O Centro Social de Miragaia vai fechar, mas as trabalhadoras e os utentes não aceitam
As trabalhadoras e os utentes do Centro Social de Miragaia juntaram-se esta sexta-feira numa vigília contra o encerramento da instituição. A Diocese do Porto já falou com as funcionárias e diz que a decisão é irreversível.
Quem passa pelo Centro Social da Paróquia de Miragaia não deixa de reparar nos cartazes que estão colocados à porta. “É vergonhosa esta situação! Queremos a instituição aberta. Miragaia precisa disto”, lê-se numa das cartolinas afixadas junto a um pano preto à entrada.
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Quem passa pelo Centro Social da Paróquia de Miragaia não deixa de reparar nos cartazes que estão colocados à porta. “É vergonhosa esta situação! Queremos a instituição aberta. Miragaia precisa disto”, lê-se numa das cartolinas afixadas junto a um pano preto à entrada.
Em Maio, os utentes e trabalhadores da instituição foram informados que, a partir do dia 1 de Setembro, as portas vão fechar definitivamente. A decisão foi comunicada através de um documento colocado à porta do nº23/29 da Rua dos Armazéns, em Miragaia, e a comunidade não aceita que esta seja a única solução. Esta sexta-feira foi organizada uma vigília contra o encerramento e na próxima segunda-feira a acção de protesto repete-se na Praça da Trindade, das 20h às 22h.
As 25 funcionárias do Centro Social de Miragaia, uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) fundada em 1961, temem ficar sem trabalho, sem indemnização e sem o pagamento dos salários que dizem ter em atraso, numa decisão que consideram ter sido diferente daquilo que lhes tinha sido comunicado no início.
Segundo Inês Familiar, directora técnica do Centro Social e Paroquial de Miragaia, a instituição estava “numa espiral de falência técnica há alguns anos” devido a factores externos, como o facto de estar inserida “numa comunidade muito pobre”, onde se tem assistido à diminuição do número de utentes e à desertificação da freguesia. A funcionária diz que estavam a ser feitos esforços de manutenção e de procura de mais contribuições.
Uma proposta de reestruturação que acabou no encerramento
No início de Março e tendo em conta as dificuldades financeiras que o centro enfrentava, conta Inês Familiar, as funcionárias foram contactadas por uma Comissão Administrativa nomeada pelo Bispo do Porto, António Francisco dos Santos, com o objectivo de elaborar uma proposta de sustentabilidade onde seria assegurada a manutenção de três valências do centro – Creche, Serviço de Apoio Domiciliário e Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental (CAFAP) – e teriam que ser encerradas as restantes três áreas de apoio. No total, seria necessário o despedimento de 11 funcionárias com uma compensação superior à prevista pelo Código de Trabalho para o despedimento colectivo.
Depois de 18 das 25 trabalhadoras do centro terem aceitado a proposta, a directora técnica diz que a comissão avançou para a apresentação de um pedido de insolvência, afirmando não ter condições de funcionamento, após a saída de mais trabalhadoras do que o previsto.
Carmo Marques, coordenadora pedagógica, explica ao PÚBLICO que quando a proposta foi apresentada as funcionárias questionaram as consequências caso mais de 11 pessoas quisessem aceitar o acordo. “Disseram-nos para não nos preocuparmos que isso seria da responsabilidade deles. Não nos foi apresentado qualquer critério, estávamos em pé de igualdade. Nunca 18 pessoas quiseram sair, 18 pessoas disseram sim perante aquela proposta de negociação”, afirma, sublinhando que a proposta que lhes foi entregue era de reestruturação e que “nunca ninguém disse sim ao encerramento do centro”.
Em comunicado emitido esta sexta-feira o director do Secretariado Diocesano de Comunicação, Jorge Duarte, diz que “a situação, que se foi degradando substancialmente ao longo dos últimos anos, é de manifesta ruptura financeira, cessação de pagamentos e impossibilidade de cumprimento das suas obrigações”, acrescentando que o Centro Social e Paroquial de Miragaia “não dispõe de meios financeiros para cumprir com as suas obrigações”.
"A resposta que nos deram não é resposta"
A Diocese acrescenta que “os trabalhadores, através do processo de insolvência, verão asseguradas as retribuições em dívida, a atribuição de um fundo de garantia salarial que cobre a compensação devida até ao tecto assegurado pelo próprio fundo e o subsídio de desemprego”.
No entanto, e depois de uma reunião entre as funcionárias e o Bispo do Porto, Carmo Marques afirmou que há demasiados salários em atraso e não vê como vão ser garantidos os direitos laborais das funcionárias: “A única coisa que nos dão é o mínimo e eu só de subsídios em atraso tenho 9000 euros. O topo máximo do fundo de garantia salarial são 8900 euros. Onde estão as soluções?”, questiona a coordenadora pedagógica. “A resposta que nos deram não é resposta. Não é justo e nós não aceitamos que nos digam que os direitos estão assegurados através do subsídio de desemprego e do fundo de garantia salarial, porque não estão”, considera, sublinhando que muitas das funcionárias, por se encontrarem numa idade avançada, "quase de certeza que não vão voltar a ser contratadas".
Inês Familiar acrescenta que todos estavam conscientes da falência técnica e que a comissão nomeada tinha como objectivo encontrar uma solução alternativa ao encerramento que implicava “uma reestruturação, um licenciamento e a agregação" de todas as respostas sociais num só espaço. “Alimentaram expectativas às trabalhadoras e aos utentes”, afirma, sublinhando que as funcionárias têm vindo a adiar os subsídios desde 2014 para ser possível encontrar uma solução de manutenção.
Há vagas noutras instituições, mas utentes não querem sair
Os cerca de 200 utentes (crianças e idosos) e os pais que ali deixam os filhos também se mostram descontentes com a decisão. Apesar de a Diocese do Porto garantir que “todos têm assegurados os serviços e cuidados prestados por outras Instituições da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto”, há quem não aceite mudar de local.
Amélia Simões tem 79 anos e vê no Centro Social da Paróquia de Miragaia a sua “única hipótese”. Os problemas de saúde não lhe permitem ter independência e Amélia não esconde a tristeza por perder o centro que a acolheu. “Isto significa muito para mim. Eu não sei o que vou fazer porque é aqui que faço tudo: tomo banho, deixo a roupa. Elas fazem-me tudo”, conta.
Maria José Lopes frequenta a instituição há cinco anos e diz que depois do encerramento não vai para outro sítio: “Não quero ir para mais nenhum lado. Já estava habituada aqui, era muito próximo de minha casa e toda a gente me tratava bem“.
“Estão as crianças e os utentes do centro do dia, estão aqui pessoas que a única família que têm são as funcionárias e as trabalhadoras do centro de dia. Vão ser encaminhadas para uma zona de desconforto?”, questiona Carmo Marques.
As funcionárias e os utentes recusam-se a aceitar o encerramento e organizaram na passada sexta-feira, dia 9, uma Assembleia Comunitária, onde marcaram presença cerca de 70 pessoas e membros do Bloco de Esquerda (BE) e do Partido Comunista Português (PCP), que recentemente questionaram na Assembleia da República o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social sobre a situação do encerramento desta IPSS.
Quando fala sobre o encerramento da instituição e o futuro da freguesia, Inês Miranda tem algo a dizer: "Miragaia está a ficar mais pobre."
Texto editado por Ana Fernandes