cooperativa”, sustenta.
A “flexibilização curricular” – ou “flexibilização pedagógica” – de que fala Carlos Barreira é uma proposta do Ministério da Educação que vai começar a ser testada, no início do próximo ano lectivo, num grupo de escolas que podem aderir voluntariamente a este projecto-piloto. Fundir disciplinas, alternar semanas normais de trabalho, com semanas a trabalhar um só tema, converter disciplinas anuais em semestrais, são apenas alguns dos modelos propostos. Às escolas será dada a possibilidade de gerir até 25% da carga horária semanal por ano de escolaridade, tendo como referencial o Perfil do Aluno à saída da escolaridade obrigatória. Esse documento, publicado este ano pelo Ministério da Educação, define dez competências-chave que todos os estudantes deverão adquirir ao longo dos 12 anos de escolaridade.
Nem o novo Perfil do Aluno nenhuma das indicações dadas pelo Governo quanto à flexibilização curricular pressupõem quaisquer alterações ao número de exames nacionais, anos em que são realizados ou à sua organização. Depois das mexidas feitas no início do mandato – com a supressão dos exames do 4.º e 6.º anos, substituídas por provas de aferição a meio dos ciclos –, os responsáveis do Ministério da Educação, que não quiseram fazer quaisquer comentários para este trabalho, têm repetido que não haverá novas alterações.
No entanto, o presidente da Confederação Nacional de Associação de Pais (Confap), Jorge Ascensão, entende que “faz sentido” discutir neste momento a forma de organização dos exames e os seus conteúdos, tendo em contam, precisamente, as mudanças que a “flexibilização curricular”, poderá introduzir no sistema de ensino.
“Se as escolas tiverem mais autonomia para escolher parte do currículo e mantivemos o mesmo modelo de exames que temos hoje, temo que acabe por haver uma tendência para dirigir os currículos ainda mais para as disciplinas em que haja exame”, alerta.
“Ainda não podemos viver sem eles”
Para Carlinda Leite, as alterações introduzidas pelo Ministério da Educação vão implicar “uma nova atenção” aos exames. A prova nacional ganha um peso acrescido na regulação do sistema de ensino, introduzindo o padrão de aprendizagens comum, em contraponto com os 25% do tempo lectivo que passam a poder ser usados pelas escolas para os seus próprios projectos educativos. No mesmo sentido, o próprio foco dos exames nacionais terá que ter isso em conta: “A tutela definiu quais são as aprendizagens essenciais, por isso os exames nacionais têm que fazer-se naquilo que são as competências listadas no perfil do aluno."
O presidente do Conselho Nacional de Educação, David Justino, recusa “fazer especulações” sobre o futuro dos exames, mas defende a sua pertinência. “Escolas, pais e alunos precisam de ter factores de mobilização. E as provas externas têm esse poder”, considera. Nesse aspecto, todos os especialistas contactados pelo PÚBLICO estão de acordo: com uma ou outra alteração, com um modelo mais ou menos próximo do actual, os exames nacionais não acabarão.
“Ainda não podemos viver sem eles”, comenta Domingos Fernandes. Ainda que a investigação mostre que “os exames tendem a ter mais desvantagens do que vantagens”, desde logo o fenómeno de “afunilamento do currículo”, ou seja, a tendência para que professores e alunos se centrem nas matérias que sabem de antemão que vão sair nos exames, as provas nacionais têm funções de que não podem ser dispensadas. “Têm a vantagem de tenderam a moderar a avaliação interna”, diz Fernandes. E são ainda determinantes para certificar a conclusão do ensino secundário e permitir o acesso ao ensino superior (ver texto ao lado).
“Não vislumbro um outro [modelo] que permita a avaliação de conhecimentos e competências de toda a população estudantil com as garantias de equidade que fornece o exame”, sublinha, por isso, o presidente do Conselho de Escolas, José Eduardo Lemos.