Confirma-se: Centeno é mesmo Ronaldo
O antigo diabo Schäuble virou anjo. E não precisou sequer de trocar de pele — bastou-lhe mudar de opinião.
Wolfgang Schäuble voltou a repeti-lo, e desta vez havia câmaras de televisão a filmar: Mário Centeno é mesmo o Cristiano Ronaldo do Eurogrupo. É certo que haverá sempre gente maldosa que dirá que Schäuble só lhe chamou Ronaldo por causa dos actuais problemas do jogador português com o fisco. Mas eu não sou desses. Eu sou daqueles que acreditam que o ministro das Finanças alemão não só estava genuinamente satisfeito, como — eis o mais curioso nisto tudo — tanto Centeno, como Costa, como Marcelo, estavam genuinamente satisfeitos com a satisfação de Schäuble. O antigo diabo virou anjo. E não precisou sequer de trocar de pele — bastou-lhe mudar de opinião.
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Wolfgang Schäuble voltou a repeti-lo, e desta vez havia câmaras de televisão a filmar: Mário Centeno é mesmo o Cristiano Ronaldo do Eurogrupo. É certo que haverá sempre gente maldosa que dirá que Schäuble só lhe chamou Ronaldo por causa dos actuais problemas do jogador português com o fisco. Mas eu não sou desses. Eu sou daqueles que acreditam que o ministro das Finanças alemão não só estava genuinamente satisfeito, como — eis o mais curioso nisto tudo — tanto Centeno, como Costa, como Marcelo, estavam genuinamente satisfeitos com a satisfação de Schäuble. O antigo diabo virou anjo. E não precisou sequer de trocar de pele — bastou-lhe mudar de opinião.
Mas atenção, caros leitores de esquerda: ele não mudou de opinião em relação àquilo que deveria ser a estratégia económica de Portugal. Ele mudou de opinião em relação à capacidade de Mário Centeno em seguir a estratégia antiga. Como se sabe, Portugal anunciou a intenção de antecipar o pagamento de dez mil milhões de euros ao FMI, porque os juros que está a pagar por esse dinheiro são muito superiores àqueles que neste momento tem disponíveis no mercado. Essa intenção foi louvada pelo ministro das Finanças alemão, que afirmou ser a prova de que o programa de resgate português é “uma história de sucesso”.
O próprio Marcelo veio logo a seguir fazer o seu comentário ao comentário de Schäuble, classificando as suas palavras como uma “grande alegria” e uma “profunda compensação”: “Serem os outros a reconhecer [o sucesso], sobretudo quando foram os mais críticos, os mais duros e muitas vezes os menos compreensivos com a situação portuguesa, naturalmente nos enche de satisfação.”
“Naturalmente”? Só este “naturalmente” é que não é nada natural. E não é só pelo senhor Schäuble, há apenas dois anos, ser para boa parte da esquerda portuguesa o Himmler de Adolf Merkel. É mesmo porque uma das mais perniciosas “narrativas” que está a ser insistentemente martelada na cabeça dos portugueses é que existe uma ruptura política profunda entre os governos de Passos Coelho e o Governo de António Costa — quando essa ruptura, de facto, não existiu. António Costa anunciou essa ruptura. Mário Centeno escreveu programas de governo com essa ruptura. A esquerda comprou essa ruptura. Eu acreditei nessa ruptura. Passos Coelho idem. Wolfgang Schäuble também. Só que ela não se realizou. Munidos de um pragmatismo digno de louvor, Costa e Centeno ofereceram à esquerda o indispensável para ela se manter calada durante dois anos (incluindo medidas obscenas como o regresso às 35 horas na função pública), e mal começaram a notar que o crescimento estava a cair em relação a 2015 e os juros da dívida a disparar, Costa e Centeno mandaram rapidamente às malvas o consumo interno e o investimento público e Portugal cresceu apoiado no investimento privado e nas exportações, incluindo aqui o espectacular boom do turismo, cujo grande mérito deve ser atribuído ao Estado Islâmico.
O mais curioso nas palavras de Schäuble — e na forma como elas foram corroboradas por Marcelo — não é a graçola de chamar Ronaldo a Mário Centeno, mas o facto de o incluir numa “história de sucesso”. Não são duas histórias de sucesso. Não é uma história de insucesso até 2015 e uma história de sucesso a partir daí. É uma, e só uma, história de sucesso, entre 2011 e 2017. Felizmente, o alegado governo mais à esquerda desde o 25 de Abril só o tem sido, até agora, na aparência. E essa é a grande sorte de Portugal.