Nem todas as empresas com capital público passam pela Cresap
Governo defende que nomeações para a TAP não precisam de parecer prévio da comissão de recrutamento.
O tema foi colocado em cima da mesa pelo CDS, que desafiou o Governo a mostrar os pareceres da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap) sobre os nomes escolhidos para integrarem o conselho de administração da TAP. Mas o executivo de António Costa defende que a transportadora aérea não integra o sector público empresarial e, por isso, os dirigentes não estão abrangidos pelo Estatuto do Gestor Público (EGP). Questionada pelo PÚBLICO sobre se os gestores indicados deviam estar sujeitos a parecer prévio, fonte oficial da Cresap remeteu-se ao silêncio, afirmando que cabe ao Governo responder. A comissão apenas esclareceu que não recebeu nenhum pedido para se pronunciar sobre administradores da TAP.
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O tema foi colocado em cima da mesa pelo CDS, que desafiou o Governo a mostrar os pareceres da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap) sobre os nomes escolhidos para integrarem o conselho de administração da TAP. Mas o executivo de António Costa defende que a transportadora aérea não integra o sector público empresarial e, por isso, os dirigentes não estão abrangidos pelo Estatuto do Gestor Público (EGP). Questionada pelo PÚBLICO sobre se os gestores indicados deviam estar sujeitos a parecer prévio, fonte oficial da Cresap remeteu-se ao silêncio, afirmando que cabe ao Governo responder. A comissão apenas esclareceu que não recebeu nenhum pedido para se pronunciar sobre administradores da TAP.
A TAP é uma empresa pública?
Não. A partir do momento em que o Estado vendeu 61% ao consórcio Atlantic Gateway (de Humberto Pedrosa e David Neeleman), deixou de ser uma empresa pública. Agora, apresenta-se como uma empresa privada, com capital estatal. E é assim que o actual Governo a encara, mesmo quando passar de 34% para 50% do capital (os privados passam a deter 45%, e os trabalhadores 5%). Para o executivo, e tendo em conta o regime jurídico do sector público empresarial em vigor, a TAP já não é nem uma empresa pública nem uma empresa participada. Aliás, no memorando de entendimento assinado entre o executivo PS (a privatização foi da responsabilidade do anterior executivo, do PSD/CDS) e a Atlantic Gateway, ficou estipulado que o Estado não pode ficar com mais de 50% da empresa, e que esta não pode “vir a ser qualificada como empresa pública do sector público empresarial do Estado” após as alterações que ficarão concluídas na sequência da assembleia geral extraordinária de dia 30 de Junho. Já a Parpública, holding estatal onde está o capital da TAP, classifica-a como sendo uma “empresa associada”. O artigo 9.º do regime jurídico do sector público empresarial ainda remete para uma “extensão do âmbito de aplicação” do conceito de empresa pública, caso o Estado exerça uma influência dominante na sociedade. Isso ocorre, por exemplo, através da detenção de “uma participação superior maioria do capital”, da “maioria dos direitos de voto”, ou da capacidade de nomear ou destituir a “a maioria dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização”, o que não é o caso da TAP. Assim, os representantes do Estado não têm de passar pelo crivo da Cresap.
Quem é que o Governo escolheu para representar o Estado na TAP?
O Estado pode escolher seis nomes para o conselho de administração, incluindo o do presidente, cabendo ao consórcio privado a escolha de outros seis. No caso do Estado, a escolha que tem originado mais debate político foi a de Diogo Lacerda Machado. Advogado e amigo pessoal do primeiro-ministro, Lacerda Machado está ligado ao grupo de raízes macaenses, a Geocapital (criada por Jorge Ferro Ribeiro). A Geocapital esteve aliada à TAP na compra da VEM, empresa brasileira de manutenção de aeronaves, mas de onde depressa saiu, e que tem apresentado profundos prejuízos e afectado a condição financeira do grupo TAP.
Depois, foi escolhida a economista Ana Pinho, presidente da Fundação Serralves - e que esteve com o actual presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, na Associação Comercial do Porto - e António Menezes, ex-presidente da Sata, companhia área dos Açores, e que passou pela EuroAtlantic e pela suíça PrivatAir.
Ao seu lado vai estar Bernardo Trindade, ex-secretário de Estado do Turismo de José Sócrates (que esteve para ir para a CGD) e indigitado pelo Governo de António Costa para presidir à estrutura cuja missão é captar investimento que esteja no Reino Unido, na sequência do “Brexit”. Para a administração da TAP entra também Esmeralda Dourado, a gestora que o actual Governo já convidou para fazer parte da unidade de missão ligada à recapitalização das empresas e que participou na campanha presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa.
