Morreu Helmut Kohl, o homem que uniu a Alemanha
Tinha uma visão e acreditava que só a união (de um país, de um continente) evitaria uma nova guerra. George Bush chamou-lhe o “maior líder europeu” da segunda metade do século XX.
Diziam os entendidos nas idiossincrasias dos povos que os alemães gostavam de líderes intelectualmente brilhantes, carismáticos e com o dom da palavra. À primeira vista, Helmut Kohl não tinha o que era preciso para triunfar na política. Contra todas as expectativas, porém, não só se tornou chanceler como se manteve 16 anos no cargo, ficando claro ainda antes de sair do poder que seria o mais importante chefe de Governo desde Otto von Bismarck.
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Diziam os entendidos nas idiossincrasias dos povos que os alemães gostavam de líderes intelectualmente brilhantes, carismáticos e com o dom da palavra. À primeira vista, Helmut Kohl não tinha o que era preciso para triunfar na política. Contra todas as expectativas, porém, não só se tornou chanceler como se manteve 16 anos no cargo, ficando claro ainda antes de sair do poder que seria o mais importante chefe de Governo desde Otto von Bismarck.
Helmut Kohl morreu nesta sexta-feira aos 87 anos.
Kohl foi o líder que reunificou a Alemanha que a guerra partira ao meio, e foi o líder europeu que uniu a Europa, dando-lhe um nó que, esperava, nunca mais pudesse ser desatado. Um legado extremamente sofisticado para um homem do campo, que não fazia voltar cabeças quando entrava numa sala e que falava com um sotaque de província, como sempre sublinharam os seus inimigos políticos e muitos dos seus próprios parceiros de partido.
Kohl era um político de estilo diferente daquele a que Bona (a capital da Alemanha Federal) estava habituada. Era persistente e afável. Em vez de diplomacia elegante, fazia diplomacia afectiva — tornou-se amigo dos líderes de um mundo que via em transformação, Mikhail Gorbachev, o último Presidente soviético, o americano George Bush, o francês François Miterrand. Acompanhou as reformas do soviético e, quando percebeu os sinais da derrocada do bloco, arquitectou a reunificação alemã, em 1990, um ano depois da queda do muro de Berlim. Por causa disso, Bush chamou-lhe “o maior líder europeu da segunda metade do século XX”.
Finda a Guerra Fria e reunificado o território, passou à segunda fase do seu plano: unir a Europa. O seu parceiro de visão foi Miterrand. Os dois homens foram os principais promotores do Tratado de Maastricht, que cria a União Europeia (desaparecendo a velha Comunidade Económica) e abre o caminho para a criação de uma moeda única.
Quando Kohl fez 85 anos, o jornal de grande circulação Bild pediu depoimentos a Angela Merkel, a actual chanceler, e ao americano Henry Kissinger. Kissinger chamou-lhe “pioneiro do pensamento europeu”. Merkel sublinhou que na sua História recente a Europa tem dois momentos felizes: o nascimento da UE e a reunificação alemã; e ambos se devem a Helmut Kohl, escreveu. “É a obra da sua vida” e é o que “permite que estejamos solidamente lado a lado”, considerou a chanceler que concluiu: “Foi esta a lição que ele tirou do Nacional Socialismo e da II Guerra Mundial. A Alemanha tem muito que lhe agradecer”.
O legado político foi, porém, manchado — saiu da vida pública em 2002, com um escândalo, quando se soube que a CDU (união dos cristãos-democratas) recebera financiamento ilícito nos anos da liderança Kohl. Foi um momento amargo para o ex-chanceler que viu a sua protegida, Merkel — que foi buscar à antiga República Democrática e levou para o Governo em 1991 —, afastar-se dele, e repudiar o “patrono”, no que muitos viram como uma facada das costas de Merkel a Kohl. No livro que escreveu em 2014, Aus Sorge um Europa (A preocupação com a Europa), Kohl não poupa os seus sucessores, que responsabiliza pela crise do euro — a Merkel reprova a abordagem aos países em dificuldade e sujeitos a resgates. Mas defende ferozmente a integração europeia.
Era uma ideia antiga, na verdade uma obsessão desde que começou a carreira política, aos 16 anos, quando se filiou no Partido Democrata Cristão e começou a construir um percurso marcado por dois acontecimentos da sua vida. O primeiro, a morte do irmão mais velho, durante a II Guerra (Kohl queria encontrar uma forma de impedir novos conflitos no continente). O segundo, a memória do padre que, no bairro modesto de Ludwigshafen onde os Kohl moravam, falava aos miúdos das maravilhas da democracia. “A paz não pode ser apenas o oposto da guerra”, considerava Kohl.
Dizem os biógrafos que, no partido, o rapaz se tornou exímio a resolver disputas e a apagar rivalidades entre os jovens democratas-cristãos. Também criou amizades, acumulou contactos, ligações, montou uma rede que lhe permitia antecipar cenários. Transpôs o método para a política mundial — só não conseguiu quebrar a frieza que a britânica Margaret Thatcher lhe votava.
Kohl foi subindo na hierarquia do partido, preferindo apostar primeiro numa carreira interna antes de avançar para os cargos públicos, o primeiro deles o de chefe do governo da Renânia-Palatinado, uma região atrasada por comparação a outras da República Federal mas que mudou com as ambiciosas e bem-sucedidas reformas de Kohl. Em 1976, chegou à liderança da CDU e a elite de Bona não gostou de se ver mandada por este político de província sobre quem se contavam anedotas. “Não menosprezem Helmut Kohl”, avisou na altura o sofisticado, social-democrata e ex-chanceler Willy Brandt.
“Durante décadas fui subestimado. Mas saí-me bem dessa maneira”, disse Kohl sobre o seu percurso. Foi chanceler durante 16 anos, o que lhe valeu o título de “chanceler eterno”.
Nos últimos anos, depois de uma queda que lhe deixou o maxilar paralisado (e com grandes dificuldades para falar) e as ancas deficientes, Kohl andou de cadeira de rodas. No início de Maio de 2015, foi operado a uma anca, segundo divulgou a sua discreta família (os dois filhos e a segunda mulher, 35 anos mais nova). A revista Der Spiegel noticiou que, a seguir, foi submetido a uma segunda cirurgia, ao intestino, o que não foi confirmado pela família.
O fim da vida de Kohl foi ainda marcado pela publicação de uma biografia não autorizada em que se davam a conhecer os seus pensamentos supostamente sinceros e algo desdenhosos sobre uma série de líderes, de Merkel e Gorbachev.
Mas a sua herança continuou a mesma: o homem, que apesar de vir da província, se tornou o chanceler que mais tempo ocupou o cargo e uniu os alemães.