Depois da tragédia, “é preciso devolver ao mundo a sua normalização”
Prioridade é satisfazer as necessidades básicas, diz coordenador da Unidade de Psicologia, recordando a resposta a fogos na Madeira.
Na pirâmide de Maslow — que esquematiza as prioridades para a auto-realização do indivíduo —, as necessidades fisiológicas e a segurança ocupam a base da hierarquia das prioridades pessoais. É por isso natural que as primeiras respostas às vítimas de tragédias como a de Pedrógão ou como as dos incêndios de Agosto passado na Madeira sejam para essas questões.
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Na pirâmide de Maslow — que esquematiza as prioridades para a auto-realização do indivíduo —, as necessidades fisiológicas e a segurança ocupam a base da hierarquia das prioridades pessoais. É por isso natural que as primeiras respostas às vítimas de tragédias como a de Pedrógão ou como as dos incêndios de Agosto passado na Madeira sejam para essas questões.
“Primeiro, é preciso satisfazer as necessidades mais básicas. A incerteza em relação aos entes queridos ou ao património que se perdeu”, explica ao PÚBLICO o coordenador da Unidade de Psicologia do Serviço Regional de Saúde da Madeira, Carlos Mendonça, acrescentando que, só depois de essas preocupações estarem colmatadas, é que as questões emocionais começam a emergir e podem ser cuidadas. “É preciso, o mais rapidamente possível, devolver ao mundo a sua normalização, para que as pessoas possam sobreviver psicologicamente a uma tragédia desta dimensão”, sublinha o responsável que coordenou a equipa de 36 psicólogos que actuaram junto das vítimas dos incêndios na Madeira.
E como se faz essa normalização? Repondo, “na medida do possível”, aquilo que as pessoas perderam. Foi esse o foco das autoridades madeirenses, quando, no último Verão, perto de mil pessoas foram deslocadas devido ao fogo que devastou o Funchal. Rubina Leal, secretária regional da Inclusão e Assuntos Sociais do governo regional, recua até àquele mês de Agosto, quando mais de 250 famílias ficaram sem casa e outras tantas viram a habitação sofrer danos consideráveis.
“A nossa primeira prioridade foi devolver a normalidade às pessoas”, recorda, lembrando o desespero das pessoas que foram alojadas provisoriamente no Regimento de Guarnição N.º 3, um dos quartéis militares do Funchal. “Estavam perdidas, despidas, confusas”, lembra, dizendo que o executivo madeirense preocupou-se logo em resolver as questões mais básicas como a habitação, a alimentação e o vestuário.
Agilizando processos burocráticos e reforçando competências do instituto responsável pela habitação social no arquipélago, o Investimentos Habitacionais da Madeira, foi possível numa semana realojar mais de cinco dezenas de famílias. “Tratámos de tudo. Da casa, dos electrodomésticos, do vestuário entregando a cada uma das famílias um kit de primeira necessidade.” Tudo para que pessoas que passaram por uma experiência traumática, catastrófica, possam voltar a sentir chão debaixo dos pés.
Para o quartel militar, além de equipas de psicólogos, o governo madeirense fez deslocar serviços e técnicos da Segurança Social, que foram responsáveis por sinalizar as necessidades e priorizar os apoios. “As pessoas foram acompanhadas por equipas multidisciplinares desde que chegaram, até saírem.”
Mesmo modelo de resposta
O mesmo modelo de resposta está a ser implementado agora em Pedrógão. O primeiro-ministro, que se reuniu a meio da tarde deste domingo com os autarcas de Figueiró dos Vinhos, Pampilhosa e Pedrógão Grande, anunciou no final aos jornalistas a instalação no terreno de quatro centros operacionais da Segurança Social.
Estes centros, explicou António Costa, serão instalados em Pedrógão Grande, Avelar, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, e visam dar resposta a necessidades ao nível de alojamentos e apoios sociais de emergência.
Depois de pedir — “especialmente às rádios”, dado que muitas zonas estavam ainda sem electricidade — que transmitissem aquela informação às populações, o primeiro-ministro adiantou que a secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim, permanecerá na zona para articular as respostas necessárias e que caberá ao ministro do Planeamento e das Infra-estruturas, Pedro Marques, a coordenação do conjunto de apoios que serão necessários para a reconstrução, tal como aconteceu em relação aos incêndios na Madeira.
Nos primeiros dias — Carlos Mendonça diz que as primeiras 24/48 horas são as mais complicadas —, é preciso fazer adaptações e dar tempo às pessoas. No caso dos estudantes, Costa anunciou que os estabelecimentos de ensino dos três concelhos mais afectados vão ficar “encerrados por tempo indeterminado” e que os alunos, independentemente de onde estudem mas desde que residam em Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, vão ter os exames e provas de aferição adiadas para data oportuna.
“É preciso dar tempo às pessoas”
O coordenador da Unidade de Psicologia da Madeira concorda. “É preciso dar tempo às pessoas, para que consigamos perceber o nível de afectação que esta situação traumática provocou”, nota, dizendo que depois da normalização é preciso olhar para eventuais sequelas emocionais. Uma situação como esta, de stress agudo, pode facilmente ser a “porta de entrada” para um stress traumático.
Na Madeira tentou evitar-se isso. E em princípio conseguiu-se. Quase um ano depois, menos de dez pessoas continuam a ser acompanhadas pelos serviços regionais de psicologia, e nenhuma delas por questões directamente relacionadas com os incêndios. “Começaram por isso, mas continuam por outras questões”, diz Carlos Mendonça, admitindo que situações como as de Pedrógão, pela semelhança, possam servir de gatilho para reviver memórias e episódios.