Por fim, a presidência do conselho de administração ficará entregue a Miguel Frasquilho, ligado ao PSD e que deixou há pouco tempo a presidência da AICEP (organismo estatal ligado aos investimentos e exportações). Miguel Frasquilho terá voto de qualidade nas deliberações do conselho de administração (CA), o que pressupõe alguma influência na gestão da empresa. A escolha do presidente do CA tem de ter em conta “as observações e sugestões da Atlantic Gateway relativamente à idoneidade e experiência empresarial do candidato”.
Como é feita a escolha das seis personalidades para integrarem o conselho de administração da TAP em nome do Estado?
Após a decisão do Governo, envolvendo o Ministério do Planeamento, os nomes são propostos pela Parpública, holding estatal onde está o capital da TAP detido pelo Estado, e votados em assembleia-geral da empresa. Neste caso, não há assim lugar a resolução do Conselho de Ministros.
Há representantes do Estado na comissão executiva?
Não. Dos 12 membros do conselho de administração, dos quais metade são nomeados pelo Governo, cabendo à Atlantic Gateway a outra metade, nove dos gestores s não têm funções executivas. Os outros três compõem a comissão executiva, e representam a escolha dos dois grandes accionistas privados (Humberto Pedrosa e David Neeleman: Fernando Pinto (presidente executivo), David Pedrosa (filho de Humberto Pedrosa) e Maximilian Otto Urbahn (escolhido por Neeleman).
Quais as competências da Cresap em relação aos gestores públicos?
A comissão é responsável por aprovar um regulamento com os critérios a ter em conta na avaliação dos candidatos a cargos de gestor público e, mediante solicitação do Governo, avalia os seus currículos e verifica se nomes escolhidos são adequados ao cargo.
Todos os gestores das entidades do sector público empresarial têm de passar pela Cresap?
Não. De acordo com o EGP, só os gestores das empresas públicas abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 558/99 passam pelo crivo da Cresap. É o caso, por exemplo, da Águas de Portugal, CP, Empordef, Parpública, entre outras. A Cresap pronuncia-se ainda sobre as nomeações dos dirigentes dos reguladores e de outras entidades atípicas, como os gestores hospitalares.
O parecer da Cresap é vinculativo?
Não, mas tanto este como o Governo anterior têm respeitado, em regra os pareceres da comissão, evitando nomear pessoas que a Cresap considerou inadequadas para o cargo. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 2013, quando travou a nomeação de dois vogais para a Parque Escolar por entender que não reuniam as condições exigidas para assumirem o cargo. Mas noutro caso, também com o anterior executivo, foi nomeada uma vogal para o Programa Operacional de Inclusão Social e Emprego a quem a comissão dizia faltar experiência.
Os gestores de empresas em que o Estado tem apenas uma participação ficam excluídos de parecer da Cresap?
Os titulares de órgão de gestão de empresa participada pelo Estado apenas são abrangidos por alguns dos artigos do Estatuto do Gestor Público - nomeadamente os que dizem respeito à autonomia de gestão, à duração do mandato ou aos requisitos a que deve obedecer a sua escolha, onde se refere que é competência do Governo "a definição do perfil, experiência profissional e competências de gestão adequadas às funções do cargo, dos quais deve informar a Cresap", enquanto a comissão deve definir, por regulamento, os critérios aplicáveis na avaliação de candidatos. Mas o EGP também diz expressamente (no artigo 2.º) que o artigo 13.º (que exige o parecer prévio da Cresap) não se aplica à nomeação dos dirigentes destas empresas.
Significa isto que os gestores nomeados pelo Governo para a TAP não precisam de ir à Cresap?
É esse o entendimento do Ministério do Planeamento e de alguns juristas, com o argumento de que a TAP não cai no grupo das empresas públicas abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 558/99. Remetem ainda para o próprio EGP, que dispensa a nomeação dos gestores das empresas participadas pelo Estado de parecer prévio da CRESAP. Contudo, uma fonte anteriormente ligada à Cresap defende que a obrigação de enviar os nomes à comissão não depende do tipo de empresa, mas do facto de o Governo estar a nomear administradores para representarem os interesses do Estado e que devem ser abrangidos pelo EGP.
A TAP é o único caso em que os gestores nomeados em representação do Estado não passam pela Cresap?
Não. Também os escolhidos para a Inapa, empresa distribuidora de papel e onde o Estado detém 32,7% (o BCP é dono de 11%), não são analisados pela comissão. Os gestores da Caixa Geral de Depósitos têm, desde 2016, um regime especial e estão excluídos do parecer da comissão, quando anteriormente estavam abragidos.
A Cresap apenas actua ao nível das empresas públicas?
Não. A principal missão da Cresap, criada em 2011 pelo executivo do PSD/CDS, é conduzir os concursos públicos destinados aos dirigentes superiores da Administração Central do Estado. É a Cresap que conduz os concursos e selecciona três finalistas, que envia para o executivo a quem cabe escolher um.