Saúde.35, o desastre dos números
A medida que obriga os hospitais a cortar 35% nos gastos com a contratação de profissionais é uma vergonha nacional.
Faltam milhares de médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS). É factual. Na teoria e na prática. Na teoria, a comparação entre os números da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), dos padrões, das necessidades e das existências é assustadora. Só no caso dos médicos faltam uns milhares. Na prática, todos os portugueses já o sabem. Basta estar atento. De uma ou de outra forma, já todos nos apercebemos que faltam muitos profissionais no SNS.
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Faltam milhares de médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS). É factual. Na teoria e na prática. Na teoria, a comparação entre os números da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), dos padrões, das necessidades e das existências é assustadora. Só no caso dos médicos faltam uns milhares. Na prática, todos os portugueses já o sabem. Basta estar atento. De uma ou de outra forma, já todos nos apercebemos que faltam muitos profissionais no SNS.
Por exemplo, no Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) faltam quase 100 médicos de várias especialidades. E o ministro da Saúde sabe disso. O ministro das Finanças não sei. Está demasiado concentrado nos números e na execução orçamental. E não conhece os problemas das pessoas!
A medida de execução orçamental do Estado para 2017, publicada no Decreto-Lei 55/2017, que obriga os hospitais e centros de saúde a cortar pelo menos 35% nos gastos com a contratação externa de médicos e enfermeiros, vai aumentar a pressão num SNS onde os seus profissionais estão em estado de exaustão e sem as condições de trabalho para exercerem as suas competências em pleno.
De acordo com o normativo, os ministérios das Finanças e da Saúde vão criar uma comissão conjunta que, a cada trimestre, verificará se os gestores dos hospitais e dos centros de saúde estão a fazer os cortes. Policiamento para cumprir a execução orçamental a todo o custo. Sem qualquer preocupação com as pessoas doentes.
De salientar que “os atos de gestão que violem estas diretivas são nulos e passíveis de punição civil, financeira e disciplinar”. “Cereja no topo do bolo.” Coação psicológica sobre os conselhos de administração, que assim terão que assumir todas as responsabilidades. Perante a sociedade civil pelos doentes que possam ser prejudicados. Perante o Governo se não cumprirem as referidas diretivas. Uma “geringonça” bem montada!
Uma vergonha nacional, num SNS depauperado, proposta pelo Ministério das Finanças e aceite pelo Ministério da Saúde. Sem qualquer preocupação com os doentes e com as pessoas que trabalham diariamente, em condições difíceis, para manter o SNS acima da “linha de água”. Esta é a face visível da contrapartida da reposição do pagamento de horas extraordinárias a apenas 75%, que já está em vigor e que tem efeitos retroativos a 1 de abril.
Para quando a solução adequada para corrigir as graves insuficiências que existem actualmente em capital humano, estruturas físicas, equipamentos, dispositivos, materiais e medicamentos?
Será que o Ministério da Saúde ainda não entendeu que não é possível ter um SNS para todos os portugueses (mantendo o seu código genético consagrado na Constituição da República Portuguesa) tendo nos seus quadros cerca de 27.000 médicos (dos quais mais de 9500 são médicos em formação — internos do ano comum ou internos da especialidade)?
Será que ainda não entendeu que acabar com as empresas prestadoras de serviços médicos (medida positiva) e médicos tarefeiros significa contratar para os quadros os médicos em falta no SNS? Até quando se vai continuar a permitir a degradação do Estado Social como base estruturante da nossa democracia? Até quando vamos continuar todos a sofrer, doentes e profissionais de saúde?
A Ordem dos Médicos não vai pactuar com este estado de desinvestimento e deterioração do nosso maior factor de coesão social, o SNS. E não vai hesitar em denunciar e responsabilizar os ministérios das Finanças e da Saúde, a todos os níveis, pelas consequências negativas que esta medida, somada ao desinvestimento no sector público da saúde, pode acarretar para a saúde dos doentes, nomeadamente em contexto dos serviços de urgência.
O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico