Os Rua, a história de uma geração de arquitectos
Criado nas vésperas da crise, o Atelier Rua conta a história de uma geração que entrou em modo de resistência. Composto por quatro sócios, é também o espelho de como a autoria é em arquitectura cada vez mais uma questão colectiva.
É quase um poema, um parque de campismo escondido num sítio antigo chamado Rossio ao Sul do Tejo, ao lado de Abrantes. Um parque de campismo que se instalou numa plataforma ligeiramente elevada sobre a margem esquerda do rio, aqui transformado num grande plano de água. É fácil imaginar um fim-de-semana à sombra dos plátanos, com descidas ao Tejo no pico do calor, e noites a olhar o espectáculo em que o edifício do camping se transforma, mal as luzes se acendem.
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É quase um poema, um parque de campismo escondido num sítio antigo chamado Rossio ao Sul do Tejo, ao lado de Abrantes. Um parque de campismo que se instalou numa plataforma ligeiramente elevada sobre a margem esquerda do rio, aqui transformado num grande plano de água. É fácil imaginar um fim-de-semana à sombra dos plátanos, com descidas ao Tejo no pico do calor, e noites a olhar o espectáculo em que o edifício do camping se transforma, mal as luzes se acendem.
Os serviços comuns do Camping Abrantes escondem-se num edifício que se encaixa como uma muralha contemporânea nos limites definidos pela vila antiga. O desenho valeu ao atelier Rua uma nomeação para o último Prémio Mies van der Rohe, a mais prestigiada distinção europeia de arquitectura.
Como o parque de campismo se instalou numa zona de leito de cheia, nesta requalificação e ampliação encomendada em 2010 pela Câmara Municipal de Abrantes não se pôde construir além do que já estava aqui implantado. Escolheu-se o que era para ficar, dois armazéns, e demoliu-se o resto, pequenas casas sem grande história.
Uma parede de betão ziguezagueia como uma cobra e contorna o Rossio ao Sul do Tejo, fazendo as costas deste edifício aberto, que, na verdade, é quase uma longa galeria de 130 metros de comprimento. “A ideia é fomentar ao máximo a relação com o exterior. Estamos sempre no exterior, mas não estamos no exterior”, diz Francisco Freitas, um dos quatro arquitectos-sócios do Atelier Rua.
“É uma estrutura muito simples, com tudo à vista, o mais barato possível”, afirma Francisco Freitas. O programa — balneários, cafetaria, recepção, zona de lavagens — instalou-se nas “bolsas” criadas pela demolição dos antigos edifícios, que são contornadas por uma fachada desenhada através do ritmo de quase 500 lâminas de 30 centímetros de espessura que exercem também a função de suporte.
“A luz é importantíssima e transforma imenso o espaço”, aponta Luís Valente. Enquanto roda em redor do edifício, o sol entra pelas lâminas e esta pele comporta-se de maneiras muito diferentes. À noite, para quem está nas tendas, a luz artificial da galeria é quase como um candeeiro.” E Francisco Freitas acrescenta: “É como um filme das coisas a acontecer. Vemos as pessoas a circular lá dentro.”
Se o Camping de Abrantes é o projecto mais conhecido entre os pares — porque além de uma nomeação para o Prémio Mies tem sido publicado em sites de arquitectura -, o mais divulgado é a Pensão Agrícola, situada nos arredores de Tavira.
Desde que abriu em 2015 que a Pensão Agrícola se tornou num dos destinos na moda de fim-de-semana no Algarve, porque recuperou, para lá da estrada nacional 125, uma imagem do barrocal algarvio em vias de extinção. O projecto de recuperação e reconstrução, que começou em 2011, apostou na manutenção do carácter da casa existente e no reforço dessa identidade através de novas construções, depois de muita pesquisa em redor da arquitectura popular do Algarve. “A Pensão Agrícola dá-nos acesso a muito trabalho, porque aparece nos sites de life&style e de viagens [incluindo o suplemento Fugas do PÚBLICO]. Muito do trabalho de divulgação foi feito pelo cliente. Os ateliers têm ainda muita dificuldade em fazer divulgação”, explica Francisco Freitas.
A Pensão Agrícola é um projecto que lhes chegou através da encomenda de dois amigos, um médico e um engenheiro de Lisboa, que queriam fazer um pequeno hotel, um turismo rural. “Eles próprios no início também não sabiam muito bem o que queriam. Foi um trabalho interessante construir o projecto em conjunto, os ambientes a desenvolver e o tipo de serviços que queriam prestar”, explica Luís Valente. Por exemplo, o conceito de cada quarto ter o seu espaço exterior associado. Tentaram que não houvesse vãos, portas e janelas que rasgassem os planos brancos. “Quando estamos nos pátios só vemos paredes e terraços, estamos sempre entre muros. É uma mistura entre moderno e vernáculo: é o branco, o plano, a caixa, são as sombras”, continua Rui Didier.
Só no terceiro encontro foi possível juntar os quatro arquitectos que fazem parte deste atelier: Francisco Garcia de Freitas, Luís Costa Valente, Paulo Vieira Borralho e Rui Velho Didier. Os Rua são um colectivo e simbolizam a maneira de trabalhar de toda uma geração. Não são um atelier uninominal, organizado à volta de um nome como Álvaro Siza ou Eduardo Souto de Moura, não são uma dupla, como os suíços Herzog & De Meuron, mas antes quatro arquitectos que se conheceram na escola e acabaram a formar um gabinete em 2006 à beira da crise rebentar.
Nascidos em 1978 entre Évora, Castelo Branco e Lisboa, licenciaram-se todos na Universidade Lusíada entre 2002 e 2004, altura em que se espalharam por vários ateliers europeus para fazer o estágio. Francisco Freitas foi para os suíços Herzog & De Meuron, Paulo Borralho e Rui Didier para os holandeses Mecanoo e Luís Valente para o atelier de José Adrião (Lisboa), por onde também passou Rui Didier.
“Queria ter essa experiência de trabalhar lá fora. Acabei o curso, fiz Interrail durante um mês e fui deixando portfólios nos ateliers”, conta Paulo Borralho. “Era relativamente simples arranjar um estágio porque alguém saído das faculdades portuguesas era muito bem visto.”
Dez anos de atelier
Este ano, no início de Janeiro, os Rua fizeram uma festa para comemorar os dez anos de atelier. Um pouco atrasada, uma vez que se juntaram em 2006, mas quiseram esperar pelo final das obras de ampliação do atelier da Rua das Fontainhas, situado na Alcântara velha e operária, que ganhou no final de 2016 um novo andar e uma sala de reuniões, onde decorre, aliás, a entrevista com os quatro à volta de uma grande mesa.
Há pouco mais de um mês, com uma equipa que inclui uma arquitecta associada e três colaboradores, deixaram de ser uma empresa que se organizava como “uma pirâmide invertida”. “Éramos mais sócios do que empregados. Somos quatro arquitectos, que eram quatro colaboradores, que eram quatro estagiários”, comenta Luís Valente. “Tivemos que aprender a trabalhar em equipa e a ceder.”
A forma como se foram moldando uns aos outros foi através de concursos públicos e isso acabou por os definir como equipa. No princípio, todos queriam fazer tudo. Mas quando tiveram dois concursos ao mesmo tempo — o que envolvia quatro municípios do Médio Tejo para dinamizar as margens do rio (24 quilómetros, de Vila Nova da Barquinha até Abrantes) e outro para um banco em Badajoz que chegou através dos Mecanoo — foram mesmo obrigados a dividir tarefas.
O que é que um colectivo como o deles significa em relação às práticas mais tradicionais de organizar um atelier? “Somos quatro pessoas e apesar de sermos muito diferentes temos uma forma de pensar muito idêntica. Acho que conseguimos manter o discurso bastante fluído sem nos atropelarmos”, responde Rui Didier. “Participamos todos nos trabalhos, mas há um que é o responsável pelo projecto. E sente-se que o trabalho está a fluir mais por essa cabeça, apesar de todos darmos os nossos inputs.”
Paulo Borralho acrescenta que nunca é necessário impor uma hierarquia e que ela acontece naturalmente: “Não diria que é uma hierarquia, mas a última pessoa que tem a responsabilidade de tomar a decisão é o coordenador.” Essa decisão, nota Luís Valente, “é muito contaminada pela opinião dos outros”.
Se tal como nos outros ateliers há a figura de chefe projecto, um colectivo não acaba por organizar-se da mesma maneira em relação à concepção do projecto? Rui Didier não acha que seja bem a mesma coisa: “A grande mais-valia em relação a um atelier que não seja um colectivo é sermos mesmo várias pessoas. A criatividade multiplica-se por quatro, a forma de pensar multiplica-se por quatro. Tudo se multiplica por quatro.” E Paulo Borralho acrescenta: “Não sinto que o atelier é meu, mas que é o somatório de nós os quatro.”
No Camping de Abrantes, por exemplo, foi decisiva a experiência de Rui Didier com este tipo de equipamento. “Era um programa completamente familiar, porque faço campismo desde miúdo e andei muito com os meus pais pela Europa com uma caravana. Era uma aventura chegar ao parque de campismo e descobrir as diferenças. Depois, era sempre uma conquista. Quando chegou o programa, sabia exactamente o que é que gostava que fosse um parque de campismo.”
O que acabou por ser transferido para Abrantes foi a procura de uma grande permeabilidade. “Fazia-me muita impressão quando era pequeno os edifícios dos parques de campismo não terem janelas. Foi uma coisa que explorámos ao máximo. Só a recepção e a cafetaria é que são espaços encerrados, porque têm um uso diário pelas pessoas que estão lá a trabalhar. De resto, há um uso pontual, ir à casa de banho ou lavar a loiça... Aí, tentámos que fosse o mais fluido possível e que houvesse sempre uma relação com o exterior.”
Pacto de sobrevivência
Para quem abriu um atelier no final de 2006, depois de se terem despedido dos ateliers internacionais, tudo o que veio a seguir foram más notícias, lembra Paulo Borralho. “Tínhamos poupanças. O Francisco e eu assumimos esse investimento de montar a estrutura à espera que houvesse o mínimo de solidez para que eles os dois se pudessem integrar na equipa. O Rui e o Luís colaboravam connosco sempre que podiam, mas estavam empregados noutro sítio [atelier José Adrião].” A solução de uma empresa com quatro sócios, continua Paulo Borralho, adapta-se melhor à situação económica que estava para durar. “Abrimos num momento em que começa a rebentar a crise, em que há mais arquitectos no mercado e a encomenda a diminuir. Praticamente, trabalhámos sempre em crise. Não houve um período de explosão.” Se o Atelier Rua surge porque, em primeiro lugar, há uma raiz de amizade, que vem de um proto-atelier que já tinham nos tempos da faculdade para fazer trabalhos, há depois uma verdadeira necessidade económica para conseguir controlar custos.
Quando o atelier começou a funcionar, entrou logo em modo de resistência. Como fazer um atelier sobreviver? — era a pergunta.
“Somos de uma geração com grandes dificuldades para arranjar trabalho. E fazemos parte de uma profissão em que o trabalho perdeu muito valor nos últimos dez a 15 anos. Nós apanhámos a fase da queda da construção que se associou à crise”, conta Francisco Freitas.
Tudo isso foi importante na forma como organizaram o atelier e as suas vidas. Em 2008, quando rebentou a mais grave crise internacional desde a Grande Depressão, tinham 30 anos. Vem depois, em 2011, a troika de credores para Portugal em plena crise da moeda única.
Mas fizeram um pacto. “Íamos sofrer, trabalhar dia e noite. A única coisa que tínhamos para pagar era uma renda de 400 euros”, lembra Francisco Freitas. “Trabalhámos para que as nossas exigências fossem muito poucas.”
Cá fora, o trabalho disponível para os arquitectos mudava. Deixa de haver nova construção e centra-se na reabilitação no interior das cidades. “Houve um corte brutal na construção com o medo de gastar dinheiro. Ultrapassámos todas as dificuldades porque adoramos aquilo que fazemos”, afirma Luís Valente.
Em 2008, fizeram uma aposta em África porque tinha que haver estratégia para além da casa do tio, uma direcção que também seguiram outros ateliers portugueses. Como resultado de viagens a Angola, Moçambique, Cabo Verde e Brasil, fizeram alguns pequenos projectos e ainda têm empresa aberta em Cabo Verde e Moçambique, mas o que os conseguiu alimentar foi o resultado dos concursos de arquitectura a que se apresentavam. Foi por causa do concurso que fizeram para o Médio Tejo, em que ficaram em terceiro lugar, que a Câmara de Abrantes lhes encomendou o parque de campismo há sete anos.
Para ter encomendas, é preciso ter obra construída para poder divulgá-la e o drama, dizem os Rua, é o que o trabalho de arquitectura desta geração fica todo na gaveta. “É uma arquitectura de imagem, parece que está construída mas não está. É muito difícil ter obra”, explicam. “O nosso primeiro trabalho construído foi nos últimos três anos, o parque de campismo e a Pensão Agrícola. Levámos oito anos a conseguir ter trabalho construído e divulgado.”
Nos últimos dois anos, a empresa e o panorama da arquitectura em Portugal mudaram um pouco: o Atelier Rua conseguiu alguma encomenda estrangeira, mas através de clientes que queriam construir em Portugal, e reapareceu algum investimento privado português. “Surgiram clientes estrangeiros, principalmente europeus, reflexo do mercado e associado essencialmente ao turismo. Investimentos que não se resumem a Lisboa: temos projectos em Mafra, em Tavira, no Meco. Mas também existe investimento português no turismo, estamos agora a começar um pequeno hotel na Baixa [de Lisboa], de clientes privados portugueses”, explica Rui Didier a propósito das alterações positivas sentidas nos últimos anos.
“Há holandeses, ingleses, alemães, franceses, muitos europeus, a recuperar casas e a fazer casas novas.” Luís Valente diz que Portugal se transformou na casa de fim-de-semana ou de reforma da Europa, explicando que houve mesmo uns clientes holandeses, que lhes pediram uma casa em Santiago do Cacém, que os descobriram através do Pinterest, uma rede social de partilha de fotos. “Esta invasão da Europa é benéfica para nós em termos comerciais. Há uma valorização maior da arquitectura pelos clientes estrangeiros e orçamentos mais equilibrados. Isso faz com que estejamos numa fase positiva do atelier.”
Jogo de espelhos
Antes da conversa com os quatro arquitectos no atelier, já tínhamos visitado os escritórios do conselho de administração do Porto de Lisboa, na Gare Marítima de Alcântara, um dos últimos projectos construídos pelo atelier. Tal como nas outras duas obras, encontramos uma forte relação com a paisagem, aqui um cenário portuário, através de jogos de ilusão criados pela utilização de espelhos e de planos translúcidos. Numa intervenção feita sobre um edifício desenhado originalmente por Pardal Monteiro nos anos 40 do século XX, os Rua dividem longitudinalmente uma nave abobadada através de uma parede espelhada de 24 metros, criando uma grande sala de reuniões e um espaço de escritórios. Do outro lado dessa parede, o espelho transforma-se em vidro opalino, organizando um corredor que dá acesso a uma série de gabinetes onde trabalham os administradores do Porto de Lisboa. “Os espelhos completam virtualmente a volumetria da nave e reflectem a actividade portuária trazendo a cor do exterior para dentro da sala. As pessoas que se reúnem aqui, numa mesa que pode juntar 40 pessoas de 11 municípios, sentem-se no centro da acção portuária”, explica Paulo Borralho.
Há dois anos para cá os arquitectos do Atelier Rua já não se dividem entre concursos e projectos que não saem da gaveta, mas a fazerem assistência à obra. “Nos oito primeiros anos, a visita à obra foi um trabalho raro dentro da empresa e que faz parte da profissão de arquitecto”, diz Francisco Freitas. “Foi a persistência que nos fez chegar cá. Neste momento está em obra uma adega em Vila Velha de Ródão, a revitalização do centro de Moscavide, a tal reabilitação de um prédio na Rua da Prata que vai ser um pequeno hotel e está para começar uma escola em Tomar, além de mais algumas casas.”
Mas regressemos a 2006 e à escolha do nome do atelier. Foi uma guerra até se porem de acordo.
Acabaram por juntar “atelier” à palavra “rua”, que surgiu primeiro, reconhecendo que a segunda tem um sabor antigo, uma vez que a forma como as empresas de arquitectos hoje se organizam é muito mais profissional. “Só Rua pareceu-nos estranho. Mas somos os Rua, não dizemos Atelier Rua”, comenta Francisco Freitas.
Quando descobriram o nome, começaram a perceber todo o seu potencial. “Mas não havia ideologia.”, diz Luís Valente — nada parecido com uma arquitectura que tenha caído na rua. “À medida que o fomos interiorizando, o nome começou a ter outros significados. Mas não há uma história romântica para contar. É uma escolha intuitiva.” Francisco Freitas acrescenta que no início os Rua chegaram a apresentarem-se como um atelier de “arquitectura, urbanismo e design”, lembrando Paulo Borralho que “a rua é lugar onde acontece a síntese destas três escalas”.
