Calma pessoal, a galinha não pôs o ovo
É possível que Portugal venha a ganhar muito mais do que somente a Agência do Medicamento. Mas só com uma condição: primeiro tem de a ganhar.
Há um ano e um dia, estava o Reino Unido a uma semana do seu referendo europeu, escrevi aqui uma crónica prevendo a vitória da saída da UE e acrescentando que “é inevitável que Portugal venha a participar na luta pelos despojos do Brexit”. Continuava: “vários países, a começar pela Irlanda, reivindicarão apoio político para receber agências da União que se encontram em solo britânico”, e também os responsáveis portugueses deveriam fazê-lo, mas “de forma criteriosa, escolhendo setores na área da inovação, das tecnologias e do conhecimento”. Defendi a partir daí uma candidatura portuguesa à Agência Europeia do Medicamento (talvez tenha sido a primeira pessoa a recomendá-lo diretamente ao governo, em setembro do ano passado).
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Há um ano e um dia, estava o Reino Unido a uma semana do seu referendo europeu, escrevi aqui uma crónica prevendo a vitória da saída da UE e acrescentando que “é inevitável que Portugal venha a participar na luta pelos despojos do Brexit”. Continuava: “vários países, a começar pela Irlanda, reivindicarão apoio político para receber agências da União que se encontram em solo britânico”, e também os responsáveis portugueses deveriam fazê-lo, mas “de forma criteriosa, escolhendo setores na área da inovação, das tecnologias e do conhecimento”. Defendi a partir daí uma candidatura portuguesa à Agência Europeia do Medicamento (talvez tenha sido a primeira pessoa a recomendá-lo diretamente ao governo, em setembro do ano passado).
Por isso segui atentamente tudo o que tem a ver com este assunto. A primeira menção pública a que o governo assumiria uma candidatura apareceu numa breve do Expresso, em outubro do ano passado. A candidatura portuguesa teve a vantagem da antecipação. Sob protesto dos britânicos, o Conselho da UE decidiu mesmo mudar a agência e começar a trabalhar nos critérios da sua reatribuição, e só então começaram a aparecer menções a outros países candidatos na imprensa internacional. Houve uma visita técnica das autoridades portuguesas à sede da Agência, em Londres. Houve um “voto congratulatório” na Assembleia da República aprovando por unanimidade a candidatura, então já aí mencionada, por três vezes, como sendo de Lisboa. E só depois de tudo isto o assunto explodiu no mundo da política portuguesa: por que raio haveria a Agência Europeia do Medicamento de situar-se em Lisboa, e não no Porto, em Braga, ou até em Coimbra?
(Isto levou-me a confirmar agora o que então escrevi na sugestão que fiz em setembro: não mencionava uma candidatura de Lisboa, mas apenas de Portugal, o que me deixa à vontade para escrever o que se segue.)
Em primeiro lugar, o Porto, Braga, Coimbra e todas as outras cidades portuguesas têm razão nas suas queixas sobre o centralismo português. E não é de hoje. Não se entende por que não há mais sedes de organismos nacionais fora da capital. De que está Portugal à espera para pôr o Tribunal Constitucional em Coimbra?
Em segundo lugar, no pequeno mundo da política portuguesa pouco se aprende e nada se recorda. Se fossemos a esperar pelas concelhias e distritais, pelos conselhos nacionais e outros que tais, nunca saberíamos da existência de uma Agência Europeia do Medicamento. As lideranças partidárias só acordaram para o assunto quando este virou polémica, à esquina das eleições autárquicas, obrigando alguns porta-vozes a reviravoltas pouco dignificantes: já iam lançados nas frases de efeito contra a Agência em Lisboa, quando foram lembrados do que tinham aprovado por unanimidade umas semanas antes.
Em terceiro lugar: agora toda a gente deu em falar como se a Agência já estivesse no papo. Talvez as vitórias no futebol e na eurovisão tenham deixado o pessoal a contar com o proverbial ovo antes de a galinha o ter posto. Ora, o que a candidatura vitoriosa de António Guterres à ONU provou é que um país desunido não ganha de certeza. Alguém se lembra do que aconteceu à Bulgária e às suas duas candidatas? Pois.
A Agência Europeia do Medicamento é importante. Traz muito emprego direto e indireto, além de consideráveis efeitos de propagação de conhecimento. O governo japonês afirmou, num memorando à cimeira do G20 em setembro de 2016, que aconselharia as farmacêuticas nipónicas a retirarem as suas sedes europeias de Londres caso o Reino Unido perdesse a agência. É possível que Portugal venha a ganhar muito mais do que somente a Agência do Medicamento. Mas só com uma condição: primeiro tem de a ganhar.
Portanto, caros líderes políticos, façam o favor de se entenderem. Escolham rápido e definitivamente uma cidade candidata, seja aquela que defendiam unanimemente há um mês, ou qualquer outra. Unam-se em torno da excelente cidade portuguesa escolhida. E aproveitem a polémica para se decidirem, de uma vez por todas, a apresentar um plano bem feito, orçamentado e calendarizado, para ir retirando de Lisboa organismos relevantes do estado central. Isto se ainda conseguirem lembrar-se de tudo o que disseram quando daqui a uns dias passarem ao próximo assunto vistoso.