Incêndio em Londres também põe em risco carreira política de May
Contestação à resposta do Governo britânico à destruição do edifício de habitação social Grenfell Tower sobe de tom. Primeira-ministra foi apupada, e manifestantes dizem que não vão sossegar enquanto não cair.
Arrasada com o resultado da votação que em vez de reforçar a sua maioria legislativa acabou por resultar num mandato bastante mais débil para negociar o “Brexit” com a União Europeia, a primeira-ministra britânica, Theresa May, corre o risco de ver a sua carreira política irremediavelmente perdida, enterrada entre os escombros e a cinza da Grenfell Tower, a torre de habitação social de 24 andares no oeste de Londres que ardeu na noite de terça para quarta-feira. A morte de pelo menos 30 residentes já foi oficialmente confirmada, embora só três vítimas tenham sido identificadas: um refugiado sírio, uma artista e um menino de cinco anos. Estima-se que o número de mortos possa ultrapassar uma centena.
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Arrasada com o resultado da votação que em vez de reforçar a sua maioria legislativa acabou por resultar num mandato bastante mais débil para negociar o “Brexit” com a União Europeia, a primeira-ministra britânica, Theresa May, corre o risco de ver a sua carreira política irremediavelmente perdida, enterrada entre os escombros e a cinza da Grenfell Tower, a torre de habitação social de 24 andares no oeste de Londres que ardeu na noite de terça para quarta-feira. A morte de pelo menos 30 residentes já foi oficialmente confirmada, embora só três vítimas tenham sido identificadas: um refugiado sírio, uma artista e um menino de cinco anos. Estima-se que o número de mortos possa ultrapassar uma centena.
Theresa May regressou esta sexta-feira ao local da tragédia para anunciar a disponibilização de um fundo de emergência no valor de cinco milhões de libras para suprir as necessidades básicas dos sobreviventes – e a promessa de que todos os realojamentos seriam resolvidos num prazo de três semanas. Mas viu-se obrigada a abandonar a sessão na igreja de St. Clement sob escolta policial, debaixo de gritos de “vergonha” e “cobarde” da população – a quem mais uma vez não se dirigiu. Horas antes, os habitantes da zona, os bombeiros e paramédicos e os voluntários que correram a ajudar tinham conversado com a rainha Isabel II e o príncipe William.
A indignação com a resposta governamental transformou a “tragédia” numa crise política que Theresa May já não parece ter condições para enfrentar: a sua reputação já tinha sofrido um duro golpe após os ataques terroristas em Manchester e Londres; as suas promessas de “força e estabilidade” caíram por terra na sequência das legislativas. “O que é que ela pensava que ia acontecer? Nós perdemos tudo e ela não faz nada. O que é que ela trouxe de útil?”, questionava um morador entrevistado pela BBC.
Os protestos e críticas, que no rescaldo imediato do incêndio ainda se manifestavam de forma contida pelo efeito do choque, assumiram uma dimensão de fúria e contestação que ficou patente na invasão do auditório municipal do bairro de Kensington, onde se reuniam as autoridades locais, e nas palavras de ordem gritadas aos vereadores e outros responsáveis políticos. “O que queremos? Justiça! Quando queremos? Agora!”
Os manifestantes chegaram com uma extensa lista de exigências: uns querem saber onde vão dormir, outros querem que outros blocos não venham a arder da mesma maneira. À entrada, depararam-se com um forte cordão policial, impedindo-os de se dirigir aos eleitos locais. Os ânimos exaltaram-se, e ao fim do dia a multidão decidiu marchar de Kensington até Downing Street, para dizer a Theresa May que “não tem competência para ser primeira-ministra”. “Vai ser um Verão longo e quente”, prometia Weyman Bennet, um dos organizadores do protesto. “A classe trabalhadora não vai descansar enquanto a primeira-ministra não cair”, estimou.
Os manifestantes têm uma longa lista de nomes que acusam de negligência e responsabilidade no sinistro, mas são sobretudo as políticas de austeridade defendidas pela líder conservadora que estão a ser atacadas. “Os critérios de segurança deterioraram-se com anos consecutivos de cortes. Não venham dizer que temos de aprender a lição depois desta tragédia, porque não temos nada a aprender. Só temos de perguntar por que se cortou na segurança”, dizia o secretário-geral do sindicato de bombeiros, Matt Wrack, junto à residência oficial da primeira-ministra.
“É verdade que as autoridades locais [de Kensignton e Chelsea] são culpadas de negligência na garantia dos direitos humanos da população. As pessoas morreram dentro de casas que não tinham segurança contra incêndio. Mas as autoridades cumpriram a legislação e as orientações dadas pelo Governo, que foram no sentido de cortar em tudo. Este é o resultado da política do nosso Governo, que anda a pôr o lucro à frente das pessoas há demasiado tempo”, atacava a londrina Carolyne Hill, citada pelo The Guardian.
Como escrevia a revista The Economist, “é bem possível que a destruição daquele edifício [a Grenfell Tower] venha a simbolizar o fim de uma era na política britânica” – uma era de privatizações e desregulação económica, que resultou numa desigualdade extrema e inconciliáveis divisões e tensões sociais. “A nossa comunidade tenta há anos combater a gentrificação. Já chega desta política de limpeza étnica e social, temos o mesmo direito a viver neste bairro que David Cameron, Michael Gove, ou Roman Abramovich”, dizia uma professora.
Para comentadores e analistas políticos, a resposta de May ao incêndio de Londres poderá ficar na história como o seu “momento Katrina” – a comparação diz respeito à reacção alheada e distante do antigo Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, perante a terrível devastação da cidade de Nova Orleães provocada por um furacão, em 2005. Mais do que a proverbial fleuma nacional, o que os britânicos viram nas breves visitas que a primeira-ministra fez ao local foi apatia e indiferença. “Estamos a ser tratados como lixo”, resumiu uma moradora.