O que sempre tiveram vontade foi de sair de um apartamento, onde chegaram a ter o primeiro atelier, para trabalhar perto da rua. Um atelier com porta aberta para a calçada, como o que têm agora na Rua das Fontainhas, em que os vizinhos passam e espreitam.
Sentados à mesa do atelier da Rua das Fontainhas, os Rua citam em Portugal os exemplos do colectivo Embaixada, que junta três arquitectos, ou dos Kaputt!, que chegaram a ser oito e entretanto se desmembraram. O que os quatro reconhecem é que há uma tendência para os ateliers se organizarem menos hierarquicamente à volta de uma figura. “Isso vê-se na maior parte dos países. Em Espanha ainda há outro nível, que ainda não se vê muito aqui em Portugal: o nosso é um colectivo que forma uma empresa, em Espanha há muitos colectivos que se juntam para fazer trabalhos”, explica Rui Didier.
Este ano, o famoso Prémio Pritzker foi pela primeira vez para um colectivo de arquitectura, ao atribuir a maior distinção da profissão ao catalão RCR, que junta Rafael Aranda, Ramon Vilalta e Carme Pigem. Já tinha sido atribuído a duplas, como Herzog & De Meuron, mas nunca a três arquitectos ao mesmo tempo. No início do mês, numa conferência no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, Anna Puigjaner, outra catalã, destacou o ar do tempo que distingue colectivos como o seu — os Maio também juntam quatro arquitectos num escritório de Barcelona — que tendem a contornar os nomes “unipessoais” e a “hierarquia” dos ateliers mais tradicionais
O arquitecto José Adrião, com quem dois dos Rua trabalharam até 2007, diz que para esta geração é muito mais difícil começar um atelier do que era no início dos anos 90, quando ele começou a trabalhar. José Adrião, que tem um atelier em nome próprio em Lisboa em que trabalham oito arquitectos (é autor da Casa da Severa, na Mouraria, por exemplo), explica que os encargos mensais são muito altos e é muito mais fácil quando existem três ou quatro sócios a partilhar despesas. “Nos anos 90, havia muitos ateliers que eram muito informais em termos de organização. Quando eu fiz estágio em Barcelona não tinha contrato de trabalho, nem direito a segurança social. Hoje isso é impensável. Agora são precisos computadores, programas, plotters, etc., quando a minha geração começou por desenhar à mão.”
Mas, além das razões económicas, mudou também a forma como se organiza um projecto, que actualmente é muito mais complexa. Hoje, um arquitecto é um coordenador de uma vasta equipa, com várias especialidades, do paisagismo às engenharias. “Na escola, nós éramos treinados como autores, fazíamos sempre os trabalhos de projecto sozinhos. Mas eu defendo sempre a arquitectura como um trabalho colectivo. No meu atelier falo sempre em nós e esse trabalho em equipa dilui muito a autoria.” Nas escolas onde dá aulas, nas universidades de Évora e Autónoma, os professores já se preocupam em formar os futuros arquitectos como coordenadores. “Pedimos-lhes que façam projectos em dupla, com uma autoria partilhada. Isso no meu tempo de faculdade nunca acontecia.”
Se na geração de José Adrião há várias duplas, e foi assim que começou a trabalhar com o arquitecto Pedro Pacheco, o arquitecto lembra que foram os Promontório, no início dos anos 90, que primeiro apresentaram em Portugal o atelier como uma estrutura mais profissional, de modelo empresarial, que passava exactamente por uma ideia de colectivo de quatro arquitectos que entretanto passaram a cinco.
Na Rua das Fontainhas, os projectos não são do Francisco, do Rui ou do Luís, explica Paulo. “A nossa maneira de fazer é o resultado desse somatório. É uma coisa que se foi construindo, no início até com uma certa conflitualidade, porque existiam egos e percursos para trás.” Mas se agora faltar um, diz Rui Didier, é difícil, “porque as quatro peças estão mesmo encaixadinhas”.
Há uma complementaridade que tem a ver com as personalidades de cada um: “Um é mais organizado, outro mais rigoroso, ou criativo, ou mais técnico. Um é mais brincalhão, outro é mais sério. Ainda discutimos muito, mas é saudável. Quando deixarmos de discutir é que vai ser um problema.”